Nova turbulência no transporte de gás

ANP vai apurar eventuais infrações da TBG em oferta de capacidade do Gasbol

Agência vai se debruçar sobre metodologia para ver se houve falhas em caso que resultou em aumento inesperado das tarifas

ANP aprova mudança na forma de cálculo para evitar novo choque na tarifa, o tarifaço, da NTS. Na imagem: Bruno Caselli, diretor substituto da Diretoria 4 da ANP, durante encontro promovido pelo eixos PRO, em 25/9/2024 (Foto Stéferson Faria/eixos)
Bruno Caselli, diretor substituto da Diretoria 4 da ANP, durante encontro promovido pelo eixos PRO | Foto Stéferson Faria/eixos)

A diretoria da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) orientou sua área técnica a apurar eventual infração administrativa e eventuais indícios de prática anticompetitiva da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) no processo de oferta de capacidade para 2025-2029.

A Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM) deverá se aprofundar sobre a metodologia usada pela transportadora na projeção de demanda — que ficou descolada da demanda efetivamente requisitada pelos usuários, resultando num aumento inesperado das tarifas em relação ao cenário de referência.

A diretoria da ANP aprovou nesta quinta (19/12) uma solução provisória para destravar a contratação do Gasbol na virada do ano, enquanto a agência se debruça sobre as causas e soluções de contorno para o aumento das tarifas.

O processo de oferta de capacidade da TBG está suspenso pela agência desde o início do mês.

Dado o histórico recente de turbulências na contratação de capacidade dos gasodutos (além da TBG, houve o episódio do tarifaço da NTS este ano), a diretoria da ANP também decidiu pela elaboração de uma Instrução Normativa estabelecendo procedimentos e prazos para condução dos futuros processos de oferta de capacidade.

Diretor cobra transportadoras

O diretor-relator, Bruno Caselli, cobrou um preparo maior das transportadoras.

Segundo ele, os casos recentes de aumento das tarifas, por descolamentos dos cenários de referência, poderiam “facilmente ser contornados” caso houvesse uma “avaliação mais criteriosa” das projeções de demanda.

“Olhando esse caso da TBG, é notório que existe necessidade de as empresas se organizarem: terem equipes aptas e capazes de mandar informações corretas e fidedignas para que soluções sejam tomadas tempestivamente”

“Muitas vezes a gente olha só para dentro [da ANP], mas o mercado também tem que se organizar. Nesse caso tem muito a ser feito pelas transportadoras, para que isso aconteça de forma mais organizada”, comentou Caselli, durante seu voto.

O tamanho da frustração de demanda

Em seu relato, Caselli dimensionou o tamanho do descolamento entre a demanda estimada e aquela efetivamente confirmada pelos agentes na contratação:

  • nos pontos de entrada, a demanda em Corumbá (MS) se mostrou 45% menor que o projetado, enquanto em Gascar (SP), na interconexão com a malha da NTS, houve um aumento de 94%;
  • nos pontos de saída, em SP1 a demanda foi 27% menor e na SP2 13% abaixo do esperado. Já na EMED Guararema, ficou 13% acima do esperado.

A solução provisória aprovada pela ANP consiste em reduzir temporariamente o multiplicador do serviço de curto prazo, para permitir que os usuários que manifestaram interesse em contratar capacidade para 2025 possam fechar contratos para o 1º trimestre sem serem penalizados pelo multiplicador (1,25 vez a tarifa do contrato anual).

Os carregadores pagarão, portanto, a tarifa vigente para os contratos firmes anuais.

Com a solução, o regulador ganha tempo para estruturar uma solução definitiva – e retomar, no 1º trimestre de 2025, o processo de oferta de capacidade de 2024 e lidar com o aumento inesperado das tarifas.

Proposta da TBG é insuficiente, diz relator

A transportadora propôs alterações nos percentuais de recuperação das receitas pelo conjunto de pontos de entrada e conjunto de pontos de saída – além da utilização parcial do saldo da Conta Regulatória para mitigar o aumento inesperado das tarifas.

Pelas regras atuais, as tarifas cobradas pela injeção de gás na malha têm um peso maior na composição das receitas das transportadoras: 70% dos custos são recuperados pelas tarifas de entrada, enquanto os 30% restantes pelas tarifas de saída.

Como, no caso da TBG, são poucos os pontos de entrada no sistema do Gasbol – Garuva (SC) têm baixa movimentação de gás e a interconexão no Gascar (SP) tem desconto de 90% na tarifa – Corumbá acaba sendo, de longe, a principal fonte de remuneração da TBG.

A regra atual expõe as tarifas às oscilações dos volumes entregues pela Bolívia.

Caselli destacou que a proposta da TBG “não se mostra suficiente para evitar aumento tarifário ainda expressivo em alguns pontos”.

“Seria imprudente avaliar essa proposta de forma açodada em face de suas diversas facetas e dado os diferentes instrumentos possíveis para mitigar o aumento [das tarifas] resultante da etapa de manifestação de interesse”, avaliou Caselli.

As tarifas de referência para 2025, aprovadas pela ANP, indicavam uma tendência de queda de 11% a 19% na tarifa de entrada e de 4% a 26% na saída – a depender do ponto de injeção e retirada de gás do sistema.

Com a frustração da demanda, porém, o cenário passou a ser de alta nas tarifas.

Isso porque em situações como essa, há a necessidade de recálculo das tarifas de referência. A receita do transportador não cresce nesses casos. Ela é dividida pela expectativa de volume movimentado. Se o volume cai, a tarifa sobe – mesmo a receita mantida a mesma.

Diretora reforça pleito por transparência

Ao acompanhar o voto do relator, a diretora Symone Araújo reforçou seu apoio ao aumento da transparência da Base Regulatória de Ativos (BRA) das transportadoras, diante da proximidade de revisão tarifária em 2025.

“Em 2025 vamos ter uma transformação muito profunda no que diz respeito às tarifas de transporte”, disse

“[Dar publicidade à BRA] é um compromisso importante da agência. Talvez encontre insumos para auxiliar a ANP no escrutínio dessas causas para descolamento [de demanda], completou.

Acesso às infraestruturas em pauta

Na mesma reunião, a diretoria da ANP aprovou nesta quinta a continuidade das atividades do Grupo de Trabalho de Acesso a Infraestruturas Essenciais.

O GT terá 90 dias para concluir a elaboração de minuta de regulamentação sobre as diretrizes e princípios do acesso negociado e não discriminatório de terceiros aos terminais de GNL; além da minuta de regulamentação da resolução de conflitos.

A regulação sobre o acesso  aos gasodutos de escoamento e unidades de processamento ficará para depois – o GT deverá apresentar, nos 90 dias, o planejamento para continuidade das providências de acesso a essas infraestruturas.

O GT foi criado em 2022 para elaborar as propostas de resolução sobre a regulação do acesso negociado e não discriminatório.

A publicação do novo decreto da Lei do Gás, em agosto, no entanto, trouxe novas diretrizes sobre o assunto — o que motivou a ANP a reavaliar os trabalhos para alinhar a regulamentação em elaboração aos novos regulamentos.

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