O ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina, afirmou nesta quarta-feira (25/5) que o país busca o “melhor preço para o seu gás natural” e “melhores condições e um mercado melhor”, ao reduzir as exportações ao Brasil e aumentar o fornecimento à Argentina.
As declarações foram dadas por Molina após o presidente Jair Bolsonaro (PL) insinuar, na segunda-feira (23/5), que o acordo entre bolivianos e argentinos se tratava de uma “orquestração”.
Cobrimos por aqui:
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“A Bolívia cortou 30% do nosso gás. para entregar para a Argentina… Como agiu a Petrobras nessa questão também? Parece que é tudo orquestrado. O gás, se quiser comprar de outro local, é cinco vezes mais caro. Quem vai pagar a conta? E quem vai ser o responsável?”, comentou, com apoiadores. “É um negócio que parece, né, orquestrado para exatamente favorecer vocês sabem quem”, completou.
A Argentina, de Alberto Fernández, e a Bolívia, presidida por Luís Arce, ligado ao ex-presidente Evo Morales, têm governos alinhados ao ex-presidente Lula, do PT, principal oponente de Bolsonaro nas eleições deste ano.
“Não se trata de um complô socialista, é uma questão de oportunidade comercial”, disse um executivo boliviano à agência epbr, sob a condição de anonimato.
Relembre: A Bolívia se comprometeu a exportar 14 milhões de m³/dia para a Argentina — ante o patamar anterior, de 8 milhões a 10 milhões de m³/dia. O acordo foi celebrado em abril e é válido pelo período entre maio e setembro. Para os argentinos, recorrer ao gás boliviano foi uma alternativa aos elevados preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. Para a Bolívia, significa uma receita extra, já que os argentinos pagarão mais pela cota adicional. O governo de Luis Arce estima que o contrato significará um ingresso de US$ 100 milhões a mais nos cofres do país, entre maio e setembro. A Bolívia informou que o preço pago pela Argentina pela cota extra de gás atingiu, este mês, um patamar de US$ 20 o milhão de BTU — ante os cerca de US$ 7 o milhão de BTU pagos pelo Brasil.
Bolívia quer renegociar contrato com o Brasil
Molina cobrou, da Petrobras, a revisão dos preços pagos pelo gás boliviano, previstos na revisão contratual de 2020 — assinada durante o governo interino de Jeanine Áñez, após a renúncia de Evo Morales.
“Tentamos de forma escrita e formal solicitar a renegociação do contrato com a Petrobras. Nosso presidente da YPFB [Armin Dorgathen] esteve no Brasil em busca de melhores condições de preço do gás enviado ao Brasil. A resposta não foi a esperada, e nesta situação, focamo-nos no contrato, que possui uma cláusula que estabelece que, caso uma das suas partes não esteja satisfeita com o preço, pode procurar a renegociação.”, disse o ministro, de acordo com a Agência Boliviana de Informação (ABI).
Molina destacou que o contrato vigente prejudica a Bolívia, já que foram acordados preços muito baixos para o gás boliviano. Além disso, o acordo de 2020 transferiu a responsabilidade — da Petrobras para a YPFB — do transporte do gás boliviano até a fronteira. O governo boliviano estima que a modificação do local de entrega gera prejuízos econômicos à YPFB da ordem de US$ 70 milhões por ano.
“O resultado não é favorável para o país e por isso vamos buscar melhores condições para vender nosso gás. A Bolívia precisa encontrar um preço melhor para seu gás natural, melhores condições e um mercado melhor”, disse o ministro.
O lado boliviano
A YPFB entende que não está, como sugere a Petrobras, desrespeitando o contrato.
O que diz a Petrobras: A estatal boliviana YPFB comunicou, em abril, que reduziria, de forma unilateral, o volume enviado ao Brasil em 4 milhões de m³/dia, a partir de maio. A petroleira brasileira esclareceu que, após tomar conhecimento da situação, “deu ciência às instâncias governamentais cabíveis, bem como informou as medidas adotadas para assegurar o fornecimento aos seus clientes”. Desde 1º de agosto, a Petrobras recebeu, em média, cerca de 14 milhões de m³/dia da YPFB. A estatal brasileira informou, ainda, que está “tomando as providências cabíveis visando ao cumprimento do contrato”.
O contrato entre a Petrobras e a YPFB estabelece penalidades para ambas as partes, se desrespeitados os compromissos de retirada e entrega:
- Do lado da Petrobras, existe a cláusula de take-or-pay: a regra estabelece um volume mínimo de gás que deve ser retirado, para não pagamento de penalidades — no caso, de 14 milhões de m³/dia;
- Do lado da YPFB, existe a cláusula de deliver-or-pay: caso o fornecedor não entregue o volume previamente solicitado pelo comprador, paga uma multa proporcional aos volumes não fornecidos.
De acordo com o executivo boliviano consultado pela agência epbr, a YPFB está se valendo de uma cláusula contratual — a de deliver-or-pay — e vai pagar as penalidades da mesma forma como a Petrobras, ao longo da história, retirou volumes abaixo dos limites de take-or-pay em algumas situações, e foi compensada posteriormente com o crédito.
Atualmente, a Petrobras paga pelo gás boliviano cerca de US$ 7 o milhão de BTU. A YPFB alega que o preço não reflete mais o valor do gás natural, hoje, no mercado internacional.
“A Petrobras compra GNL, hoje, acima de US$ 25 o milhão de BTU. Paga US$ 7 o milhão de BTU à Bolívia e vende a US$ 14 o milhão de BTU às distribuidoras. Existe espaço para renegociação dos preços. Como nossa produção está caindo, definimos como estratégia a valorização do gás boliviano nas relações comerciais. O gás, hoje, tem um novo valor. Isso transcende os efeitos da guerra da Ucrânia. O gás passa por uma valorização por causa da transição energética”, comentou a fonte.
Ele cita que, atualmente, existem empresas privadas no Brasil interessadas em comprar o gás boliviano a preços que variam de US$ 15 a US$ 18 por milhão de BTU.
Questionado se a Bolívia tenta, com o novo acordo com a Argentina, pressionar o Brasil a rever os preços, o executivo disse que não se trata de pressão, mas de uma oportunidade de mercado.
“Não queremos brigar com a Petrobras, não faz sentido entrar numa guerra entre fornecedor e cliente. Renegociar os preços não é um capricho da Bolívia, é uma realidade de mercado que se impõe”, completou.