Energia solar

Geração distribuída perde uma das principais fontes de financiamento

Mudança na regra impede os projetos, em sua maioria de energia solar, de receber recursos dos Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs e CRAs) 

Mudança de regra impede financiamento da geração distribuída com recursos dos CRIs e CRAs. Na imagem: Edifício-sede do Banco Central em Brasília (Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Edifício-sede do Banco Central em Brasília (Foto Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

RIO – O Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu não permitir mais a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs e CRAs) para financiar a geração distribuída de energia.

Com isso, projetos desse segmento, quase todos de energia solar, aguardam a regulamentação das novas debêntures de infraestrutura, criadas pelo governo este ano, para voltar a se financiar com incentivos fiscais.

A geração distribuída (GD) é o modelo que permite aos consumidores produzirem a própria energia elétrica, no local de consumo ou de forma remota, em sistemas de até 5 megawatts (MW). No Brasil, 99% da potência instalada nesse modelo é da fonte solar fotovoltaica, segundo dados da Absolar.

Benefícios fiscais fizeram com que projetos de GD buscassem a se financiar por meio da emissão de CRIs nos últimos dois anos. Há isenção de imposto de renda para investimentos nesses instrumentos financeiros, para pessoas físicas, e uma redução na alíquota de imposto para pessoas jurídicas.

Até então, as regras para emissão desses papeis eram genéricas e acabavam permitindo o uso por projetos que não eram ligados diretamente aos setores para os quais os incentivos foram criados.

Mudança na interpretação

Um parecer favorável da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) corroborava a tese de que projetos de GD poderiam usufruir dos incentivos.

“Existia uma tese, provada na CVM, de que a construção de uma planta de geração solar seria um investimento imobiliário porque aquela usina estaria atrelada ao imóvel”, explica o advogado da área de Infraestrutura e Energia do Machado Meyer, Guilherme Spinacé.

Em 2022 e 2023 o segmento se beneficiou desse entendimento para a emissão de CRIs. A maior operação do tipo ocorreu no começo de 2024, com a captação de R$ 320 milhões pela Faro Energy. O valor é destinado a 71 projetos em 14 estados. A emissão recebeu rating AAA na escala nacional pela agência de classificação de risco Fitch e registrou uma demanda por investidores quase duas vezes maior do que a oferta inicial

Logo após essa operação, no entanto, o CMN restringiu o uso dos papeis por meio da resolução nº 5.118 de 1º de fevereiro de 2024. A nova regra prevê que para emitir CRIs e CRAs uma empresa precisa ter pelo menos dois terços da receita consolidada ligada diretamente ao setor imobiliário ou ao agronegócio. Portanto, os critérios para uso desse instrumento ficam mais limitados de agora em diante, mas não impactam as emissões já realizadas.

“O racional foi organizar um pouco o setor. O fisco percebeu que os CRIs e CRAs estavam alcançando projetos que iam um pouco além da política pública inicial”, diz o sócio do Machado Meyer, Alberto Faro.

Expectativa pelas debêntures de infraestrutura

Um dos motivos que levou ao uso desses instrumentos na GD foi a dificuldade na emissão de debêntures incentivadas, que também prevêem isenções fiscais aos investidores. Para uso das debêntures, era necessário que o projeto fosse enquadrado como prioritário pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

Segundo Faro, apesar de a lei prever que a GD poderia emitir debêntures incentivadas, isso nunca ocorreu.

“O ministério entendia que, diferentemente de outros projetos de renováveis, a GD teria um interesse mais restrito, menos coletivo”, afirma.

Agora, a expectativa para o setor voltar a se financiar com incentivos são as novas debêntures de infraestrutura, criadas pela lei 14801/2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 10 de janeiro.

A lei prevê benefícios tributários para os emissores dos títulos, numa dinâmica diferente das debêntures incentivadas, que concedem isenções ao comprador dos papéis. No mercado, a expectativa é que o novo instrumento ajude a atrair um outro perfil de investidor, como fundos de pensão e previdência interessados em projetos de infraestrutura.

Novas debêntures dispensam aprovação

Uma das vantagens das novas debêntures para a GD é a dispensa de aprovação ministerial prévia. A lista dos setores que vão poder emitir as debêntures virá no decreto com a regulamentação da lei que criou os instrumentos financeiros, que ainda não foi publicado.

“A dificuldade prática era que o MME não emitia a chancela, mas isso vai acabar, pois não vai haver mais essa exigência”, diz Faro.

Nos últimos meses, o setor de GD também foi palco de outras discussões sobre o acesso a benefícios fiscais. Os projetos não estavam conseguindo usufruir do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que prevê a isenção de PIS e Cofins sobre as aquisições de máquinas e equipamentos novos, prestação de serviços e materiais de construção.

Os agentes precisaram recorrer à Justiça, pois, apesar de serem enquadrados pelo marco legal do setor como prioritários para acessar o regime, não conseguiam avançar nas autorizações necessárias na Aneel e no MME.

Em janeiro, o MME abriu a consulta pública nº 159 para debater a minuta de regulamentação dos procedimentos visando enquadrar projetos de GD no Reidi.