Reinjeção de gás

Reinjeção desnecessária de gás tende a levar a aumento de custos no futuro, defende MME

“O volume de gás que está sendo reinjetado, além do tecnicamente necessário, destrói valor”, afirma Edie Andreeto

Na imagem: Plataforma P-43, com flare aberto, nos campos de Barracuda e Caratinga, da Petrobras, na Bacia de Campos (Foto Geraldo Falcão/Petrobras)
Plataforma P-43 no campo de Barracuda, da Petrobras, na Bacia de Campos | Foto Geraldo Falcão/Petrobras

BRASÍLIA – Reinjetar o gás natural produzido além do necessário para a gestão dos reservatórios e para elevar a produção de petróleo – isto é, a reinjeção pela falta de gasodutos – tende a levar a aumento de custos no futuro em razão da necessidade de investimentos crescentes para separação dos fluídos.

Esse foi um dos aspectos apresentados pelo coordenador-geral de Acompanhamento do Mercado de Gás Natural do Ministério de Minas Energia (MME), Edie Andreeto, na terça (19/11).

“O volume de gás que está sendo reinjetado além do tecnicamente necessário destrói valor, porque energia é consumida para a reinjeção e esse gás e quando ultrapassar o nível ótimo, vai se tornar um problema pelo aumento da razão gás-óleo”, explicou. 

Na edição do decreto do Gás para Empregar, a pasta criou a possibilidade de revisão dos planos de desenvolvimento dos campos, desde que mantida a rentabilidade dos ativos. Ainda assim, a proposta levou a queixas dos operadores em razão da possibilidade de rever investimentos já sancionados.

Durante os estudos, contudo, foram identificadas oportunidades de elevação do retorno sobre os projetos, com aumento da oferta de gás natural. 

O que o ministério considera reinjeção técnica?

  • Ao longo dos estudos do Gás para Empregar, o MME rejeitou a possibilidade de definir um percentual do que seria a reinjeção máxima necessária para os campos offshore;
  • Uma parcela do gás precisa ser reinjetado em razão da separação de contaminantes sem valor comercial (o principal é o CO2) e com isso há uma perda natural do metano (gás natural) na capacidade de separação pelos equipamentos.
  • Somando-se os volumes utilizados na recuperação secundária (injeção para produzir mais óleo), o MME considera essa parcela a reinjeção técnica.
  • O gás que deixa de ser escoado para o mercado em razão da ausência de infraestrutura (gasodutos) e, portanto, por uma decisão econômica, recebe o carimbo de reinjeção complementar, que a pasta deseja reduzir.

Andreeto apresentou simulações da pasta que mostram que o valor presente líquido (VPL) e a taxa interna de retorno (TIR) aumentam em sistemas que oferecem o serviço de escoamento e processamento, se comparados a modelos com maior índice de reinjeção. As avaliações precisam ser feitas caso a caso.

Na visão da pasta, é natural que os operadores sejam desestimulados a investir em infraestrutura de escoamento e processamento de gás natural ao incluir os aportes necessários para os gasodutos e UPGNs nas mesmas premissas utilizadas na sanção de investimentos na produção de óleo. 

“A probabilidade de ter inviabilidade econômica quando se avalia a implementação de infraestrutura de escoamento e processamento remunerada nas bases de WACC [custo de capital], taxa interna de retorno do upstream, é total. Dificilmente vai ter viabilidade”.

Por isso, a pasta defende que é preciso considerar o escoamento de gás natural como um modelo de negócios independente, em que o produtor é remunerado pela comercialização do energético (elevando o retorno do campo), mas a infraestrutura é tratada com um serviço próprio.

“No modelo que a gente está propondo, excluímos a necessidade do capex dos campos e inclui a receita do gás natural. Ou seja, é mais um energético que está sendo comercializado, a infraestrutura de escoamento e processamento presta um serviço e isso vai integrar o preço do gás. A receita adicional pela venda do gás passa a integrar o fluxo de caixa sem capex adicional”, explicou Andreeto.

Assim, na revisão dos planos de desenvolvimento, o MME apontou a necessidade de identificar o volume de reinjeção de gás natural e CO2 necessário para maximizar a produção de petróleo e o volume que está sendo reinjetado para além do tecnicamente necessário.

No caso dos FPSOs, as opções passam pela a adaptação das plataformas existentes, conexão à unidade de escoamento mais próxima ou a instalação hubs, infraestruturas compartilhadas de escoamento do gás.

O gerente executivo de Gestão de Programas Estruturantes da Petrobras, Wagner Victer, disse que a companhia tem direcionado projetos para o maior aproveitamento do gás natural. 

