Ganhos com entrada de novo combustível de aviação esbarram em gargalos do mercado brasileiro

“Cerca de 85% do combustível disponível mundial para importação é JET-A. Vai muito além dos dois, três centavos de dólar por galão", defende Ronei Saggioro

Ganhos com entrada de novo combustível de aviação esbarram em gargalos do mercado brasileiro
Secretário Nacional de Aviação Civil (SAC), Ronei Saggioro Glanzmann: governo busca alternativas para elevar competição no mercado de jet fuel (Tânia Rêgo, Agência Brasil)

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BRASÍLIA – Uma das principais apostas do governo no curto prazo para reduzir o preço do querosene de aviação (QAV) é a regulamentação do JET-A, um tipo diferente de combustível do que é utilizado hoje pelo segmento de aviação brasileira.

A regulamentação do uso do combustível no país está na pauta da agenda regulatória da ANP, com a revisão da resolução 778 da agência, e tem apoio do Ministério da Infraestrutura e do Ministério de Minas e Energia (MME) como forma de estimular a competitividade no setor.

O JET-A é apenas alguns centavos de dólar mais barato, um preço cerca de 1% mais baixo do que o JET-A1 no mercado internacional, equivalente ao querosene de aviação (QAV-1) entregue pelas refinarias da Petrobras.

A aposta do governo é que a abertura do mercado para importação, pelos benefícios na ampliação do leque de supridores e da marcação atual dos preços do combustível, possa trazer ganhos para o setor.

“Fizemos um mapeamento do mercado inteiro. Somos um país tropical, quente, e nunca tivemos problema de congelamento de combustível na história. Hoje a rota de importação é pouca em abundância e geralmente em países frios. Se eu quiser trazer uma carga, por exemplo, do Golfo do México, não é fácil arrumar, teria que encomendar”, explica o secretário de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Saggioro.

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Mercado apoia abertura

A única rota em que seria imprescindível utilizar o QAV-1 são os voos da FAB para a expedição na Antártida, já que a diferença entre os combustíveis é o ponto de congelamento.

“Cerca de 85% do combustível disponível mundial para importação é JET-A. Por isso a importância dessa discussão do JET-A, vai muito além dos dois, três centavos de dólar por galão”, explicou.

A proposta é bem aceita entre grandes distribuidoras concorrentes da BR Distribuidora, o antigo braço da Petrobras na distribuição, como forma de tentar driblar o mercado ainda monopolista da estatal no refino do QAV.

O que querem as empresas?

  • O setor de aviação, BR Distribuidora, Raízen e Petrobras esperam que a regulamentação da ANP não faça distinção entre o JET-A e o JET-A1, dando flexibilidade para a especificação acompanhar os padrões internacionais e para manter o suprimento aberto. A preocupação é o custo: a coexistência dos combustíveis poderia demandar, por exemplo, infraestrutura exclusiva para cada variação.

Saggioro admite, contudo, que o ganho com a possível redução no preço para as companhias áreas com o JET-A ainda deve esbarrar em problemas maiores: a cadeia de importação, refino e distribuição do QAV no Brasil.

“É um problema multifacetado. Temos que atacar várias frentes, desde a tributação até a viabilização de rotas de importação e distribuição. É tudo uma agenda e combustível é algo que nunca vai acontecer num estalar de dedos, é devagar”, disse.

O secretário avalia que o maior problema na estrutura de mercado é o da distribuição do combustível com impactos na ponta, afetando diretamente o custo das empresas aéreas.

São barreiras, por exemplo, a política da Petrobras em não garantir acesso às refinarias por caminhões-tanques, mas apenas a partir de dutos, que dificultam a entrada de novos players e uma maior competitividade do setor, de acordo com Saggioro.

A medida é justificada pela Petrobras pela necessidade de garantir a qualidade do produto que chega aos aeroportos.

“As empresas low-cost que a gente tanto tenta atrair para o Brasil foram pra onde na última década? Vieram para América Latina e foram pro México, Colômbia, Chile, Equador e Argentina. A principal alegação? Combustível caro”.

Estrutura do mercado de QAV

  • Tanto a produção, como a demanda, está em boa parte, no Sudeste, nos aeroportos do Galeão (RJ) e Guarulhos (SP), interligados por dutos às refinarias da Petrobras;
  • Demanda do Norte e Nordeste é atendida por cabotagem e importações;
  • Acesso às refinarias, às bases nos aeroportos e à infraestrutura de importação são os principais gargalos do mercado;

O preço do combustível foi responsável por 32% dos custos das empresas do setor em 2018 e, com a recuperação do valor do barril, custa a mesma coisa que no período pré-pandemia, de acordo com o indexador da Platts.

Segundo dados da ANP anteriores à pandemia, 14% do QAV em 2019 foi importado. Mas, no passado, mexer na formação de preços da companhia significava desencadear uma crise com o mercado financeiro.

“Os mercados grandes, como China e Europa, geralmente são grandes porque têm essas coisas resolvidas internamente. E o Brasil é resiliente, certo? Porque mesmo tendo esse combustível caro a gente processa 120 milhões de passageiros por ano, em um ano normal fora da pandemia”, complementa o secretário.

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Oneração de aéreas surge em reforma do IR

Outra frente que pode ser mais demorada do que o esperado para impactar os preços é a questão tributária.

Mesmo que tenha efeito mais rápido do que os reflexos de longo prazo nas mudanças regulatórias do setor, a pandemia e a discussão pela reforma do sistema tributário no Brasil contribui para deixar mais longe uma solução que consiga puxar para baixo o componente do preço com a reforma dos impostos.

Os estados vêm competindo com isenções e reduções no ICMS — movimento oposto ao do diesel e da gasolina — para atrair maior número de voos.

As medidas se tornaram mais comuns durante a pandemia e pelo menos nove estados adotaram incentivos fiscais como forma de compensar as perdas com a queda na demanda das aéreas.

No âmbito federal, o Ministério da Infraestrutura vem trabalhando desde 2020 junto à Economia para tentar isentar o PIS e Cofins das operações.

Atualmente, os impostos já têm 75% de subsídio, mas as pastas de Infraestrutura e Turismo apoiam a isenção total que custaria cerca de R$ 250 milhões ao ano e teria impacto em reduzir sete centavos por litro do combustível.

“Nós formalizamos a nossa proposta à Economia, que avalia como compensar o impacto orçamentário”, disse o secretário.

Dentro da reforma tributária, o governo espera que seja possível discutir, por exemplo, a unificação de tributos estaduais para combustíveis, incluindo também o QAV, como consta no projeto original do ministro Paulo Guedes para criação da CBS.

Com o fatiamento da reforma, contudo, o risco para empresas aéreas é de aumento da carga tributária.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) e um grupo de dez entidades do setor, o fim da isenção de PIS/Cofins e do imposto de importação para peças e partes de aeronaves, que entrou em uma das versões do PL 2337/21, pode onerar o setor em R$ 5 bilhões por ano.

As Comissões de Turismo (CTur) e de Viação e Transporte (CVT) apoiaram publicamente o manifesto contrário ao PL – sem consenso, o projeto movimenta a Câmara dos Deputados nesta semana.

O setor de petróleo e gás, representado pelo IBP, também se manifestou contra a proposta de reforma do IR, nesta terça (17).

Ao atender momentaneamente algumas demandas, o governo deu preferência para isenções em outros combustíveis, como diesel e GLP, pagando muito mais caro.

Para desonerar dois meses dos impostos federais no diesel e de forma permanente no GLP, o governo teve que compensar R$3,76 bilhões apenas em 2021, solução que não conseguiu frear a escalada dos preços este ano.

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