BRASÍLIA — Com apitos, cartazes e gritos de “Fora Rei do Gás” e “Xô, Termo Norte”, organizações ambientais e da comunidade de Samambaia conseguiram impedir a realização da audiência pública para licenciamento ambiental da usina termelétrica Brasília, que deveria ocorrer na noite desta terça (17/6).
O “Rei do Gás” é uma alusão a um dos sócios do empreendimento, o empresário Carlos Suarez.
A geradora Termo Norte planeja a construção e conexão da UTE Brasília, de 1.470 MW, ao gasoduto Brasil Central, da TGBC. É um projeto que vem sendo desenvolvido há mais de 20 anos, sem sair do papel. O traçado prevê a conexão de São Carlos (SP) à capital do país, onde não há suprimento de gás natural.
A audiência desta terça estava marcada para ocorrer em Samambaia, região administrativa do Distrito Federal onde se pretende instalar a usina — a cerca de 35 km da Praça dos Três Poderes.
Ainda não está claro quais serão os próximos passos. Organizações ambientais afirmam que é preciso marcar uma nova audiência, mas temem que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), presente no evento, siga em frente com os ritos do licenciamento.
Presidente da audiência, o coordenador-geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Fluviais e Pontuais Terrestres do Ibama, Edmilson Maturana, disse no evento que a suspensão não significaria, necessariamente o fim do processo de licenciamento.
Minutos antes, o técnico do Ibama que iniciou a apresentação explicou que o órgão ainda precisa dar um parecer sobre o pedido de licença da Termo Norte e que leva em conta a percepção da comunidade sobre o projeto. Ele foi interrompido logo em seguida pelos gritos de protesto do público.
Um dos articuladores do protesto que bloqueou a apresentação dos estudos de impacto realizados pela Termo Norte, o Instituto Arayara já havia entrado na Justiça para tentar adiar a audiência.
No pedido de liminar, a entidade cita a suspensão das outorgas de captação de água, dada pela Vara de Meio Ambiente do Distrito Federal no dia 10 de junho.
A Arayara entende que essa autorização é essencial para que o Ibama prossiga com a análise da licença.
“Uma vez que as outorgas foram suspensas pelo Poder Judiciário, um documento essencial e imprescindível para o licenciamento ambiental não está mais presente, sendo ilegal o prosseguimento do licenciamento ambiental e, consequentemente, a realização da audiência pública”, disse na ação.
Os ambientalistas lembram que o rio Melchior, que seria utilizado para resfriar a termelétrica, está poluído e não teria vazão suficiente para essa função.
Para a ONG, a audiência pública não deve ocorrer porque essa etapa da autorização não está cumprida.
“A realização da audiência pública sem que o processo de licenciamento ambiental tenha um documento considerado obrigatório gera uma ilegalidade insanável que irá gerar a nulidade posterior do ato, gerando confusão desnecessária na sociedade como um todo bem como o gasto de recursos públicos com a realização de um ato que certamente deverá ser realizado novamente”, afirmou.
A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) emitiu outorgas que permitiam a captação de 11 mil litros de água por hora no rio Melchior.
Na ação que revogou a outorga, os ambientalistas argumentaram que o curso d’água tem a pior classificação existente, de nível quatro, que proíbe o uso dessa água para qualquer uso humano, como banho, pesca e irrigação.
Segundo estudos da Arayara, 94% da água captada voltaria para o rio com temperatura elevada, agravando a situação ecológica dos ecossistemas.
Etapa de licenciamento se arrasta
É a segunda tentativa da Termo Norte de realizar a audiência. Em março, a reunião foi cancelada por uma decisão da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do DF.
A autoria da ação também é do Instituto Arayara, que argumentava que houve uma confusão na divulgação das datas.
Após essa indefinição, o Ibama marcou, ainda em abril, a audiência pública para debater o empreendimento.
A audiência é um passo para a UTE conseguir o licenciamento ambiental, mas a usina ainda depende de outros debates para sair do papel.
A construção da usina no Distrito Federal é mais um capítulo do debate sobre a expansão da geração termelétrica na matriz brasileira.
No fim de março, o Instituto Arayara pediu oficialmente ao Ibama uma análise de impacto considerando os efeitos cumulativos da UTE Brasília (Termo Norte) e de outras duas térmicas que desde o fim de 2022 estão em fase de licenciamento no órgão ambiental.
As UTEs Centro Oeste (1250 MW) e Brasil Central (1250 MW), ambas em Goiás e desenvolvidas pela EBrasil, também contam com a construção do duto de interligação do Gasbol.
Elas serão beneficiadas pelos 8 GW de contratação obrigatória de térmicas a gás natural previsto na lei de privatização da Eletrobras.