RIO – Ao renegociar os termos de contrato de exportação de gás natural à Petrobras, a boliviana YPFB garante, na prática, uma segurança maior para continuar a vender seu gás à Argentina durante o inverno. Mas não somente. A Bolívia também tem planos de explorar oportunidades no mercado brasileiro, onde deu, este ano, passos importantes para diversificar a sua carteira de clientes.
Em resumo, o novo aditivo contratual assinado entre a Petrobras e YPFB reduz a exposição do país vizinho às penalidades pela redução do envio de gás à estatal brasileira em 2022.
Ao mesmo tempo, o acordo repactua os prazos para que a petroleira brasileira retire os volumes contratados a longo prazo. A Petrobras terá até 2025, e não mais 2024, para importar os volumes previstos em contrato, segundo um executivo boliviano à epbr, sob a condição de anonimato.
“[O acordo] vai no sentido de gerar certeza quanto aos volumes comprometidos de fornecimento de gás da Bolívia ao mercado brasileiro até a finalização do contrato. E nos permite minimizar ou praticamente eliminar a possibilidade de multas por falhas de suprimento em 2022, que eram muitos prováveis que teríamos”, reconheceu o gerente de contratos de exportação de gás da YPFB, Oscar Claros, em entrevista ao canal La Razón.
A fórmula do preço pago pela estatal brasileira, pelos volumes firmes previstos em contrato, não muda, segundo fontes. Mas os bolivianos esperam uma valorização do seu gás no mercado, ao deslocar parte dos volumes antes comprometidos com a Petrobras para outros clientes, a preços mais vantajosos. Melhoram, assim, o preço médio ponderado do gás exportado.
O contrato entre a Petrobras e a YPFB prevê um volume máximo contratado de 20 milhões de m³/dia e estabelece penalidades para ambas as partes, se desrespeitados os compromissos de retirada e entrega:
- Do lado da Petrobras, existe a cláusula de take-or-pay: a regra estabelece um volume mínimo de gás que deve ser retirado, para não pagamento de penalidades — no caso, de 14 milhões de m³/dia;
- Do lado da YPFB, existe a cláusula de deliver-or-pay: caso o fornecedor não entregue o volume previamente solicitado pelo comprador, paga uma multa proporcional aos volumes não fornecidos.
A renegociação prevê uma flexibilidade maior na entrega do gás boliviano durante o inverno – período em que a YPFB se comprometeu, este ano, a aumentar as exportações à Argentina, a preços melhores.
Ainda não está claro se a flexibilização vale também para 2023 e 2024. Procurada para esclarecer a questão, a Petrobras preferiu não comentar por razões de confidencialidade.
Como a Bolívia tem limitações na sua oferta, o país não consegue atender ao aumento da demanda argentina e, ao mesmo tempo, manter o envio de gás ao Brasil nos mesmos níveis.
O acordo com a Petrobras, portanto, reconhece em certa medida um pleito dos bolivianos para que o país possa aproveitar oportunidades mais vantajosas no mercado durante alguns meses do ano. E dá, assim, uma segurança jurídica para que os bolivianos continuem a vender mais gás para a Argentina, como vinham fazendo nos últimos meses, sem os riscos relacionados às penalidades envolvidas.
O que dizem as autoridades:
YPFB: O acordo com a Petrobras “permite uma melhor adequação dos volumes comprometidos com o mercado brasileiro na atual gestão, de forma a minimizar a possível exposição a multas por falhas de fornecimento”.
Petrobras: o volume contratado máximo de 20 milhões de m³/dia segue o mesmo, mas haverá uma “flexibilização de entrega e recebimento de acordo com a sazonalidade e a disponibilidade da oferta, garantindo assim um fornecimento em equilíbrio contratual para as empresas”.
Ao renegociar uma flexibilidade maior nos compromissos com a estatal brasileira, a YPFB poderá deslocar volumes estimados em cerca de 4 milhões de m³/dia para outros clientes, a preços melhores. Nada muito diferente, na prática, dos volumes que vinham sendo entregues pela Bolívia à Petrobras nos últimos meses.
E não é só a Argentina que está no radar. Os bolivianos miram também a abertura do mercado brasileiro – ainda que não esteja claro o quanto desse gás estará disponível para os novos players do Brasil, dada a alta demanda argentina neste momento.
Além dos novos agentes do mercado, a própria Petrobras poderá negociar, eventualmente, a importação de volumes interruptíveis por preços maiores que o previsto no contrato firme.
