Ao longo dos últimos anos, o Brasil vem testemunhando o crescimento do estímulo ao desenvolvimento de energias renováveis, sobretudo a energia eólica.
São observados investimentos significativos do governo, de empresas, da academia e da sociedade, que se mostra cada vez mais consciente e em busca de hábitos sustentáveis.
Embora tenhamos já um número significativo de turbinas e parques eólicos onshore no país, ainda não temos empreendimentos offshore instalados, ainda que estudos de viabilidade e experiências comerciais em outros países tenham mostrado que a energia eólica offshore tem muitas vantagens do ponto de vista energético.
Por isso, diferentes estudos vêm sendo desenvolvidos no meio acadêmico com o apoio de empresas e outros órgãos, visando avaliar a viabilidade de parques eólicos offshore ao longo da costa brasileira.
Por outro lado, é inegável a importância da exploração de petróleo e gás natural ainda presente na economia brasileira, apesar de seus impactos ambientais e de serem uma fonte energética poluidora tanto na extração quanto utilização dos combustíveis.
Descarbonização da produção de óleo e gás
Vale lembrar que, após a ratificação do Brasil no Acordo de Paris, em 2016, o país se comprometeu a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 em 2025 (1).
É importante que estes esforços sejam colocados em prática de forma efetiva, e não apenas no discurso, e por esta razão é preciso que as iniciativas de transição energética sejam apoiadas não somente pelo governo e a população do país, mas principalmente por parte das empresas que representam as fontes mais poluidoras.
É por isso que vemos as empresas do setor de óleo e gás se preocupando com a descarbonização das suas atividades e em tornar seus processos progressivamente mais limpos.
Por exemplo, a estatal Petrobras, referência mundial em exploração petrolífera em águas profundas, vem apoiando projetos que visam tornar suas atividades produtivas menos intensivas em emissão de gases de efeito estufa (2).
Eólicas na geração de energia para campos de óleo e gás
A partir desta ideia, um projeto com o objetivo de avaliar a viabilidade energética e ambiental da construção e operação de turbinas eólicas offshore flutuantes para fornecer parte da potência elétrica consumida nas plataformas de extração de petróleo e gás natural operando em águas profundas nas bacias de Campos e Santos foi realizado por um grupo de pesquisadores e professores da Universidade de São Paulo.
Os resultados deste estudo constam no artigo Environmental Impact Assessment and Life Cycle Assessment for a Deep Water Floating Offshore Wind Turbine on the Brazilian Continental Shelf (3), publicado recentemente no periódico de acesso aberto Wind, da editora MDPI.
Análise do ciclo de vida
O estudo realizado utiliza duas ferramentas: a Análise de Ciclo de Vida e a Avaliação de Impactos Ambientais.
Na primeira, entende-se o quanto a construção, operação, manutenção e descomissionamento de uma turbina instalada em uma condição típica de plataformas de exploração de óleo e gás offshore no Brasil gerariam de emissões de CO₂ através da quantificação da energia gasta e materiais utilizados nos processos envolvidos, e contabilização das contribuições de cada uma das diferentes etapas.
Já na segunda ferramenta, identificam-se todos os danos que esta turbina poderia representar às condições socioambientais do local de instalação, analisando a biodiversidade local em conjunto com fatores sociais.
Considera-se a instalação de uma turbina eólica de 5 MW de potência a ser instalada em regiões de 500 a 1000 m de profundidade, sejam elas na Bacia de Campos ou Bacia de Santos.
Para a instalação da turbina em águas profundas, utiliza-se um sistema de amarração em catenária com cabos de aço.
Este sistema, em conjunto com a plataforma sobre a qual a turbina está instalada, é responsável pela parcela mais significativa de massa de aço de toda a composição, e sua produção representa mais de 70% das emissões de CO₂ de todo o sistema em seu ciclo de vida.
A produção e montagem de outros elementos da turbina (torre, nacele, rotor e pás e uma bateria para armazenar o excedente de energia e retificar o fornecimento de potência) também representam uma forte parcela dos impactos quantitativos, utilizando outros materiais como concreto, alumínio, fibra de vidro e cobre.
Além da construção dos elementos do sistema, outras etapas responsáveis pela emissão de dióxido de carbono e consumo de energia são o transporte de componentes de seus locais de produção até a região de montagem, e desta até o local de instalação, bem como a realização de viagens periódicas até a plataforma para manutenções e correções.
