Em 2026 se inicia um novo ciclo tarifário para o transporte de gás natural no Brasil. Seguindo o procedimento previsto na Nova Lei do Gás (Lei 14.134/2021), as transportadoras apresentaram suas propostas tarifárias para o ciclo 2026 a 2030, que foram inicialmente pautadas para deliberação na Consulta Pública 08/2025 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Diante do grande volume de informações disponibilizado pelas cinco transportadoras, ficou claro que a apreciação das propostas tarifárias demandaria mais tempo. Houve diversos pleitos de participantes na Consulta Pública para que o prazo fosse prorrogado e pelo aperfeiçoamento das discussões conceituais relacionadas à metodologia.
Diante desta solicitação, a Diretoria da ANP decidiu — em Reunião Pública realizada em 06 de novembro de 2025 — aprofundar a análise das propostas tarifárias, promovendo uma deliberação sistematizada da metodologia de forma faseada em três Consultas Públicas distintas voltadas para a definição: (i) do Custo Médio Ponderado do Capital regulatório; (ii) da Base de Remuneração de Ativos; e (iii) da Receita Máxima Permitida.
Esta decisão implicará a ampliação do prazo de deliberação do tema até maio de 2026. A fim de garantir a continuidade do serviço, a ANP determinou a adoção de Contratos de Serviço de Transporte Extraordinário até a aprovação final das tarifas para o Ciclo 2026-2030.
A decisão da ANP foi acertada, pois este é um momento importante de consolidação da metodologia tarifária para o transporte de gás natural no Brasil.
Além disso, o deslocamento do prazo permitirá definir as tarifas de referência para o Ciclo Tarifário já considerando o resultado do Leilão de Reserva de Capacidade do setor elétrico, proporcionando assim maior previsibilidade quanto à demanda das termelétricas na próxima década.
A primeira das três etapas acima já foi iniciada com a apresentação do Custo Médio Ponderado do Capital (CMPC) Regulatório proposta pela ANP na Consulta Pública 12/2025.
A Agência emprega o CAPM (Capital Asset Pricing Model) utilizando parâmetros internacionais com ajustes para adaptá-lo ao contexto brasileiro, especificamente: (i) um ajuste para a estrutura de capital alvo determinada pela ANP; e (ii) a adição do prêmio de risco Brasil, balizada pelos derivativos de crédito conhecidos como Credit Default Swap.
A adoção do CAPM para a definição do CMPC é muito positiva. Embora a taxa indicada possa variar muito em função das premissas adotadas, o uso de uma metodologia quantitativa que é consagrada no mercado financeiro traz objetividade à discussão sobre a remuneração do capital a ser considerada na definição das tarifas reguladas.
A Nota Técnica 2/2025/SIM-CTR da ANP apresenta de forma clara e transparente como foi calculada a taxa de remuneração proposta de 7,47% em termos reais. A Nota Técnica reconhece que há espaço para aprimoramentos, mas justifica a proposta como sendo pragmática e prudente em função do atual estágio de amadurecimento do debate técnico.
Prudência e parcimônia da ANP merecem registro
A estabilidade regulatória é fundamental, mas há avanços metodológicos e cuidados que deveriam ser implementados neste momento, a saber: (i) a harmonização dos prazos das séries de dados de entrada do CAPM; (ii) a “nacionalização” da taxa livre; e (iii) a “nacionalização” do prêmio de risco de crédito.
A primeira recomendação busca coerência metodológica: a harmonização dos intervalos de tempo das séries de dados. A duração da série de dados deve equilibrar a robustez estatística com a atualidade dos dados.
Enquanto para o prêmio de risco de mercado recomenda-se o uso de toda a série histórica disponível — pois este parâmetro busca refletir o prêmio de risco estrutural demandado pelos investidores para assumir o risco de mercado no longo prazo.
Para os outros parâmetros — como a taxa livre de risco, a inflação, o beta, o prêmio de risco de crédito — convém adotar janelas menores para refletir melhor as condições conjunturais do mercado e do perfil de risco setorial.
No entanto, a adoção de janelas muito díspares pode distorcer a estimação do custo de capital dada a correlação entre as variáveis ao longo do tempo. Os prazos utilizados na metodologia proposta pela ANP são muito heterogêneos: 20 anos para a Taxa Livre de Risco, 10 anos para o Risco Brasil, 5 anos para o Beta e apenas 12 meses para a projeção de inflação.
A segunda recomendação é a “nacionalização” da taxa livre de risco. O Brasil já dispõe de um mercado de Notas do Tesouro Nacional — Série B (NTN-B) consolidado e com histórico suficiente para esse cálculo. Como a maior parte do financiamento das empresas atuantes no país são captadas no mercado doméstico, essa “nacionalização” representaria melhor os custos.
Além disso, ao adotar a taxa livre de risco local, elimina-se a necessidade de ajuste de Risco Brasil, componente que pode introduzir outras distorções.
No mesmo sentido, a terceira recomendação — a “nacionalização” do prêmio de risco de crédito por meio do mercado de debêntures — já se mostra uma alternativa viável para aferir o custo de capital de terceiros no país diretamente no país.
Essas alterações proporcionarão maior aderência às condições reais do mercado de capitais doméstico, conferindo longevidade à metodologia e contribuindo para a previsibilidade do CMPC Regulatório.
O momento é oportuno para que a ANP consolide uma metodologia de revisão tarifária bem embasada tecnicamente e resultado de processo de consulta pública que induzam a construção de consensos, uma combinação virtuosa para a previsibilidade e estabilidade regulatória — elementos essenciais para a sustentação de investimentos no longo prazo.
Richard Lee Hochstetler e Eduardo Müller Monteiro são Diretor Regulatório e Diretor Executivo do Instituto Acende Brasil.
