RIO — O leilão estruturante de gás natural da União, um dos anúncios previstos do governo Lula (PT) para a próxima semana, tem potencial para destravar demanda nova no setor industrial, na avaliação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e da Voqen, a comercializadora de gás e energia da Braskem.
Para isso, no entanto, o certame precisará de regras claras e abertas às indústrias como um todo — e ter cuidado para não onerar o gás, se confirmada a contratação da Petrobras como agente comercializadora no processo.
Esse foi um dos assuntos debatidos no episódio de estreia do videocast gas week, o novo programa semanal da indústria de gás natural do Brasil, com Vinícius Oliveira, o gerente-corporativo de Operação e Comercialização de Gás da CSN; e Cláudio Lindenmeyer, diretor de Comercialização de Gás Natural e Biometano da Voqen. Assista na íntegra acima.
A expectativa do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira (PSD), é conseguir entregar um gás, para a indústria, entre US$ 6 e US$ 7 o milhão de BTU — menos da metade do valor pago pelo segmento.
“Se a gente, de fato, conseguir chegar em US$ 8 [o milhão de BTU], ele começa a desbloquear muita coisa já no mercado industrial, pensando em siderurgia”, disse Vinícius Oliveira, da CSN, ao participar do videocast.
Ele cita como exemplo o potencial de troca de coque e carvão por gás no setor.
Ainda segundo Oliveira, a CSN estuda novos usos para o gás em seu processo produtivo, com base em diferentes cenários de preços para o gás — e que há potencial para que a companhia dobrar seu consumo atual, a depender de outros fatores conjunturais.
“São diversos projetos empilhados, com diferentes níveis de complexidade, com N variáveis que precisariam ser atingidas, tanto a nível de preço, de processabilidade do próprio gás, investimento e capex intensivo que a gente teria que ter…”, ressalva.
Já a Braskem, estima Cláudio Lindenmeyer, poderia aumentar entre 1 milhão e 1,5 milhão de m³/dia o seu consumo de gás, a partir da adaptação de outras linhas de produção internas, se a molécula for mais competitiva e chegar a patamares de US$ 7 a US$ 8 o milhão de BTU.
Mas se nada for feito para baixar o preço do gás, pondera Lindenmeyer, o risco é que o consumo de gás pela indústria entre em declínio. E cita o próprio caso da Braskem como exemplo.
“Olhando no passado, a Braskem já consumiu 3 milhões de m³/dia. E ano a ano, em função do cenário de preços, do cenário de competitividade do gás, esse processo vem se deteriorando. Hoje, a gente está falando de 2 milhões de m³/dia… Em Alagoas tem um projeto de biomassa, competitivo, com foco de descarbonização, substituindo o gás natural”, comentou.
Leilão tem que ser para todos, defende Braskem
Conforme antecipado pelo eixos pro, serviço exclusivo para assinantes (teste grátis), o MME pautou para a próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), no próprio dia 5/8, as novas regras de comercialização do gás natural da União pela Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).
O governo espera definir, então, as diretrizes para o uso como matéria-prima, para produção de fertilizantes nitrogenados — em linha com a promessa de Alexandre Silveira de destinar o gás da União até o polo gás-químico de Uberaba (MG).
Lindenmeyer defende que o leilão precisa ter regras claras e ser aberto à participação da indústria de uma forma geral.
“Como conceito, que ele tenha regras claras… seja aberto pra todo mundo poder participar”
“Temos interesse [de participar], acho que todos que buscam aí um gás competitivo têm interesse. Que tenha previsibilidade e regras claras para que os agentes possam, se fizer sentido, participar”, afirmou.
Participação da Petrobras preocupa, diz CSN
Vinícius Oliveira, da CSN, vê com bons olhos a proposta do leilão. Ele, por sua vez, manifestou preocupação com a possível contratação da Petrobras como agente comercializadora desse gás da União.
“Preocupa um pouco, sendo muito sincero, quando você fala de terceirizar para Petrobras, por exemplo, a comercialização, porque daí você já está criando de novo um agente comercializador que é o agente dominante de mercado… Vai onerar”, disse.
“Mas a ideia [do leilão de gás da União]é fundamental… São iniciativas estruturantes desse tipo que podem fazer o gás chegar de fato mais barato para o consumidor”, completou.
A ideia é que a resolução do CNPE trate das diretrizes para o leilão de gás da União e contemple, também, a figura do agente comercializador.
Este mês, o governo deu mais um passo importante, com a edição da Medida Provisória 1304/2025 (MP dos Vetos), que traz mudanças na Lei do Regime de Partilha (12.351/2010) para destravar o leilão de gás da União.
Pelos termos da MP, o CNPE poderá determinar as condições (incluindo o valor) de acesso às infraestruturas de escoamento, processamento e de transporte, especificamente do gás da União.
E também permite que a Petrobras seja contratada como agente comercializadora do gás da União, uma espécie de contrapartida que foi alcançada nas negociações entre governo e a estatal.