Gás Natural

Empresas travam corrida por novo terminal de GNL do Pecém, no Ceará

Shell e bp encabeçam novos projetos, enquanto Petrobras perde, a partir de 2023, exclusividade na operação de píer

Empresas travam corrida por novo terminal de GNL do Pecém, no Ceará. Na imagem: Embarcação para transporte de GNL em terminal de regaseificação do Pecém (Foto: Divulgação/Petrobras)
Porto do Pecém é atendido por terminal de GNL arrendado para Petrobras; empresas correm para desenvolver novos projetos (Foto: Divulgação/Petrobras)

RIO —  A um ano do fim da exclusividade da Petrobras na operação do píer 2 do Porto do Pecém, no Ceará, concorrentes da estatal se mobilizam para instalar um novo terminal de regaseificação de GNL no complexo.

A expectativa no mercado é que haja uma corrida pelo desenvolvimento do negócio. Ao menos dois projetos estão sendo discutidos com o CIPP, empresa responsável pela gestão do complexo portuário. Ambos envolvem, do ponto de vista do suprimento,  dois grandes fornecedores globais de gás natural liquefeito (GNL):

  • A Shell tem contrato para fornecimento de GNL à termelétrica de 1,6 GW que o consórcio Portocem negociou no leilão de capacidade de dezembro de 2021, com previsão de entrada em operação em 2026. A Ceiba Energy, líder do Portocem, planeja um terminal no porto, para garantir o abastecimento à usina.

    A OnCorp, por sua vez, também tem planos de construir um terminal de GNL no porto e quer se colocar como fornecedora da infraestrutura de regaseificação, com capacidade estimada em 13 milhões de m3/dia;

  • A bp assinou, no início do ano, um memorando de entendimento com o governo cearense para instalação  de um hub de gás no Porto do Pecém. A ideia é construir um terminal de GNL, associado a um projeto termelétrico de 2,2 gigawatts (GW). A multinacional já participa, hoje, de um projeto termelétrico associado à importação de GNL no Porto do Açu (RJ), por meio da Gás Natural Açu (GNA).

“Foi dada a largada”

O Porto do Pecém é um Terminal de Uso Privado (TUP) e não há necessidade de um processo licitatório para decidir quem vai construir o terminal. Os projetos são negociados bilateralmente com o complexo portuário.

O presidente do CIPP, Danilo Serpa, disse à agência epbr que o Porto do Pecém possui capacidade de investimentos e área suficiente e disponível para abrigar mais de um terminal.

“O empreendimento que demonstrar viabilidade, teremos condições de abrigar no nosso terminal portuário, da forma mais eficaz e eficiente possível”, disse.

A questão é que se há espaço mercadológico para dois terminais no estado.

“Vai arrendar o píer para instalação do terminal quem conseguir, em tese, apresentar o projeto mais maduro e viabilizá-lo de forma mais rápida e eficiente. Foi dada a largada da corrida”, comentou um executivo de uma das empresas envolvidas nas negociações, sob a condição de anonimato.

A demanda por GNL no Porto do Pecém

Os projetos em estudo miram não só o mercado existente, mas também as perspectivas de expansão, sobretudo do setor termelétrico.

Além do acordo vinculante para fornecimento exclusivo de GNL ao consórcio Portocem, formado por Ponte Nova Energia e Ceiba Energy,, a Shell também mira o mercado das distribuidoras.

A empresa está em negociações com a Cegás (CE), para fornecimento de gás à concessionária estadual – cujo mercado não-termelétrico é da ordem de 550 mil m3/dia. A multinacional é a segunda maior produtora de gás do Brasil e tem contratos de fornecimento, hoje, com a Copergás (PE), Bahiagás (BA) e, no mercado livre, com a Unigel. A intenção da empresa é compor um mix de suprimento que mescle a produção do pré-sal com a importação de GNL.

A BP, por sua vez, tem acordo de suprimento fechado com a Positiva Energia do Pecém S.A. — que planeja cadastrar três usinas, que somam 2,2 GW no complexo portuário, nos leilões de energia nova deste ano.

