Opinião

A urgência da boa regulação: prazos, transparência e equilíbrio tarifário na distribuição de gás natural

Aumentos expressivos nas margens de distribuição de gás colocam em risco objetivo de redução do custo do insumo, escrevem Sylvie D’Apote, Fernando Montera, André Alves e Daniela Santos

Sylvie D'Apote, diretora de Gás do IBP, concede entrevista ao estúdio eixos no Midstream & Gas Day 2025, em Buenos Aires (Foto: eixos)
Sylvie D'Apote, diretora de Gás do IBP, concede entrevista ao estúdio eixos no Midstream & Gas Day 2025, em Buenos Aires (Foto: eixos)

O setor de gás natural brasileiro vive um momento decisivo de transição, em que abertura gradual do mercado, a entrada de novos agentes e a busca por maior eficiência colocam em evidência a importância de uma regulação técnica, transparente e previsível.

A consolidação de um mercado competitivo e sustentável, conforme estabelecido pela Lei nº 14.134/2021, depende não apenas de avanços a nível federal, mas também da qualidade dos processos conduzidos pelos estados.

Nesse cenário e face aos movimentos recentes de regulação nos estados, levantam-se grandes questionamentos sobre o futuro do mercado de gás no Brasil. Nos últimos meses, em diversos estados da federação, houve sinalizações ou aprovações de aumentos expressivos e desproporcionais nas margens de distribuição de gás natural, chegando na casa de 60%.

Esses reajustes, resultantes de processos de revisão tarifária estaduais, acendem um alerta sobre a sustentabilidade dos avanços obtidos desde o novo marco legal e colocam em risco o objetivo de redução do custo do insumo para o consumidor final — tanto cativo quanto livre.

Os processos de revisão tarifária são instrumentos legítimos, previstos nos contratos de concessão, mas tal condição depende de procedimentos adequados de participação social.

A simples formalização de uma revisão não garante, por si só, equilíbrio entre a justa remuneração ao prestador do serviço e a modicidade tarifária para o usuário.

Quando conduzidos de maneira apressada e sem diálogo efetivo, esses processos tendem a produzir distorções que prejudicam o consumidor e enfraquecem a competitividade do mercado.

Diversos estados têm cometido equívocos que comprometem a efetividade desses mecanismos.

Entre eles, destacam-se: (i) a adoção de revisões anuais, em vez de ciclos plurianuais, como já aplicado em algumas distribuidoras, e no segmento transporte e previsto nas melhores práticas também do setor elétrico; (ii) ausência de cronogramas prévios organizados para participação pública, impedindo o planejamento dos interessados; (iii) prazos desnecessariamente exíguos para as consultas públicas, muitas vezes inferiores a dez dias; e (iv) interferência das concessionárias nas decisões finais.

Essas práticas resultam em processos apenas formalmente abertos, mas materialmente fechados à contribuição qualificada.

Os exemplos se multiplicam. Apenas em 2025, estados como Pernambuco, Amazonas, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Ceará e Mato Grosso do Sul realizaram revisões tarifárias com aumentos substanciais da margem de distribuição mesmo em contextos de queda de demanda, contrariando a lógica econômica e aumentando a tarifa final para o consumidor final.

O resultado é um custo adicional anual em prejuízo do consumidor de cerca de R$ 0,6 bilhão, que onera o sistema e reduz os sinais econômicos que deveriam estimular eficiência e competitividade.

Estes aumentos são resultados de uma estrutura contratual e regulatória ultrapassada que restringe o desenvolvimento do mercado. Em Pernambuco, por exemplo, mais de 35% da margem bruta destina-se exclusivamente à remuneração do CAPEX e OPEX, que conta com uma taxa de remuneração líquida de 20%.

E no cálculo da margem considera-se apenas 80% da demanda estimada, perpetuando distorções em um cenário de retração do consumo.

Esses desequilíbrios se agravam diante de práticas regulatórias que limitam a participação social e o diálogo entre todas as partes interessadas.

Em vários estados, as consultas e, quando ocorrem, as audiências públicas, têm sido realizadas com prazos exíguos para contribuições — em muitos casos considerando prazos de nove a quinze dias corridos — o que é insuficiente para avaliar temas complexos, como as revisões tarifárias.

Casos recentes como as consultas públicas 04/2025 (Ceará), 05/2025 (Pernambuco) e 01/2025 (Amazonas) ilustram esse problema. A limitação temporal afasta contribuições qualificadas e compromete a legitimidade das decisões, violando os princípios de transparência, previsibilidade e qualidade técnica que caracterizam a boa regulação.

A Lei nº 13.848/2019, que disciplina o processo decisório das agências reguladoras federais, estabelece um prazo mínimo de 45 dias para consultas públicas — reconhecendo a participação social como elemento essencial de legitimidade e qualidade técnica.

Embora as agências estaduais não sejam obrigadas a seguir a norma federal à risca, seus princípios devem ser adotados por analogia como boas práticas. Um prazo de 45 dias, aliado a uma divulgação prévia e organizada, favorece o planejamento dos agentes, o aprofundamento das análises e o fortalecimento do debate público.

Mais do que cumprir uma formalidade, é preciso assegurar o propósito das consultas públicas: serem instrumentos de construção coletiva, e não meros protocolos administrativos.

Um procedimento célere é aquele que alia velocidade à eficiência e ao cumprimento de deveres técnicos; já a rapidez desprovida de método compromete resultados e gera decisões frágeis, sujeitas a revisões e judicializações futuras — o oposto da estabilidade e previsibilidade de que o setor precisa.

Outro problema que se tornou especialmente evidente e premente no último ano diz respeito à concentração, em um curto intervalo de tempo, de diversas consultas públicas em diferentes estados.

Nesse sentido, impõe-se a necessidade da criação de um calendário regulatório nacional que organize as consultas e audiências públicas promovidas por agências estaduais e federais ao longo do ano.

Tal medida traria previsibilidade, permitiria melhor alocação de recursos técnicos e evitaria sobreposição de processos. A transparência no cronograma fortaleceria a confiança institucional e a qualidade da regulação, beneficiando tanto o poder público quanto os agentes de mercado.

Por fim, importante ressaltar que a maturidade regulatória que o setor de gás natural demanda passa pela adoção de metodologias coerentes, prazos adequados e critérios transparentes.

A pressa — aqui entendida como falta de planejamento e não como celeridade — é inimiga da boa regulação. Em um mercado em transição, decisões apressadas, mal fundamentadas e sem diálogo social tendem a gerar desequilíbrios tarifários e desincentivar investimentos.

O papel dos estados na consolidação de um mercado de gás competitivo é inquestionável. Mas, para cumprir essa missão, é indispensável afastar práticas que, sob o pretexto de eficiência, enfraquecem os pilares da modicidade tarifária e da previsibilidade regulatória.

O amadurecimento do setor passa, necessariamente, por processos que combinem técnica, transparência e tempo adequado para o diálogo.


Por Sylvie D’Apote, Fernando Montera, André Alves e Daniela Santos, da diretoria Executiva de Gás Natural (IBP).

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