O governo do Rio Grande do Sul entende que não há necessidade de acabar com o monopólio das distribuidoras estaduais de gás para abrir o mercado. O secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura do estado, Artur Lemos Júnior, afirma que a grande transformação necessária passa pela quebra do monopólio da Petrobras no transporte, por uma legislação que defina a figura do consumidor livre e também a revisão dos tributos para que seja possível o “choque de energia barata”.
Artur Lemos Júnior assumiu o cargo este ano, nomeado pelo governador eleito em 2018, Eduardo Leite, do PSDB, que criou a a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura. A nova pasta também é responsável pela gestão da Corsan (saneamento) e da CEEE (energia).
“Não é o monopólio do gasoduto que prejudica, entendemos que outros elementos prejudicam mais. Um deles é a ausência de um marco legal, mas também da centralização da Petrobras nesse mercado”, afirma Lemos Júnior.
O RS aguarda o texto final do Novo Mercado de Gás para apresentar um projeto de lei que fortalece a agência reguladora estadual. Lemos Júnior também falou à epbr sobre a expectativa da gestão gaúcha sobre o desenvolvimento da indústria de carvão e acerca do shale gas argentino da jazida de Vaca Muerta.
Artur Lemos Júnior conversou com a epbr em 5 de junho e a entrevista foi antecipada aos leitores do Político, serviços exclusivo para assinantes.
Como o governo gaúcho vê a proposta do Novo Mercado de Gás?
O estado é totalmente favorável a uma mudança de postura. A gente vem acompanhando essa discussão desde o governo anterior, com o Gás Para Crescer, e estamos participando desde o início junto ao Ministério de Minas e Energia porque entendemos que é necessária uma mudança no mercado de gás natural. Agora, essas mudanças têm de ser particionadas.
Nós não entendemos que há necessidade, por exemplo, dos estados perderem o monopólio, que é constitucional, do gás distribuído por gasodutos. Entendemos, sim, que as companhias, sejam estaduais ou privadas, devem administrar dutos e o mercado tem de estar aberto para múltiplos fornecedores, com a figura do consumidor livre neste escopo para demandar a utilização destes gasodutos.
A própria companhia, se quiser participar da venda da molécula, poderia comercializar também para os consumidores livres a partir da sua estrutura, mas essa regulação demanda uma agência reguladora forte.
E como segue a tramitação dessa legislação estadual?
Já temos a minuta de um projeto de lei para regular o mercado de gás, mas não distribuímos ainda esse PL porque aguardamos como isso vai se dar na legislação federal. Não queremos estar dissociados do que vai avançar na discussão em âmbito nacional.
Hoje, com a companhia estatal, quem faz a regulação e a fiscalização é a administração direta, a secretaria. Isto é anômalo, não funciona, e aí com a privatização da nossa companhia de gás, vamos passar essa fiscalização à nossa agência reguladora. Ela já existe, porém vamos alterar a legislação para dar mais instrumentos para que ela consiga exercer uma regulação à altura do que se espera o mercado.
Mas o RS não se opõe à construção de dutos pela iniciativa privada?
Não. Pode construir visando sua necessidade de consumo, mas tem de saber que essa distribuição tem um agente que tem essa condição de monopólio. Se nosso objetivo é ter uma rede de gasodutos robusta, nós não podemos depender que o privado vá fazer os seus investimentos ao seu interesse. Por isso que nós entendemos que esse monopólio não é prejudicial, mas ele deve ser bem regulado.
Não é o monopólio do gasoduto que prejudica, entendemos que outros elementos prejudicam mais. Um deles é a ausência de um marco legal, mas também da centralização da Petrobras nesse mercado.
Como seria esse marco legal?
O primeiro passo seria a Petrobras sair deste monopólio. O ideal seria que todos os interessados tenham acesso à utilização desses gasodutos de transporte e a Petrobras não ser um regulador desse uso, não necessita disso. Ela tem que ser mais um fornecedor deste gás, como outras empresas.
Passando esse primeiro passo, aí sim, uma legislação que regulamente quem é o consumidor livre, o distribuidor, o comercializador, deixando claras essas estruturas, onde o distribuidor que administra os dutos será único, mas todo seu entorno será múltiplo e permitirá que a gente consiga acessar o gás com preço menor.
Uma questão em debate é o risco de perda de receita de ICMS. Como resolver?
O Rio Grande do Sul é um estado muito prejudicado pela tributação atual. Temos um gás proveniente da Bolívia, que entra pelo Mato Grosso do Sul, então a totalidade do ICMS fica lá. O estado não tem arrecadação nenhuma.
A gente entende que vai ser muito difícil um estado abrir mão de recursos. Para isso, pensamos que o avanço da reforma tributária é importante para que a gente consiga corrigir essas distorções, fazendo com que o imposto único seja trabalhado de forma equilibrada em todos os estados. Tem-se uma discussão e avança-se onde a tributação se dê no consumo e não na internalização e, no ponto de vista do Rio Grande do Sul, gostaríamos muito que essa discussão avançasse.
O governo aposta no Confaz para resolver a questão do ICMS. É a instância correta?
Não basta. Vejo com muita dificuldade que os estados vão chegar em um consenso nesse sentido justamente por ter interesses antagônicos. O Rio Grande do Sul ganharia com a tributação por contrato, por exemplo, mas o Mato Grosso do Sul perderia muito e isso pode prejudicar efetivamente as finanças do estado, então ele sempre será contra. Nós entendemos que o governo federal, como ente maior, deve trabalhar numa regra geral porque, se depender dos estados, a gente vê com muita dificuldade.
O mercado de gás e carvão no Rio Grande do Sul não competem?
O carvão é uma riqueza natural do nosso estado que temos de utilizar com parcimônia e com cautela pela questão ambiental, mas para isso há o trabalho com novas tecnologias, como a captura de CO². Há também o uso diversificado. Não é necessário queimar o carvão, mas pode-se transformar em insumos químicos importantes para o mercado do Sul, como metanol e fertilizantes, atualmente importados, e o gás sintético.
Na nossa compreensão, a gaseificação do carvão para produzir o gás natural sintético é um complemento dentro do mercado já existente e o mercado futuro que o Rio Grande do Sul demandará de gás natural. Ademais, o gás proveniente do carvão vai ser um componente importante de regulação do preço que, muito porventura da ampliação de oferta do nosso estado será proveniente de GNL. É uma commoditie que sofre variação internacional que pode ter uma estabilização pela produção do gás do carvão.
É importante ressaltar que o RS está longe do mercado de consumo e essa distância deixa os estados do Sul em uma situação desfavorável para um insumo que é tão importante para a indústria e a atividade empresarial.
Qual é a expectativa do estado em relação a Vaca Muerta, na Argentina?
Temos uma perspectiva boa, mas entendemos que é de longo prazo. Não podemos aguardar Vaca Muerta porque é um debate que será intenso de ponto de vista ambiental na Argentina, que tem um ala muito protetiva nesse sentido.
Mas trabalhamos com a hipótese de uma fonte de gás natural a partir da fronteira Oeste, onde temos uma usina termelétrica a gás natural que não funciona justamente por não ter gás.
Nossa concepção de planejamento é termos uma entrada de gás natural GNL via porto de Rio Grande, uma entrada de gás natural a partir do shale gas argentino pela fronteira Oeste a longo prazo, termos um centralizador, com uma produção de gás sintético modulando esse mercado, e o gasoduto que abastece o total de 2,8 milhões de m³, mas que fica para o consumo da indústria apenas 2 milhões de m³ por dia.