Além disso, o estado do Ceará possui, hoje, duas importantes usinas a gás: a Termoceará (220 MW), da Petrobras, e a Termofortaleza (327 MW), que está sendo vendida pela Enel à Eneva. Ambas ficarão descontratadas a partir dos próximos anos e precisarão ser renegociadas nos leilões ou no mercado livre.

O secretário de desenvolvimento econômico do Ceará, Francisco Maia Júnior, acredita que o parque termelétrico existente no Ceará, mais Portocem, já justificam o investimento num novo terminal de GNL no estado.

O futuro da Petrobras no Pecém

Ainda não está clara qual será a posição da estatal, após o fim da exclusividade da operação do píer 2 do Porto do Pecém, em junho de 2023. Procurada, a companhia preferiu não comentar sobre o assunto.

A petroleira vem de uma relação desgastada com o governo cearense. O terminal da Petrobras em Pecém é histórico. Foi a primeira planta de regaseificação construída no país, com capacidade para 7 milhões de m3/dia.

Nos últimos anos, contudo, o ativo passou a ser subutilizado. Desde 2020, importa menos de 1 milhão de m3/dia, na média, segundo dados do Ministério de Minas e Energia.

Em 2021, o governo cearense se queixou do fato de a Petrobras ter retirado o navio regaseificador de Pecém, sem explicações, por alguns meses.

A expectativa de Maia Júnior é que a Petrobras está de saída do mercado cearense. Segundo ele, o estado precisa, desde já, trabalhar na garantia do suprimento.

“Temos dois protocolos, um deles firmado com a BP, que se compromete a montar um terminal de suprimento de gás não só para atender o Ceará como também para atender as regiões vizinhas. A Shell firmou o mesmo entendimento.

A nossa expectativa é que tanto a Shell como a BP possam ser, a partir dessa infraestrutura que o Ceará tem, os novos supridores de gás, com a definição inclusive da Petrobras de retirada desse mercado no Nordeste… A Petrobras não vem garantindo o suprimento de gás natural há alguns anos, apesar de ter um FRSU [navio regaseificador] alocado no Pecém até junho de 2023”, comentou.

O secretário conta que a Shell está em fase final de negociação, para assinatura de pré-contratos para instalação do projeto em Pecém.

Procurada, a Shell informou que, no fim de maio, executivos da companhia e do consórcio Portocem se reuniram com o governo do Ceará “para discutir aspectos do projeto e reiterar apetite na região”.

A BP esclareceu, por sua vez, que o Ceará é uma região estratégica para o crescimento e desenvolvimento do portfólio da empresa no Brasil. A companhia cita que segue avaliando as oportunidades relacionadas ao projeto termelétrico no estado e que, em relação a outros projetos, de terceiros, no Pecém, “acompanha de perto as movimentações do mercado e está sempre atenta à novas oportunidades de investimento”.

Fim dos “privilégios”

Existe uma dúvida, no mercado, sobre o que será feito do terminal existente a partir de 2023 – já que, uma eventual nova planta de regaseificação não ficará pronta a tempo.

Serpa, do CIPP, prefere não comentar sobre o futuro da relação com a Petrobras, em razão de acordos de confidencialidade.

“Mas posso adiantar que já possuímos um planejamento bem pensado para as operações de GNL no Porto do Pecém”, disse.

Em 2021, no contexto da crise hídrica, o governo federal determinou a abertura excepcional do acesso do terminal de Pecém a terceiros.

Segundo fontes, a OnCorp acredita ser possível reaproveitar parte da estrutura existente. A empresa quer tomar uma decisão sobre o investimento no novo terminal de GNL do Pecém em até 60 dias.

Seja quem for o novo dono do terminal, segundo Maia Júnior, o governo cearense não tem a intenção de fechar um novo acordo de exclusividade para operação no porto – a exemplo do contrato vigente com a Petrobras.

“O Brasil criou uma cultura de privilégios nas áreas públicas. O Ceará não tem esse privilégio. Demos esse privilégio para a Petrobras exclusivamente, porque ela se comprometeu em fazer uma refinaria no Ceará [a Premium]. E não fez. Agora a Petrobras, se quiser, vai operar nas mesmas condições dos outros”, afirmou.