Opinião

O gato preto no escuro e o transporte de gás no Brasil

Debate sobre revisão das bases regulatórias de ativos das transportadoras já está atrasado, escrevem Adrianno Lorenzon e Juliana Rodrigues, da Abrace

City gate, ponto de entrega de gás às distribuidoras locais, com tubos metálicos na cor prata (Foto Divulgação TAG)
Rede de dutos de gás natural | Foto Divulgação TAG

Um dos principais desafios para quem atua na defesa do desenvolvimento do mercado brasileiro de gás natural é entender como é formado o preço do gás

Quer dizer, talvez se perguntarmos em fóruns do setor quais variáveis impactam o preço, a resposta será: petróleo internacional e câmbio, mesmo os custos com a infraestrutura sendo os maiores protagonistas dessa equação – cerca de 66%, segundo o relatório do Ministério de Minas e Energia (MME) no Programa Gás para Empregar.

Parte desse peso é decorrente das infraestruturas que, hoje, não são objeto da regulação: gasodutos de escoamento e unidades de processamento, basicamente. 

Mas não podemos desprezar o papel das infraestruturas que deveriam ser reguladas: notadamente o transporte, objeto deste artigo.

Hoje, a partir de dados oficiais do MME, considera-se que o peso do transporte no preço final do gás (desconsiderados os impostos) é cerca de 15% . 

No entanto, se considerarmos o custo final do acesso a essa infraestrutura, a partir da simulação típica de uma indústria com a retirada mensal próxima ao volume de capacidade contratado, as penalidades que esta indústria poderá incorrer – a depender da flexibilidade demandada para este acesso e das condições operacionais do transporte – pode aumentar a tarifa entre 20% e 50%, impactando significativamente o custo final e, por consequência, reduzindo ainda mais a competitividade do gás frente a outros energéticos.

“Sequer começamos o debate sobre a metodologia tarifária, que inclui a forma de valoração dessas bases. Ainda não temos acesso ao que foi considerado na depreciação da base atual, cujos contratos irão vencer no próximo ano.”

Para potencializar esse problema, há incertezas relacionadas ao custo de acesso a essa infraestrutura para os próximos anos. Pelo lado da demanda, no contexto da descarbonização, as indústrias estão buscando outros energéticos menos poluentes – portanto, a perspectiva de custos altos relativos ao gás natural traz cenários de substituição do gás ou redução de sua demanda potencial em relação a outras fontes. 

Já para o setor elétrico, há incertezas relativas à contratação de capacidade pelas térmicas: por um lado, pela nova dinâmica de contratação dessas usinas, tendo em vista o aumento de fontes renováveis e da geração distribuída, ao mesmo tempo em que muitos contratos estão terminando; por outro, pelo alto custo de acesso a essa infraestrutura.

O tal “gato preto no escuro”

Apesar de no senso comum haver uma expectativa de redução significativa na valoração das Bases de Ativos das Transportadoras – afinal, por serem ativos muito antigos espera-se que já tenham sido, em grande medida, depreciados e amortizados – a ausência de transparência dessas bases e da metodologia e premissas que poderão ser adotadas pelo regulador impede aos consumidores ajustarem suas expectativas na avaliação de projetos que precisam ser direcionados, ainda no curto prazo, entre usar gás ou outra fonte.

Ou seja, já estamos muito atrasados nessa discussão, porque sequer começamos o debate sobre a metodologia tarifária, que inclui a forma de valoração dessas bases. Ainda não temos acesso ao que foi considerado na depreciação da base atual, cujos contratos irão vencer no próximo ano. 

O acesso a essas informações tem sido constantemente e publicamente requisitado pelos usuários do sistema de transporte, mas ainda não disponibilizado pelo regulador pelo receio de representar, em alguma medida, risco à vantagem competitiva a outros agentes econômicos.

Ora, o transporte de gás é, assim como a transmissão de energia elétrica, uma atividade regulada por ser naturalmente monopolística. Os argumentos apresentados pelas transportadoras não justificam qualquer tipo de sigilo.

Isso já está óbvio com o próprio posicionamento da Petrobras, contraparte dos contratos legados, sugerindo a divulgação de tais contratos para dar luz a essa discussão (quem sabe assim, enxergaremos o gato!).

Em setores regulados, em qualquer lugar do mundo, é indiscutível a transparência da base regulatória (frisa-se regulatória) de ativos, de modo a permitir a participação social na valoração de um serviço tarifado.

Não enxergamos justificativa para a ausência de publicidade desses dados, que são elementares para a previsibilidade do setor. E o posicionamento recente de alguns diretores da ANP, em dar transparência a esses dados, reforça, de forma positiva, a urgência dessa publicização.

Portanto, aguardamos ansiosamente que o regulador inicie esse debate de forma pública e urgente para que possamos iniciar o novo ciclo tarifário em 2026 com um foco de luz sobre o gato preto.


Adrianno Lorenzon é diretor de Gás Natural da Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica e gás natural.

Juliana Rodrigues é especialista de Energia da Abrace Energia.

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