YPFB tem novos clientes no Brasil
“O acordo basicamente reduz a velocidade em que a Petrobras vai retirar os volumes de gás contratado. Flexibiliza a quantidade máxima durante o inverno e libera a Bolívia para vender uma parcela desse gás para outros mercados, a preços mais vantajosos. Já a Petrobras ganha mais tempo [até 2025] contando com o gás firme da Bolívia, nesse momento de tantas incertezas no mercado internacional”, avalia a fonte boliviana.
A YPFB vem se reposicionando no mercado brasileiro, expandindo a sua carteira de clientes no país – historicamente composta, quase que exclusivamente, pela Petrobras.
Este ano, a estatal boliviana assinou dois novos contratos de venda no mercado brasileiro, com as comercializadoras Tradener e CDGN.
Nesta cobertura:
- CDGN vai importar gás da Bolívia para vender no mercado livre no Brasil
- Tradener conclui teste para importação de gás da Bolívia e mira, agora, o mercado livre
Os acordos somam um volume contratado de 6,2 milhões de m³/dia na modalidade interruptível – que prevê a interrupção ou reativação dos envios diante da disponibilidade de molécula por parte do supridor. Esse tipo de instrumento contratual atende principalmente clientes com flexibilidade de demanda.
Além disso, a TotalEnergies Brasil e a Compass também buscam se aproximar da Bolívia. As duas companhias assinaram, em maio, um acordo de intenções com a YPFB, para estudar uma aliança para comercialização do gás importado da Bolívia no mercado brasileiro.
Bolívia estima receitas extras de até US$ 250 milhões
Segundo o executivo, a Petrobras paga entre US$ 7 e US$ 8 o milhão de BTU pelo gás firme da Bolívia, mas há na Argentina e no Brasil clientes dispostos a pagar até mais que o dobro disso.
É por isso que os bolivianos acreditam que conseguirão aumentar as receitas com as exportações, a partir da renegociação do acordo com a estatal brasileira.
“Estamos em busca de novas oportunidades. Hoje temos um mercado livre no Brasil, com a nova lei do gás, que permite à Bolívia comercializar gás natural, vender livremente para clientes estatais e privados, e chegar a 2025 com vários mercados com melhores preços”, comentou o presidente da YPFB, Armin Dorgathem, em nota sobre a revisão do acordo com a Petrobras.
O contrato assinado no “governo golpista”
Os bolivianos se queixavam das condições comerciais da última revisão contratual entre a Bolívia e o Brasil, o chamado oitavo aditivo, assinado em 2020.
Na ocasião, a YPFB assumiu custos com o transporte do gás até a entrega ao mercado brasileiro – o que, segundo a estatal do país vizinho, já gerou perdas de US$ 120 milhões para a estatal boliviana.
“Após um ano e meio de negociações [com a Petrobras], conseguimos recuperar o valor do transporte, que chegaria a mais US$ 170 milhões até 2025 [se não houvesse a renegociação contratual]”, explicou o presidente da YPFB, Armin Dorgathen Tapia, em nota emitida pelos canais oficiais do governo boliviano.
O atual governo boliviano, presidido por Luis Arce, entende que o acordo foi celebrado em prejuízo aos interesses nacionais pelo “governo golpista” de Jeanine Añez – que assumiu o país em 2020, após a derrubada de Evo Morales.
Para recordar e aprofundar:
- Bolsonaro põe em xeque papel da Petrobras, após corte de gás da Bolívia
- Preço do gás para Petrobras foi fechado por “governo golpista”, diz ministro boliviano
- Bolívia não vê “complô socialista” em corte de gás natural ao Brasil
- Brasil tem poder de negociação com Bolívia pelo gás, diz ex-ministro
Acordo com Argentina pressionou Brasil
A YPFB vinha tentando, desde o ano passado, renegociar as condições do acordo com o Brasil.
As conversas avançaram nos últimos meses, depois que a Bolívia anunciou um novo acordo para aumento das exportações à Argentina – e, consequentemente, reduziu os envios ao mercado brasileiro.
Desde a assinatura do acordo com a Argentina, para exportações de volumes extras àquele país, a entrada de gás boliviano no Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) tem se limitado a uma média mensal de 14 milhões a 15 milhões de m³/dia desde maio – ante o patamar máximo contratual de 20 milhões de m³/dia. Os dados são da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).