Opinião

O drama do gás natural no Brasil

Embates sobre nível de reinjeção e acesso às infraestruturas essenciais e concentração de mercado limitam potencial competitivo do gás, avaliam Fernando Teixeirense e Adrianno Lorenzon 

Na imagem: City gate da SCGás, ponto de entrega de gás natural à distribuidora estadual (Foto Divulgação)
City gate da SCGás, ponto de entrega de gás natural à distribuidora estadual

Terra das contradições, o eterno país do futuro está perdendo mais uma oportunidade: de ampliar o mercado de gás natural, desconcentrando a oferta, diversificando a demanda e de gerar efetiva competição, com regulação eficiente das infraestruturas.

Os conceitos da Nova Lei do Gás, que traz em seu texto os fundamentos básicos para ampliar esse mercado, ainda se restringem ao mundo teórico, ainda não plenamente aplicados pelo regulador, e são ainda desafiados por vários estados.

Do lado da oferta, temos três embates regulatórios postos: nível da reinjeção, termos de acesso às infraestruturas essenciais e concentração de mercado. Todos são temas complexos e dependem de um regulador capaz, estruturado e autônomo.

Possivelmente terminaremos 2024 ainda sem a regulação do acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento, UPGNs e terminais de regaseificação.

A Petrobras, por sua vez, grande interessada em manter o status quo, se utiliza da grande assimetria de informações e seu poder político para gerar sua narrativa. 

Acesso e reinjeção foram temas endereçados pelo decreto presidencial fruto do Gás para Empregar. Contudo, o embate permanece. O último relatório da ANP relata que houve recorde no nível de reinjeção de gás. As perguntas em torno do assunto permanecem. É razoável mandar de volta para o poço quase 60% do que se produz?

Possivelmente terminaremos 2024 ainda sem a regulação do acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento, UPGNs e terminais de regaseificação. Apesar da análise impacto regulatório ter sido publicada há vários meses, o decreto do Gás para Empregar trouxe novas diretrizes para regras e custo do acesso.

Finalmente, temos a discussão da desconcentração de mercado, ou Gas Release. Apesar de estar previso na Lei do Gás e diagnosticado como instrumento necessário pela ANP, sua implementação não se vislumbra no médio prazo.

Nesse sentido, foi incorporado no relatório do projeto de lei do Paten com intuito de dar direcionamento efetivos para sua implementação a curto prazo. Trata-se de medida estritamente necessária para a transição do mercado de gás brasileiro do monopólio à plena competição.

Se todo o gás natural disponível fosse ofertado, teríamos mais produção industrial, com preços mais baixos e as consequências óbvias como mais emprego, renda, etc. Os números falam por si. Em janeiro de 2010, o Brasil produzia cerca de 58 milhões de metros cúbicos por dia e reinjetava 12 milhões.

Hoje, produzimos por volta de 140 milhões de metros cúbicos por dia e reinjetamos quase 85 milhões. É fato que reinjetar é uma estratégia comercial, mas devolver tanto para o poço é algo só visto no Brasil. E nada disso é explicado aos brasileiros. Pior: uma empresa decide o que vai fazer e 200 milhões de pessoas ficam a mercê dessa decisão. 

Enquanto vemos sentados a reinjeção aumentar, a lei não ser cumprida, o regulador enfraquecido, seguindo a lógica inversa de quem produz muito e tem mercado consumidor dentro e fora do país, vamos perdendo mais uma oportunidade. Ainda bem que ainda somos o país do futuro…


Fernando Teixeirense e Adrianno Lorenzon são, respectivamente, diretor de Relações Institucionais e Comunicação e diretor de Gás Natural da Abrace Energia, associação que representa os grandes consumidores de enérgica elétrica e gás natural.