Gás Natural

Terminal de GNL de SC atrasa e indefinição sobre supridor preocupa indústria local

New Fortress Energy prevê concluir o TGS até o fim do ano, mas ainda não tem fornecedor de gás definido

Terminal de GNL de SC atrasa e indefinição sobre supridor preocupa indústria local. Na imagem, obras do terminal TGS, da New Fortress Energy, na Baía de Babitonga, em Santa Catarina (Foto: Divulgação)
Obras do terminal TGS, da New Fortress Energy, na Baía de Babitonga, em Santa Catarina (Foto: Divulgação)

RIO — A demora da New Fortress Energy (NFE) para definir um supridor de gás natural liquefeito (GNL) para o Terminal de Gás Sul (TGS), na Baía de Babitonga (SC), ligou o sinal de alerta entre os grandes consumidores de gás de Santa Catarina — que viam no projeto, originalmente, uma oportunidade de aquisição do insumo no mercado livre, mas que estão céticos, agora, quanto à abertura via importação.

Quando assinou contrato com a NFE, a SCGás esperava contar com o gás, inicialmente, a partir de abril, mas as obras do terminal atrasaram. A NFE prevê concluir a planta de regaseificação até o fim de 2022 e reafirma o interesse no desenvolvimento do ativo.

Segundo fontes, porém, tanto a distribuidora estadual de gás canalizado quanto os potenciais consumidores livres temem que o aumento da demanda europeia afaste fornecedores antes interessados em abastecer o novo terminal brasileiro.

Há também um receio de que os preços inflacionados do GNL no mercado global afetem a própria atratividade econômica da importação de GNL pela indústria. E que, pelo menos num primeiro momento, a New Fortress desacelere os planos de desenvolvimento do mercado brasileiro.

“O que nos preocupa é a questão do suprimento, que ainda é duvidosa. Quanto ao preço, não esperávamos que ele fosse subir tanto, mas acreditamos que, quando a guerra da Ucrânia terminar e a crise no fornecimento de gás no mundo for superada, ele irá cair”, afirmou o diretor de energia da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), Otmar Müller.

Fornecedores globais de GNL miram a Europa

A Guerra da Ucrânia está mudando a dinâmica do mercado global de gás. As potências ocidentais impuseram sanções à Rússia e buscam reduzir a dependência do gás russo. Diante do novo quadro, fornecedores globais aceleram planos para aumentar a oferta de GNL ao mercado europeu.

Quem quiser competir pelo gás com a Europa terá de pagar um prêmio maior pela commodity.

“A inflação dos preços internacionais do GNL e o aumento da demanda por infraestrutura de regaseificação na Europa mudam completamente o cenário do mercado e as prioridades das empresas”, avaliou um executivo de um importante supridor global de GNL, sob a condição de anonimato.

Em nota, a NFE afirmou que “tem envidado os melhores esforços para servir seus clientes nas condições e prazos factíveis, considerando o cenário sem precedentes no mercado mundial de gás natural e toda a jornada percorrida para a implementação do referido projeto”.

A New Fortress Energy não comenta negociações em curso com supridores, mas fontes relataram à agência epbr que a empresa tenta buscar alternativas sobretudo entre os principais supridores de gás do mercado doméstico.

New Fortress quer fornecer infraestrutura à Europa

Os planos da companhia também estão inseridos nesse novo fluxo de cargas e capitais em direção à Europa. A NFE decidiu acelerar a sua estratégia de fornecer soluções rápidas de infraestrutura de regaseificação, de olho na demanda europeia por novos terminais de importação de GNL.

A dúvida é o quanto os planos da companhia para a Europa afetam ou não o interesse pelo Brasil. Principalmente depois que a empresa assinou contrato para a venda de seu principal ativo gerador de caixa do Brasil: a Centrais Elétricas de Sergipe (Celse), para a Eneva. 

Nesta terça-feira (5/7), a New Fortress anunciou a formação de uma joint venture com o fundo de investimentos Apollo Global Management na área de infraestrutura de GNL. A NFE vendeu 11 de seus navios para a nova JV.

“Tem muita atividade acontecendo com a pressa de se aumentar a capacidade de regaseificação na Europa. Estamos bem no meio disso e queremos apoiar a Europa, para ajudá-los a adicionar essa capacidade de regás, para importar mais gás e compensar o gás russo, e para termos uma grande oportunidade comercial pela frente”, disse o diretor administrativo da NFE, Andrew Dete, em maio, em teleconferência com investidores.

A NFE afirmou, em nota, que “acredita no potencial do estado de Santa Catarina e nas possibilidades de fornecimento de gás para a região” e que o TGS tem conclusão prevista para o fim de 2022.

Indefinição sobre supridor incomoda a SCGás

Segundo duas fontes, o atraso na entrega do terminal de Santa Catarina tem gerado um mal-estar na relação com a SCGás.