A produção de óleo lubrificante para reparo do sistema também entra neste cálculo, bem como o processo de reciclagem a ser feito com o fim da vida útil da turbina, após 20 anos.
Outro ponto pertencente ao ciclo de vida deste projeto que deveria ser contado é a operação de máquinas para montagem e reparos, o que infelizmente não foi levado em conta devido às limitações do processo de pesquisa.
Redução expressiva de emissões
Os resultados desta análise de ciclo de vida mostram que as emissões totais de dióxido de carbono foram de cerca de 21,6 gCO₂ por kWh de energia produzida. Isso reflete em um tempo de retorno de 1,23 anos para que o empreendimento retribua toda a energia consumida para ser produzido e operado a partir da energia que ele mesmo produz.
Estes valores estão na mesma faixa de resultados de outros estudos similares produzidos ao redor do mundo, mostrando a viabilidade de utilizar uma turbina como essa como fonte de substituição energética, considerando que ela emite muito menos CO₂ que o sistema convencional que alimenta as plataformas atualmente, que possuem uma relação de emissão que varia de 400 a 600 gCO₂/kWh, segundo o estudo.
Impactos ambientais
Já na avaliação de impactos ambientais realizada, são apontados alguns aspectos que podem afetar a biodiversidade local, como:
- sedimentação de materiais ao longo das operações, gerando poluição no meio aquático;
- geração de campos eletromagnéticos pelos cabos elétricos na região, podendo afetar espécies marinhas com sensibilidade magnética e aves;
- formação de recifes de corais, criando um hotspot biológico;
- ruídos na construção e operação, afetando a qualidade de vida de todas as espécies marinhas e aves;
- altura elevada da torre da turbina, apresentando risco de interferência com rotas migratórias de aves;
Além desses aspectos que são normais à operação do sistema, também é analisado um evento catastrófico de grande potencial de impacto pela poluição do ambiente marinho com metais pesados, que é a explosão da bateria.
Todos os pontos levantados são frequentemente citados em diversos estudos de impacto ambiental de turbinas eólicas offshore pelo mundo.
Embora sejam numerosos, eles representam riscos baixos de influência na manutenção da biodiversidade local, não representando assim razões para impedir a construção da turbina, sendo necessário apenas pontuá-los visando buscar formas de mitigá-los na medida do possível.
Análises de sensibilidade também foram realizadas no estudo visando compreender como algumas alterações no sistema afetam os resultados encontrados.
Dentre os diferentes cenários testados, o único que resultaria em um impacto muito negativo para o empreendimento seria o caso de uma falha catastrófica em todo o sistema ocorrendo em um ano de operação, não sendo possível retornar toda a energia consumida para sua produção.
O estudo também mostrou que a utilização de aço reciclado para uma parte da construção do sistema de amarração já representaria um impacto muito positivo na redução das emissões de dióxido de carbono.
- Na epbr: Como as novas regras para eólicas offshore foram recebidas pelo mercado? Governo propõe regras para detalhar contração de áreas marítimas para geração de energia, tema na rota de investimentos bilionários em eólicas offshore
Este estudo aponta a viabilidade, do ponto de vista ambiental e energético, de se implantar no Brasil projetos eólicos offshore em águas profundas, algo que no momento só foi aplicado em outros países.
Turbinas offshore flutuantes se mostram de maior impacto quando falamos de emissões de dióxido de carbono se comparadas com outros modelos de turbinas fixas, pois a construção da plataforma e cabos de amarração é um processo muito poluente.
Por outro lado, este tipo de sistema pode produzir muito mais energia, pois favorece a utilização de turbinas de maiores dimensões, potência e fator de capacidade.
Por fim, observa-se que, de um ponto de vista quantitativo e qualitativo, a instalação de uma turbina como esta para alimentar sistemas de extração de petróleo e gás é algo muito vantajoso.
Embora existam impactos ambientais resultantes deste empreendimento, eles são menos numerosos se comparados com o sistema que abastece estas plataformas hoje em dia, que utiliza turbinas a gás, apresentando assim maiores índices de emissões e maior gasto energético.
Investir em um empreendimento inovador como este no Brasil, partindo da sua aplicação em locais onde se produz fonte energética fóssil, é um grande passo para a descarbonização do setor de óleo e gás e para a transformação da matriz energética brasileira.
Laura Ferraz de Paula e Bruno Souza Carmo são pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Referências
(1) Brasil ratifica o Acordo de Paris. E agora? – ÉPOCA | Blog do Planeta (globo.com)