Os veículos pesados, dentre os quais estão os ônibus utilizados no transporte coletivo municipal, contribuem substancialmente para a poluição ambiental, sendo responsáveis por mais de 40% das emissões de óxidos de azoto (NOx) na estrada, mais de 60% das partículas em estrada (PM 2,5) e mais de 20% das emissões de carbono negro, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
Muito embora, os ônibus não sejam o principal poluidor dentre os veículos pesados, a descarbonização da frota do transporte coletivo municipal seria uma inciativa prática e com um impacto imediato, dada a possibilidade de aquisição de novos veículos ou a conversão dos existentes em benefício da população local, reduzindo o uso do diesel, que é um dos combustíveis mais poluentes.
Esse movimento de transição energética diesel-biometano já ocorreu em outros países como a Suécia e França.
Trata-se de uma medida que caminha em paralelo com outras adotadas na Europa em vista de se atender as metas de descarbonização, especialmente, da ONU e da União Europeia.
Na Suécia, o biometano é utilizado há mais de uma década em ônibus municipais, especialmente em Estocolmo e Linköping, onde o combustível é produzido a partir de resíduos urbanos e agrícolas.
O modelo sueco é considerado disruptivo, pois combina políticas de resíduos sólidos à mobilidade sustentável, garantindo contratos de longo prazo entre municípios, operadores de transporte e produtores de biogás.
Na França, a empresa que opera os transportes em Paris implementou um programa robusto de conversão de garagens e aquisição de ônibus movidos a biometano, como parte do objetivo de eliminar progressivamente o diesel da frota municipal até 2029.
O biometano francês é majoritariamente injetado na rede de gás natural e direcionado ao transporte coletivo por meio de contratos dedicados, fortalecendo tanto a descarbonização, quanto a segurança energética.
Esses exemplos demonstram que a transição energética diesel–biometano em ônibus municipais depende de três pilares: (i) incentivos regulatórios e fiscais claros, (ii) investimentos em infraestrutura de abastecimento adaptada às garagens e (iii) contratos de longo prazo que deem previsibilidade econômica aos operadores de transporte.
Dada a relevância que esta questão tem, no Brasil o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano (PNB), criado pela Lei do Combustível do Futuro, estabeleceu como objetivos:
- o incentivo à fabricação, comercialização, aquisição e utilização de veículos pesados e máquinas agrícolas e de outros veículos movidos a metano,
- a conversão de veículos movidos a outros combustíveis para metano, e
- a substituição de motor a diesel usado em veículo por motor novo movido a metano homologado pelos órgãos certificadores.
Em linha com essa provisão, o regulamento da Lei do Combustível do Futuro (Decreto 12.614/2025) fixou que fossem estabelecidos incentivos para a implantação de infraestruturas necessárias à utilização do biometano no transporte pesado de cargas e transporte urbano ou interestadual de passageiros.
De forma pioneira, o Município de São Paulo instituiu, por meio do Decreto 64.519/2025, o Programa BioSP, que está voltado à incorporação de frota movida a biometano na operação do serviço de transporte coletivo público por ônibus, integrante do Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros do Município de São Paulo.
Essa iniciativa de São Paulo é um primeiro passo que poderá deflagrar uma série de legislações municipais no mesmo sentido, o que aumentaria o uso do biometano, sobretudo, em ônibus utilizados por passageiros no dia a dia das cidades brasileiras.
Em razão do exposto, é oportuno refletir sobre os principais elementos que deveriam ser considerados na elaboração de políticas municipais para uso de biometano.
Aspectos Ambientais
A implementação do biometano no transporte coletivo urbano municipal deve estar alinhada às metas municipais de descarbonização e sustentabilidade, que orientam o planejamento urbano e definem prazos, metas e indicadores de desempenho ambiental.
Essa vinculação é essencial para assegurar o monitoramento contínuo e a eficácia do programa, evitando a desmobilização da política pública e o uso ineficiente de recursos públicos.
Por sua vez, a meta de descarbonização deve considerar a compatibilização entre a demanda por biometano e o seu potencial de oferta local, uma vez que o volume disponível desse energético determinará o dimensionamento viável da frota.
Nesse contexto, é necessário também considerar o uso do gás natural — combustível de transição energética — para complementar o abastecimento dos veículos.
Aspectos Técnicos
É relevante estabelecer requisitos técnico-operacionais para os veículos que integrarão o programa. O município deve definir se optará pela conversão da frota existente para o uso de biometano e/ou pela aquisição de novos modelos já adaptados ao combustível.
A adoção do biometano também pressupõe a disponibilização de infraestrutura de abastecimento compatível.
Como ressaltado anteriormente, em Paris, as garagens de ônibus foram adaptadas para funcionar como bases de reabastecimento, solução essa que poderia ser replicada ou ajustada aos municípios brasileiros.
Aspectos Financeiros
No âmbito financeiro, o Município deve avaliar a viabilidade econômica do projeto e as fontes de financiamento disponíveis, incluindo subsídios e linhas de crédito específicas para projetos de descarbonização, como o Fundo Clima do BNDES, destinadas à conversão ou aquisição de ônibus e à adequação da infraestrutura de abastecimento.
Além do acesso ao Fundo Clima, vale lembrar que o Paten (Programa de Aceleração da Transição Energética), instituído pela lei 15.103/2025, oferece outros incentivos aplicáveis à aquisição de veículos movidos a biometano, à conversão de motores e à implantação de infraestrutura de abastecimento.
Nesse sentido, destacam-se: (i) o uso do Fundo Verde, que tem por finalidade garantir o risco dos financiamentos concedidos por instituições financeiras, e (ii) a utilização de créditos tributários ou precatórios como instrumento de financiamento.
Também é importante considerar a análise de incentivos fiscais aplicáveis, especialmente quando há elevado custo de investimento inicial. Tais instrumentos favorecem a atração de parceiros e investidores comprometidos com a transição energética.
Aspectos para Implantação
Após a estruturação técnica e financeira, poderá ser necessário formalizar aditivos aos contratos de concessão de transporte público, de modo a incluir as obrigações relativas ao uso do biometano, observando-se as cláusulas de reequilíbrio econômico-financeiro, compartilhamento de riscos regulatórios e obrigações de investimento.
Ademais, a depender do escopo do projeto, o município poderá celebrar parcerias institucionais com a ANP, voltadas à regulação e autorização dos pontos de abastecimento em garagens.
Oportunidades e desafios
A incorporação do biometano na frota de ônibus municipais representa não apenas um ganho ambiental, mas uma medida concreta com benefícios diretos para a sociedade, que poderá usufruir da substituição do diesel por uma alternativa limpa e sustentável.
Essa transição contribui significativamente para o bem-estar urbano, ao promover a melhoria da qualidade do ar nas cidades brasileiras e reduzir as emissões de poluentes locais.
Além disso, o custo operacional dos ônibus movidos a biometano tende a ser inferior ao daqueles que utilizam diesel, reforçando o caráter econômico e ambientalmente vantajoso dessa solução.
Entretanto, a adoção ampla dessa tecnologia ainda depende da superação de desafios importantes, como o investimento em infraestrutura de abastecimento, a garantia de oferta estável de biometano e o estabelecimento de políticas públicas que incentivem financeiramente sua implementação.
Enfrentar esses obstáculos é essencial para consolidar o biometano como vetor estratégico da transição energética no transporte coletivo urbano brasileiro.
Paulo Campos Fernandes e João Pedro Riff Goulart são advogados do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.