Energia

Fornecedores de O&G vão propor nova estratégia de conteúdo local ao Congresso Nacional

Abespetro defende retomada de debate sobre bonificação de conteúdo local e mudança em regras de P&D para estimular a industrialização

Fornecedores de óleo e gás (O&G) vão propor projeto com nova estratégia de conteúdo local ao Congresso Nacional. Na imagem: Dois trabalhadores serram vigas de ferro (com macacão azul, capacete amarelo, luvas e óculos de proteção), em canteiro de obra no Estaleiro Rio Grande, da Ecovix; ao fundo, grande estrutura metálica em construção (Foto: Stéferson Faria/Agência Petrobras)
Obra no Estaleiro Rio Grande, da Ecovix (Foto: Stéferson Faria/Agência Petrobras)

RIO – A Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro) vai propor um projeto de lei com a criação de uma bonificação de conteúdo local para empresas que contratarem no Brasil bens e serviços destinados a projetos no exterior. Também vai propor mais flexibilidade na aplicação dos investimentos obrigatórios em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I).

O projeto vai prever ainda a criação de mecanismos de acompanhamento e avaliação de desempenho da indústria local.

São pleitos da cadeia produtiva nacional há anos. As alterações podem ajudar os fornecedores a acumular competências tecnológicas e estimular a industrialização, defende o presidente-executivo da associação, Telmo Ghiorzi.

“Nós temos de virar um país industrializado, vendedor de bens e serviços de alta complexidade tecnológica, não apenas na commodities. Isso dura pra sempre. Esse é o desafio”, diz.

A proposta prevê um “prêmio” de conteúdo local para as petroleiras que comprarem no Brasil bens e serviços para projetos em outros países.

Essa bonificação poderia dar vantagens em outras atividades da empresa no Brasil, como, por exemplo, ser contabilizada no bônus oferecido em leilões para arrematar novas áreas ou ajudar a compensar o não cumprimento dos percentuais mínimos de contratação local em um projeto.

“Em vez de apenas e tão somente punição, vamos acrescentar bonificação para quem fizer mais conteúdo local, como os outros países fazem”, diz Ghiorzi.

A expectativa é que o projeto de lei estabeleça diretrizes para esse programa. As definições sobre as regras, no entanto, seguiriam a cargo do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

“Esse é um setor em que a maturidade nos investimentos demora dez, vinte anos, isso não pode ficar mudando a cada governo. Tem que ser uma política de Estado, essa é a vantagem de estar na lei”, afirma.

Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

No caso das regras de P,D&I, a associação defende o fim das restrições do porte de empresas que podem se credenciar para receber os recursos.

Propõe ainda que as petroleiras tenham flexibilidade para escolher destinar os valores segundo as regras vigentes para áreas leiloadas a partir de 2017, mesmo em campos oriundos de rodadas anteriores.

Empresas que operam campos de petróleo e gás natural de grande volume de produção, que pagam participações especiais, precisam investir 1% da receita bruta dessas áreas em PD&I. Os recursos são definidos pela ANP, com base em um preço de referência do petróleo que considera as cotações internacionais.

Apenas em 2023 foram gerados R$ 3,9 bilhões em investimentos obrigatórios em P,D&I, de acordo com os dados públicos da agência. No primeiro trimestre de 2024, a cláusula gerou a obrigação de R$ 986,5 milhões em novos investimentos.

Até 2005, qualquer centro de pesquisa poderia se credenciar na agência para receber esses recursos, desde que cumprisse as regras. Isso estimulou as empresas da cadeia produtiva a montarem os próprios centros de pesquisa no Brasil.

Em dezembro de 2012, as regras foram alteradas para priorizar a destinação dos valores a universidades públicas. Posteriormente, universidades particulares sem fins lucrativos ou que tivessem cursos de pós-graduação passaram a ser contempladas pelas normas.

Segundo Ghiorzi, isso gerou restrições e desestimulou a interação entre a universidade e a indústria. Além disso, levou muitas fornecedoras a desmobilizar os centros de pesquisa que haviam estabelecido no país.

Um levantamento da associação mostrou que entre 2017 e 2022 apenas 4,7% dos valores investidos em P,D&I foram destinados a projetos que envolveram de forma conjunta a universidade, a petroleira e a cadeia produtiva.

“Essa regra provocou como o principal efeito negativo o isolamento dos atores, em vez da integração”, diz.

Uma nova alteração ocorreu a partir das áreas concedidas na 14ª rodada, em 2017, quando passaram a ser definidos percentuais específicos dos recursos que devem ser destinados para a cadeia produtiva, universidades e empresas.

Entretanto, as normas vigentes até 2017 valem para a maior parte dos campos em produção hoje.

Por isso, a Abespetro defende que as empresas possam ter flexibilidade de usar as regras vigentes a partir da 14ª rodada para áreas leiloadas em certames anteriores.

“A história da inovação no mundo resulta da interação entre universidade e indústria”, afirma.

Ghiorzi argumenta ainda que existem questões tecnológicas que surgem na indústria e que poderiam contar com a colaboração das universidades para serem respondidas.

“Inovação, no sentido de progresso econômico, ocorre por causa da interação entre atores de diferentes tipos”, argumenta.

O executivo acredita que a proposta de um projeto de lei com essas mudanças pode ajudar a levantar discussões que são importantes para o país, mas que hoje estão esvaziadas.

“A gente está tentando ter essas discussões com a ANP pelo menos há 10 anos e o resultado é absolutamente infrutífero. Então, a gente acha que tem de mudar a lei”, diz.

“Se nós levarmos ao Congresso, no mínimo, a gente vai levantar um tapete e provocar alguma alguma efervescência, um debate imperativo”, acrescenta.

Na visão de Ghiorzi, o desenvolvimento da indústria fornecedora vai ajudar o Brasil a se posicionar melhor para a transição energética, mesmo se o país escolher não explorar novos recursos fósseis.

“Se o país for industrializado e exportador de bens e serviços de alta sofisticação tecnológica, talvez a gente compense a necessidade de importar petróleo daqui a dez anos, porque teremos uma indústria melhor que a atual”, diz.

Desenvolvimento da indústria

O tema está no centro do debate público em meio às discussões sobre a exploração de novas fronteiras, como a Margem Equatorial.

Fornecedores instalados no Brasil têm interesse em oferecer bens e serviços para países vizinhos, como Guiana, Suriname e Argentina.

Segundo a empresa de pesquisa em energia e inteligência de negócios Rystad Energy, requisitos anteriores de conteúdo local renderam alguns frutos para o Brasil no segmento submarino.

O desenvolvimento de projetos de águas profundas na Guiana fez com que o Brasil desempenhasse um papel fundamental na exportação de linhas de escoamento, conforme demonstrado por estudo da Rystad Energy sobre conteúdo local. De acordo com a consultoria, “as exportações tendem a aumentar junto com o crescimento da produção da Guiana”.

Para o presidente-executivo da Abespetro, o Brasil precisa discutir maneiras de manter uma cadeia produtiva poderosa, o que não tem sido contemplado nos programas lançados até o momento pelo governo Lula, como o Nova Indústria Brasil.

“Em vez de a cadeia produtiva existir para aumentar a produção de petróleo, talvez deva ser o contrário. A produção de petróleo pode existir para aumentar a industrialização do país. Essa inversão precisa ser, no mínimo, discutida”, diz.

“Vamos repetir o que fazemos desde 22 de abril de 1500, explorar recursos naturais e só, ou vamos industrializar o país?”, questiona.