RIO — O presidente da Compass, Nelson Gomes, disse nesta quinta-feira (25/5) que o corte de 30% no fornecimento de gás natural da Bolívia ao Brasil, a partir deste mês, “não preocupa” a companhia, do ponto de vista da segurança do abastecimento.
Segundo ele, o episódio reforça, no entanto, a importância do Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), em construção pela empresa do grupo Cosan no Porto de Santos. O ativo deve começar a operar em 2023, com capacidade de regaseificação licenciada de 14 milhões de m³/dia.
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“Olhando para trás, para dez a quinze anos atrás, vemos que nos períodos mais frios, no inverno, existe uma mudança no fluxo do gás boliviano em direção à Argentina. Não é uma novidade deste ano, sempre aconteceu. Não sei quantificar se foi mais ou menos este ano. Sei que, olhando para a Petrobras como supridor [da Comgás], nunca tivemos problemas de suprimento. Não acho que devemos nos preocupar. A Petrobras tem diversas fontes”, disse o executivo, durante evento com investidores.
Relembre: A Bolívia reduziu em 30% o envio de gás à Petrobras, para 14 milhões de m³/dia a partir deste mês, depois de se comprometer a exportar 14 milhões de m³/dia para a Argentina — ante o patamar anterior, de 8 milhões a 10 milhões de m³/dia. O acordo foi celebrado em abril e é válido até setembro.
Para os argentinos, recorrer ao gás boliviano foi uma alternativa aos elevados preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. Para a Bolívia, significa uma receita extra, já que os argentinos pagarão mais pela cota adicional. A Bolívia informou que o preço pago pela Argentina pela cota extra de gás atingiu, este mês, os US$ 20 o milhão de BTU — ante os cerca de US$ 7 o milhão de BTU pagos pelo Brasil
Ao comentar sobre a importância do TRSP, ele destacou que o ativo permite à companhia diversificar as fontes de suprimento. A Compass tem acordo com a Total Gas and Power para o potencial suprimento de 10 milhões de m³/dia de GNL, por dez anos.
“O TRSP não é um ativo que precisa ser usado, obrigatoriamente, mas precisa estar disponível para qualquer tipo de eventualidade… Por essas mudanças [como a redução do volume de gás da Bolívia], por essas necessidades, é que precisamos ter acesso a uma fonte de gás confiável, competitiva e flexível, como é a proposta do TRSP”, completou.
Solução para o Subida da Serra
Gomes acredita que a ANP e a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) chegarão a “um bom termo” sobre as divergências em relação à classificação do gasoduto Subida da Serra.
“Desde que houve a divergência, a Arsesp entrou em campo para debater com a ANP, isso continua sendo discutido entre as partes. Acho que as duas agências vão conseguir encontrar um bom termo. Ninguém discute que essa é uma obra necessária para o país. Só precisamos entender como, regulatoriamente, acomodar as divergências de opinião. Mas [os órgãos reguladores] estão engajados em encontrar uma solução”, afirmou o executivo, durante participação em evento promovido pela Cosan com investidores.
Relembre: A ANP classificou o gasoduto da Comgás, controlada pela Compass, como de transporte, e não como de distribuição — o que inviabilizaria os planos da distribuidora de incorporá-lo a sua base de ativos, se efetivado o entendimento da agência. Para a Arsesp, no entanto, a decisão da ANP é ilegal e ignora que o Subida da Serra — também chamado de Reforço Metropolitano — está plenamente circunscrito na área de concessão estadual, sem prejuízos à infraestrutura de transporte sob regulação federal.
A ATGÁS, associação que representa as transportadoras de gás, pede a paralisação das obras do gasoduto. A ANP não acatou a solicitação até o momento, mas decidiu acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar o decreto de João Dória (PSDB), que criou regras locais de classificação de gasodutos, em julho de 2021. As obras do gasoduto seguem normalmente.
Guerra atrasa abertura do mercado
Gomes comentou também sobre as perspectivas de abertura do mercado brasileiro de gás natural, diante dos impactos da guerra na Ucrânia.
Ele conta que houve um atraso na movimentação do mercado livre, no país, relacionado não só a aspectos regulatórios e dificuldades de acesso à infraestrutura, mas principalmente porque, para o consumidor, migrar do ambiente regulado para o livre num momento de alta volatilidade é um movimento mais difícil.
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“O que imaginamos é um mercado abrindo de maneira mais gradativa, talvez mais lenta que imaginávamos no momento pré-guerra”, disse.
Segundo ele, a volatilidade de preços do gás no mercado internacional, em meio ao conflito no Leste Europeu, traz um “desafio maior” para o braço de comercialização de gás natural da Compass.
Gomes acredita, no entanto, que a abertura está na “direção correta”. “Existe gente olhando pra isso [mercado livre]”, comentou, ao se referir sobre o contrato de fornecimento recém-assinado pela Eneva com a Suzano, no Maranhão.