gas week 2025

O preço do gás no Brasil: o mito dos oligopólios e os desafios da regulação

Análise revela que 46% do valor pago pelo consumidor vem de escoamento e processamento, ainda controlado pela Petrobras; transporte responde por apenas 10% do custo final, escreve Alexandre B. Calmon

O preço do gás no Brasil: o mito dos oligopólios e os desafios da regulação

O discurso dessa manhã do Ministério de Minas e Energia na abertura da gas week 2025 em Brasília reacendeu a discussão sobre a eficiência do setor de gás natural no país e sobre as medidas necessárias para o avanço de uma indústria gasífera competitiva.

Uma análise dos dados e dos fatos revela uma história complexa, que desafia a retórica usada e expõe os obstáculos estruturais a serem vencidos por qualquer governo.

O programa “Novo Mercado de Gás”, lançado em 2019, tinha por objetivo declarado reduzir o poder de mercado da Petrobras e promover um mercado competitivo. 

Desinvestimentos chave como da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) em 2016 (iniciado ainda no governo Dilma Roussef em 2014) e da Transportadora Associada de Gás (TAG) em 2019 foram passos nessa direção, com a NTS vendida ainda no governo Temer.

Esses movimentos fizeram parte de um esforço de uma década para abrir o setor de gás natural, impulsionado pela crise de dívida da Petrobras pós-Lava Jato. 

Um leitor menos atento poderia até pensar que o transporte de gás tem um papel chave na composição do preço do gás natural no Brasil. Mas essa percepção não resiste a uma análise detida dos dados divulgados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

O transporte representa cerca de 10% do preço total do gás natural. Os 90% restantes do preço se dividem em: (i) 14%, preço do gás na boca do poço produtor; (ii) 9,8% distribuição; (iii) 20%, tributos, e (iv) 46%, escoamento e processamento do gás natural.

Portanto, se há um “vilão”, trata-se do escoamento e processamento, infraestrutura essencial detida e operada pela Petrobras, não por um “oligopólio privado”.

Logo, o principal problema dos preços não está na presença quixotesca de “oligopólios privados”, mas sim dos preços injustificados de escoamento e processamento do gás natural praticados pela Petrobras; e esse problema antecede diferentes governos, inclusive a atual. 

E tal problema, como em diversos momentos sugere o ministro em seu discurso, decorre de lacunas regulatórias deixadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), posto que muito embora os ativos de escoamento e processamento tenham sido reconhecidos como infraestruturas essenciais pela Nova Lei do Gás, não há transparência quanto à capacidade, termos contratuais ou valores para acesso aos sistemas detidos pela Petrobras.

Estamos falando de um elo da cadeia que representa quase 50% do preço do gás natural que consumimos no Brasil hoje. É fundamental que qualquer debate público sobre o setor priorize os gargalos relevantes, possibilitando à sociedade brasileira compreender melhor os reais desafios da cadeia do gás natural. 

O discurso do ministro claramente dialoga com frustrações reais da sociedade: o preço do gás natural dói, a oferta fica aquém da demanda e, projetando, o cenário não se modifica muito.

As previsões mostram um setor em recuperação — Rota 3, importações argentinas de Vaca Muerta (iniciadas em abril de 2025) e um aumento de 34% na oferta até 2032 sinalizam progresso, mas a paralisia regulatória da ANP pode fazer dessa evolução uma vitória de Pirro.

Problemas estruturais requerem soluções estruturais. E soluções estruturais só são possíveis através da atuação rápida e eficiente do regulador. Em todos os lugares do mundo hoje o setor público vem sendo chamado a fazer mais com menos. E esse é o grande desafio da ANP atual, pois a sociedade brasileira merece gás natural acessível ancorado em soluções estruturais técnicas e sustentáveis.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Alexandre B. Calmon é especialista em energia e sócio fundador do Cosro – Costa Rodrigues Advogados.

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