“As plataformas no passado foram concebidas basicamente para maximizar a produção do campo, buscando a reinjeção e não a exportação do gás. Esse direcionador não existe mais”, disse.

Victer afirmou durante workshop que a empresa avalia a instalação do hub de gás no campo de Búzios, que seria responsável por tratar o gás produzido em outras plataformas.

Em setembro, o Brasil bateu recorde no volume de gás natural reinjetado. Segundo dados do boletim mensal da Agência Nacional do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foram reinjetados 93,5 milhões de m³/dia no país. Também foram registrados recordes tanto da produção de petróleo quanto de gás no pré-sal em setembro.

A produção foi de 3,68 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d). Também foi recorde a participação do pré-sal na produção nacional, chegando a 81,2% do total.

Com a entrada em operação do Rota 3, a Petrobras espera uma redução imediata da reinjeção – ainda que não resolva, estruturalmente, a questão.

O que diz o decreto do Gás para Empregar

Reduzir os volumes injetados nos reservatórios e aumentar a oferta da molécula é uma das bandeiras do programa Gás para Empregar e do novo decreto da Lei do Gás.

O decreto do Gás para Empregar atribuiu à ANP a revisão dos atuais planos de desenvolvimento de campos de produção de óleo e gás.

Na revisão dos planos de desenvolvimento e para os planos futuros a serem aprovados pela ANP, será avaliada a utilização da unidade de produção compartilhada entre vários campos e a transferência entre unidades com capacidade de processamento ociosa.

Pelo decreto, a agência também fica autorizada a determinar, quando identificar a possibilidade de aumento no volume de produção, a revisão dos planos e projetos de desenvolvimento e produção para realizar os investimentos necessários.

O texto diz que a ANP pode solicitar aos agentes a redução da reinjeção ao mínimo necessário, inclusive com o estabelecimento de volume máximo de gás natural a ser reinjetado. 

A medida depende de prévio processo administrativo com oitiva das empresas, respeitada a viabilidade técnico-econômica. Leva em conta também os efeitos fiscais. O aumento da entrega de gás não pode levar a uma perda na produção de óleo de forma a reduzir a arrecadação da União, estados e municípios.

Petrobras fala em ‘correção de rumo’

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou após a publicação do decreto que a reinjeção de gás natural nos campos operados pela companhia passará por uma “correção de rumo”.

Ela pontuou que o aumento do aproveitamento do gás será feito nas novas plataformas e que não será possível mudar projetos de plataformas já entregues ou contratadas.

“Nós não podemos fazer isso onde não há mais viabilidade técnica. Mas uma coisa que eu gostei demais do decreto foi endereçar alguma coisa que é cara para todos os países do mundo: nós não podemos ter um projeto de petróleo com gás associado em alto mar que não enderece a possibilidade de exportação de gás para a costa”, disse a executiva.

Em setembro, a Petrobras anunciou que planeja revitalizar parte de suas plataformas em descomissionamento, que poderiam assim manter por mais tempo sua vida útil em outros projetos, priorizando fornecedores locais.

E avalia internamente ampliar a capacidade de exportação de gás natural em Búzios, com a entrada de uma 12ª plataforma. O campo de Búzios, no pré-sal, foi concebido para ter 12 FPSOs; atualmente, 11 estão em operação ou contratados.

Os FPSOs mais recentes passaram a ser planejados com capacidades cada vez maiores de produção de petróleo.

Ao menos quatro das plataformas mais recentes, contratadas pela Petrobras, preveem a reinjeção total do gás com uma produção de 225 mil barris/dia – ante os patamares usuais, até então, de 180 mil barris/dia.

A expectativa, dada as características geológicas das reservas, no entanto, é que o ativo produza cada vez mais gás. A Petrobras já avalia há alguns anos tecnologias para lidar com o aumento da relação gás-óleo (RGO) a partir da próxima década no campo.

Gás natural no Paten

O relatório do projeto de lei que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) também trata da possibilidade de considerar maior entrega de gás natural na análise dos planos de desenvolvimento pela ANP.

O relator, Laércio Oliveira (PP/SE), que também relatou a Lei do Gás, é defensor da ampliação da oferta do energético por meio da redução da reinjeção, posição que também é defendida pelo governo.

A primeira versão do relatório prevê que o plano de desenvolvimento de campos com gás associado deverá prever a oferta do gás natural ao mercado, “salvo quando razões de ordem técnica e econômica que tornem inviável a oferta”.

O texto está sendo revisado e a inclusão de medidas para o gás natural no Paten tem apoio do Ministério de Minas e Energia (MME).

O texto também prevê mecanismo para a desconcentração do mercado de gás, dominado pela Petrobras. O programa de descontratação, conhecido como gas release, está previsto na Lei do Gás.