Há quatro anos, a Lei do Gás (Lei 14.134/2021) entrou em vigor com a promessa de transformar o mercado brasileiro, reduzindo preços e atraindo investimentos. Oito meses após o lançamento do programa Gás para Empregar, alguns resultados começam a surgir, mas o Brasil ainda está longe de alcançar um preço estruturalmente competitivo.
Apesar de possuir uma das maiores reservas de gás natural do mundo, o Brasil vê seu consumo estagnado há 15 anos. O que já melhorou e quais desafios ainda precisam ser superados?
Um dos avanços mais significativos foi a expansão do mercado livre de gás, que saltou de 6 para 24 consumidores industriais em pouco mais de um ano. Esse movimento indica um passo importante em direção à competitividade, ainda que em ritmo lento. Como consequência, o preço médio caiu marginalmente de US$ 11,50/MMBtu em 2023 para US$ 10,50/MMBtu em 2024, segundo dados da Petrobras.
Um dos pilares do Gás para Empregar é a redução da reinjeção de gás. Enquanto o Brasil reinjetou 76 milhões de m³/dia de gás em 2024 – um recorde, a oferta nacional caiu para o menor nível desde 2011 (36 milhões de m³/dia).
Essa prática, embora possa ser justificada em alguns casos (para aumento da produção de petróleo), notadamente representa uma grave falha de mercado que necessita de regulação.
Há que se considerar as externalidades positivas à sociedade brasileira do aumento da oferta de gás natural: aumento da produção industrial, impulsionando emprego e renda; substituição de combustíveis mais poluentes, contribuindo para a descarbonização; aumento da produção de GLP (gás de cozinha), beneficiando milhões de famílias.
Um incremento de 40 milhões de m³/dia na oferta de gás natural poderia gerar 20 milhões de botijões mensais, cobrindo metade da demanda nacional, hoje suprida por importação, e reduzindo a pressão sobre o orçamento das famílias mais pobres.
Além disso, o Gás para Empregar trouxe maior transparência ao setor, expondo distorções na estrutura de custos do gás que encarecem o produto.
Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Ministério de Minas e Energia (MME) revelam que o custo atual de escoamento e processamento cobrado pela Petrobras pode chegar a US$ 10/MMBtu, quando o valor de referência justo, segundo a Empresa, seria apenas US$ 1,20/MMBtu.
Essa discrepância precisa ser corrigida para atingirmos um nível de competitividade mínimo, com o custo final ao consumidor inferior a US$ 8,00/mmbtu. Hoje a indústria paga US$ 13/MMBtu pelo gás, quase três vezes em relação a indústria norte-americana.
Chegaremos nesse nível de custo final se ganharmos escala e com contribuição dos elos da cadeia: produção, transporte e distribuição. A questão reside em alcançar um equilíbrio para a justa remuneração dos investimentos, do poço ao consumo.
Há um mito que a complexidade de produção do tipo de reserva do país é incompatível com a oferta de um gás barato. Estudos mostram que, mesmo na produção offshore, o break-even do gás brasileiro não ultrapassa US$ 3/MMBtu.
Esse número é corroborado pelo preço que os produtores vendem para Petrobras. Não é factível que o façam com prejuízo. Isso indica que há espaço para reduções significativas do preço sem inviabilizar investimentos.
O Brasil tem tudo para aproveitar a riqueza do gás natural, mas precisa agir rápido. A Lei do Gás e o Gás para Empregar são o arcabouço legal vigente. Suas diretrizes, em conjunto com programas importantes de desconcentração da oferta – Gas Release – precisam ser implementadas para acelerar a implantação de um ambiente competitivo e para que o consumidor final sinta os seus efeitos positivos.
Se o país quiser aproveitar todo o seu potencial de produção e oferta de gás natural e utilizá-lo como alavanca para a reindustrialização e geração de empregos com energia mais barata, precisa implementar um modelo para ofertar o dobro de gás pela metade do preço.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.
André Passos Cordeiro é presidente executivo da Abiquim e presidente do Fórum do Gás.
Adrianno Lorenzon é diretor de Gás Natural da Abrace Energia e coordenador do Fórum do Gás.