O diretor do maior fundo global para ações ambientais defende que comunidades tradicionais e povos indígenas tenham acesso direto ao financiamento climático e da biodiversidade.
Carlos Manuel Rodríguez, CEO do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), cobrou um “novo paradigma” financeiro em uma assembleia da entidade com representantes de 185 países doadores em Vancouver, no Canadá. O encontro, que ocorre entre 22 e 26 de agosto, também reúne empresários, investidores e organizações da sociedade civil.
O aumento do financiamento internacional para a proteção ambiental é o foco da Assembleia do GEF, que até esta sétima edição já garantiu mais de US$ 23 bilhões aos países em desenvolvimento desde o seu lançamento, em 1992.
Para Rodríguez, no entanto, não se trata apenas de arrecadar mais. Na abertura do evento, ele disse que os países também devem reconsiderar o modelo de alocação dos recursos, de forma a priorizar aqueles que já protejam o meio ambiente.
Atualmente, menos de 1% da ajuda internacional para lidar com as mudanças climáticas vai diretamente para comunidades tradicionais e povos indígenas – ou para projetos que assegurem a posse de suas terras e a gestão florestal. Apesar disso, estudos reforçam o importante papel desses grupos para a proteção ambiental eficaz e justa.
O apoio financeiro do GEF é disponibilizado aos países em desenvolvimento por meio de agências governamentais, empresas e instituições de pesquisa. Conforme Rodríguez, a expectativa é que a porcentagem destinada diretamente às iniciativas da sociedade civil – que além de comunidades, inclui organizações ambientais de base – passe dos atuais 1% para 10% até 2030.
O mecanismo de financiamento direto vem principalmente de um programa para projetos de pequena escala: em mais de 30 anos, a estratégia forneceu US$ 725 milhões para mais de 26 mil projetos do tipo no mundo todo.
No Equador, por exemplo, o GEF financiou iniciativas de conservação promovidas por comunidades tradicionais e povos indígenas, além de projetos para desenvolver atividades econômicas que aproveitem a biodiversidade local de forma sustentável.
Darío Mejía Montalvo, presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, disse em uma sessão em Vancouver que o financiamento para a proteção ambiental tende a ir para organizações que até atendem aos requisitos legais e financeiros, mas não estão familiarizadas com os locais onde o trabalho é feito. Isso, acrescentou, faz com que o financiamento não chegue às comunidades indígenas.
“Precisamos que as comunidades indígenas desenvolvam suas próprias capacidades para serem independentes do sistema financeiro – amplamente baseado no individualismo, na competição e na especulação”, disse Mejía Montalvo.
Ele acrescentou que, se a abordagem atual de financiamento para essas comunidades não for reavaliada, mantém-se uma dependência dos mecanismos “baseados em regras de mercado”. Isso, por sua vez, acaba impondo “mudanças nos sistemas de valores das comunidades indígenas”.
Abordagem alternativa
As comunidades indígenas e tradicionais atualmente ocupam, controlam ou fazem a gestão de metade da área terrestre do planeta. Além disso, estima-se que os povos indígenas protejam 80% da biodiversidade do mundo, apesar de constituírem apenas 6% da população global.
Apesar de seu papel como protetoras do planeta, essas comunidades enfrentam diversos desafios: surtos de doenças, violações aos direitos humanos, violência, expulsões forçadas de suas terras e limitações financeiras.
Na cúpula climática COP26 da ONU em 2021, os líderes mundiais prometeram US$ 1,7 bilhão para apoiar povos indígenas e comunidades tradicionais na proteção ambiental e para cumprir as metas globais de preservação florestal até 2030. Mas para garantir que esse financiamento chegue aos destinatários, é preciso ultrapassar as velhas práticas dos mecanismos de financiamento.
Uma pesquisa da Rainforest Foundation Norway constatou que, dos US$ 2,7 bilhões prometidos para garantir a posse e o manejo florestal de povos tradicionais entre 2011 e 2020, apenas 17% foram destinados a projetos realmente comandados por essas comunidades.
O estudo constatou que mais da metade desse financiamento passou primeiro por cinco organizações: o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Programa de Desenvolvimento da ONU. A outra metade foi arrecadada e redistribuída por agências da ONU, organizações socioambientais e empresas de consultoria.
O uso de intermediários geralmente faz com que o financiamento não chegue às comunidades que precisam dele. Por isso, muitas organizações indígenas e comunitárias estão criando seus próprios mecanismos de financiamento: um exemplo disso é a Shandia, plataforma financeira criada pela Aliança Global de Comunidades Territoriais, que espera arrecadar e distribuir diretamente US$ 300 milhões na próxima década.
Na América Latina, a Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas, plataforma de organizações indígenas do México e da América Central, passou vários anos desenvolvendo um mecanismo de financiamento direto.
A aliança agora trabalha para capitalizar o fundo, visando arrecadar US$ 50 milhões nos próximos cinco anos. A aliança pretende financiar 50 projetos comunitários de pequena escala e outros dez maiores – ao todo, eles beneficiarão aproximadamente cinco milhões de pessoas na região.
Os fundos passam por muitos intermediários e organizações; são muito fragmentados, destacou María Pia Hernández, diretora do Fundo Territorial Mesoamericano, em um evento paralelo à Assembleia do GEF.
“O problema não é apenas a quantidade de dinheiro que realmente chega às comunidades, mas também a falta de participação delas como beneficiárias finais.”
As comunidades indígenas e tradicionais ainda enfrentam muitas barreiras burocráticas em seus próprios países, já que as exigências legais em muitos casos são complexas e restringem a liberação de financiamento internacional. Em diversos casos, as comunidades sequer têm status legal para receber e gerir grandes fundos, e muitas vivem em áreas remotas, sem acesso a bancos.
Para aprofundar:
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No evento, Hernández cobrou maior governança das organizações comunitárias, reconhecendo que muitas delas têm dificuldades de administrar grandes fundos e de atender às exigências dos doadores. Ela acrescentou que esses grupos precisam de treinamento e apoio e não deveriam enfrentar os mesmos requisitos de organizações maiores.
Enquanto isso, observadores aguardam o principal lançamento da Assembleia do GEF: o início do Fundo Global para a Biodiversidade, um projeto que havia sido proposto na cúpula da biodiversidade COP15, realizada em dezembro do ano passado, em Montreal.
Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network, que faz parte da organização Internews.
Por Fermín Koop, editor-chefe do Diálogo Chino, com base em Buenos Aires. Twitter: @ferminkoop