RIO — A demanda por acordos de longo prazo de gás natural liquefeito (GNL) ganhou um novo impulso este ano, na medida em que a Europa busca reduzir a dependência da Rússia. Diante do aquecimento do mercado, fornecedores globais da commodity estão aumentando o peso do petróleo na indexação dos novos contratos e os preços estão subindo. O cenário torna o contexto mais difícil para a abertura do mercado brasileiro, via GNL.
Dentro da nova dinâmica do mercado, segundo analistas, os Estados Unidos e a África despontam como potenciais fornecedores para a União Europeia.
De acordo com a Wood Mackenzie, consumidores finais já assinaram em 2022 contratos da ordem de 10 milhões de toneladas/ano e os preços da commodity indexados ao petróleo estão em alta.
A consultoria destaca que os volumes de contratação de GNL de longo prazo atingiram em 2021 os níveis mais altos dos últimos cinco anos e que o impulso continua em 2022.
“A invasão russa na Ucrânia teve um impacto dramático nos contratos de GNL de longo prazo. Muitos compradores tradicionais de GNL não vão adquirir gás spot ou GNL, nem renovar ou assinar contratos adicionais de GNL com fornecedores russos. Os preços spot também têm sido altos e voláteis, levando muitos compradores a contratos de longo prazo. Além disso, alguns compradores estão retornando a contratos de longo prazo, em nome de governos, para tentar proteger a segurança energética nacional”, escreveu o analista Daniel Toleman.
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Demanda aquecida, preços mais altos
A consequência do aquecimento da demanda é o aumento dos preços dos contratos de longo prazo indexados ao petróleo. Segundo a Wood Mackenzie, nas negociações mais recentes a indexação do preço do gás natural ao petróleo aumentou de 10% para 12,5% a 14%.
A consultoria estima que vendedores podem obter indexações de 16% para negócios de dois ou três anos com volumes que terminam antes do final de 2024; e de 14% a 15% para negócios de quatro ou cinco anos, com volumes até 2026.
Apesar do aquecimento da demanda europeia, os compradores chineses continuam a dominar o mercado. Eles já assinaram contratos para aquisição de mais de 8 milhões de toneladas/ano este ano. A maioria dos novos contratos é de fornecimento dos EUA, atrelados aos preços norte-americanos.
Na Europa, a Wood Mackenzie destaca a assinatura de um acordo da Engie, para compra de até 1,75 milhão de toneladas/ano, por 15 anos, do projeto Rio Grande da NextDecade, no Texas (EUA).
Nova chance para projetos na África
Não só os EUA podem se beneficiar como grandes fornecedores de gás à Europa. A Rystad Energy acredita que a África também pode despontar como grande exportadora de gás para a União Europeia.
De acordo com a consultoria, o continente africano pode atingir um pico de produção até o fim da década de 2030 equivalente a cerca de 75% da quantidade esperada de gás produzido pela Rússia em 2022.
A Rystad estima que a produção africana deve crescer dos 260 bilhões de metros cúbicos (m3) em 2022 para até 335 milhões de m3 até o fim desta década, dentro de uma visão conservadora.
A consultoria cita que a Rússia tem sido historicamente o fornecedor dominante de gás para a Europa, tendo sido responsável por 62% das importações do continente europeu na última década. A África, no entanto, também foi um exportador consistente, com participação de 18%.
“Os projetos na África têm sido, historicamente, vistos como de risco elevado e podem ser adiados ou não sancionados devido aos altos custos de desenvolvimento, desafios de acesso ao financiamento, problemas com regimes fiscais e outros ‘riscos acima do solo’. Sinais recentes de grandes empresas de petróleo e gás, como BP, Eni, Equinor, Shell, ExxonMobil e Equinor indicam, no entanto, uma mudança na estratégia para mais investimentos na África”, cita o relatório da Rystad.
A consultoria destaca que essas empresas têm considerado reiniciar ou acelerar projetos anteriormente engavetados.
“A infraestrutura de gasodutos existente do norte da África para a Europa e as relações históricas de fornecimento de GNL tornam a África uma forte alternativa para os mercados europeus, após a proibição das importações russas”, escreveu a analista sênior da Rystad Energy, Siva Prasad.
A consultoria cita alguns dos movimentos recentes das grandes multinacionais do setor em direção à África:
- BP: anunciou a intenção de sair da Rússia e está olhando para projetos africanos, como oportunidade de fornecimento a mercados europeus. A empresa tem projetos de gás no Senegal e na Mauritânia;
- Eni: assinou, em abril, acordos para aumentar as importações de gás da Argélia e do Egito e, mais recentemente, acordos de fornecimento de gás com Congo e Angola;
- ExxonMobil: saída da Rússia pode levar ao avanço no projeto de GNL Rovuma, em Moçambique;
- Shell/Equinor: as duas multinacionais também estão de saída da Rússia, o que pode dar uma nova chance para o desenvolvimento de um projeto adormecido de GNL na Tanzânia.