A distribuidora local tem um contrato assinado com a NFE para compra de 150 mil m³/dia e conta com o gás importado para reduzir a dependência da Petrobras — com quem a concessionária está em litígio em torno do aumento dos preços do gás cobrado pela estatal.

O terminal também permitirá à SCGás aumentar o volume de gás entregue ao mercado local, devido aos gargalos existentes, hoje, no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol). A expansão da oferta é uma demanda da indústria local, principalmente do segmento de cerâmicas.

O contrato entre SCGás e NFE vale por cinco anos e diz que, se houver atraso na data de início do fornecimento — previsto inicialmente para abril — a NFE está sujeita a ressarcir a SCGás pela diferença de custo incorrido pela distribuidora na aquisição de gás junto à Petrobras. O assunto, até o momento, não foi judicializado.

Inicialmente, o plano da NFE era importar o GNL, via carretas, da Argentina — e, assim, começar a desenvolver o mercado local, enquanto o terminal não ficasse pronto.

A New Fortress Energy, contudo, desistiu da ideia, segundo fontes, devido às dificuldades para importar cargas da Argentina — que recentemente aumentou suas compras de gás da Bolívia para atender ao crescimento da demanda durante o inverno.

Indústria de Santa Catarina preocupada com preço do gás

Não é só a indefinição sobre o supridor do terminal de GNL de Santa Catarina que incomoda a indústria local.

No estado, a expectativa era que o gás importado fosse capaz de chegar ao mercado catarinense a preços mais atrativos que os praticados pela Petrobras.

Essa perspectiva, contudo, mudou, em razão da pressão externa dos preços do GNL — que afeta tanto o gás da Petrobras que chega a Santa Catarina pelo Gasbol, quanto o gás que virá do futuro terminal de regaseificação.

A estatal brasileira vinha negociando com as distribuidoras estaduais um novo contrato de gás, com uma redução no preço — em troca da extensão dos prazos contratuais.

Em maio, contudo, a Petrobras retirou da mesa a proposta feita em maio às distribuidoras, para reduzir o percentual da indexação do preço da molécula de gás natural de 16,75% para 13% em 2022 e 12% a partir de janeiro de 2023.

A estatal justificou o recuo por causa da redução na importação de gás da Bolívia, que passou a destinar à Argentina parte do gás que vendia ao Brasil, aumentando a exposição da Petrobras à importação de GNL.

Desde então, segundo fontes, a petroleira não voltou mais a renegociar.

O episódio coincide com a mais recente crise na cúpula da estatal, que levou à demissão de José Mauro Coelho em 25 de maio. O novo presidente da Petrobras, Caio Paes de Andrade, assumiu na semana passada, em 27 de junho.

Preço do gás natural sobe 38% em Santa Catarina

Desde o início deste mês, a tarifa de gás da SCGás aumentou 37,78% para as indústrias, em Santa Catarina.

Esse reajuste terá um impacto de 15% nos custos da indústria de cerâmica — e será maior ainda na de vidro, segundo previsões da Fiesc.

“Não é o preço do petróleo a principal causa da elevação. São a desvalorização do real, a persistência do monopólio da Petrobras e a ausência das regulações da ANP [Agência Nacional de Petróleo] para o novo mercado de gás”, avalia Müller.

Para outra fonte da indústria local, a elevação dos preços e a falta de gás no mercado internacional dificultam o crescimento do mercado livre no Brasil.

“Atualmente não vejo viabilidade econômica para uma empresa trazer gás de navio e injetar no Gasbol. O preço seria absurdo. E hoje está muito difícil conseguir gás no mercado internacional. Ele está sendo direcionado para a Europa, por causa da guerra. Nas atuais condições, ninguém vai se arriscar no mercado livre se puder ter um contrato com garantia firme”, afirmou a fonte, sob a condição de anonimato.

O projeto do TGS

O terminal terá capacidade para fornecer 15 milhões de m³/dia. O TGS ficará a 300 metros da costa, e terá infraestrutura para receber, armazenar, regaseificar e distribuir o gás que chegará através de navios metaneiros e será transferido pelo sistema ship-to-ship para uma FSRU com capacidade para armazenar 160 mil m³ de GNL.

O gás seguirá por um gasoduto de 2 km, sob o leito da Baía de Babitonga. Já em terra, será transportado por um gasoduto de 31 km até o ponto de conexão com o Gasbol, na cidade de Garuva.

Em junho, o consórcio formado pela Tenenge e pela OEC, responsável pela construção do TGS, concluiu as soldas do gasoduto onshore.

A New Fortress tem um contrato com a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) para a construção de um ponto de entrada de gás natural, no município de Garuva, que terá um trajeto de aproximadamente 200 metros. A obra viabilizará uma interconexão para recebimento de até 5 milhões de m³/dia, oriundos do TGS.