RIO – A qualidade do petróleo brasileiro, assim como a baixa intensidade de emissões de carbono na produção, tornam o país um candidato favorável a permanecer como um fornecedor relevante para o mercado global no contexto da transição energética, diz o presidente da S&P Global Commodity Insights, Saugata Saha.
Em visita ao Brasil esta semana, o executivo aponta que os países capazes de produzir petróleo com menos emissões vão ter vantagens no mercado global no futuro.
A “última gota” virou um jargão da indústria: em cenários de redução no volume total de petróleo consumido globalmente, países e multinacionais do petróleo se posicionam para ocupar esse espaço.
“Em geral, o mercado global de petróleo vai continuar a crescer e vai ser necessária mais produção para atender à demanda”.
É o caso do Brasil
Em meio às discussões sobre a abertura da fronteira exploratória na Bacia da Foz do Amazonas, projeto encabeçado hoje pela Petrobras, a políticos brasileiros, dentro e fora do governo Lula, reforçaram a visão que o país deve continuar investindo em produzir mais óleo.
“No passado, o mercado de petróleo levava mais em consideração o custo da produção e os aspectos químicos do produto, por exemplo, se o óleo era leve ou pesado”, explica Saha.
“O novo fator que está entrando nessas discussões é a intensidade de carbono da produção. Isso é um grande diferencial”.
Para o executivo, inclusive, esse é um dos aspectos que limita a capacidade da Venezuela de voltar a contribuir de forma mais significativa com o mercado global no longo prazo, mesmo depois do alívio das sanções dos Estados Unidos ao país.
Ele vai participar ao final deste mês da 28ª Conferência das Partes (COP28), nos Emirados Árabes Unidos, e destaca que alguns dos temas mais relevantes para o setor de petróleo serão o tema do uso de combustíveis fósseis com abatimento de emissões e os mercados de carbono.
Saha, que cresceu na Índia e hoje comanda uma das maiores consultorias de energia do mundo, destaca ainda que as recentes crises geopolíticas, como a guerra na Ucrânia, tornaram a transição energética mais complexa.
“Isso está se tornando ainda mais relevante conforme o Sul Global entra nessa conversa, alertando que vão precisar de fontes de energia de custo acessível para tirar milhares de centenas de pessoas da pobreza e melhorar o padrão de vida de bilhões de pessoas”, diz.
Nesta conversa exclusiva com a agência epbr, Saugata Saha trata dos impactos geopolíticos na volatilidade do barril de petróleo, eleições americanas, Venezuela, Opep e as perspectivas para os efeitos da economia global – e a demanda da China – sobre o balanço do mercado.
Saha aborda o “trilema energético” pós-guerra na Ucrânia e as mudanças nos fluxos de energia, como o Brasil reajustando exportações para Europa.
E as expectativas para a COP28, enfatizando avanços nos mercados de carbono.
Na íntegra, a entrevista de Saugata Saha para a agência epbr:
Como você vê a ambição da indústria brasileira de petróleo de “produzir a última gota” que o mundo vai demandar?
Essa missão faz sentido. Estamos muito otimistas sobre o aumento da produção no Brasil. Acreditamos que a maior parte desse crescimento vai ser escoado para o mercado global e isso ajuda a aliviar a pressão da demanda mundial por petróleo.
O consumo mundial de petróleo vai continuar a crescer e esses barris incrementais brasileiros certamente vão ajudar o mercado global. A qualidade do petróleo que está sendo produzido no Brasil é muito alta e isso ajuda.
A intensidade de carbono na produção de petróleo no país é relativamente favorável. O Brasil vai estar no mapa do mercado de energia nos próximos anos.
O G20 vai ocorrer aqui em 2024 e essa é uma conferência que traz discussões substanciais sobre energia. Além disso, o Brasil também vai sediar a COP30 em 2025.
Como a transição energética está alterando o perfil da demanda por petróleo?
No passado, o mercado de petróleo levava mais em consideração o custo da produção e os aspectos químicos do produto, por exemplo, se o óleo era leve ou pesado. O novo fator que está entrando nessas discussões é a intensidade de carbono da produção. Isso é um grande diferencial.
Na S&P Global Commodity Insights, nós analisamos a produção dos grandes campos de petróleo do mundo e calculamos a intensidade de carbono. A geologia tem um grande papel nisso, mas a capacidade dos operadores também influencia a intensidade de emissões.
O Brasil tem operadores muito qualificados, assim como uma geografia favorável. Os países que têm um petróleo de baixa intensidade vão ter vantagens no futuro.
Hoje, quando um país importa petróleo, ele analisa basicamente a química e os preços. Mas, na minha visão, no longo prazo os compradores vão olhar também para a intensidade de carbono.
Em geral, o mercado global de petróleo vai continuar a crescer e vai ser necessária mais produção para atender à demanda.
Qual é a visão da S&P Global Commodity Insights para os preços do barril?
Nosso modelo de pesquisa mostra que até o final de 2024 o barril vai estar acima dos US$ 80, próximo aos US$ 90, mas vai haver volatilidade. Há diversos fatores influenciando os preços.
A demanda na China está mais fraca do que o esperado. Por outro lado, o consumo nos Estados Unidos está mais forte do que o previsto. Analistas acreditavam que poderia haver pelo menos um trimestre de restrição na economia americana, mas isso está parecendo cada vez mais um cenário improvável.
Outra questão é que ainda existe uma capacidade ociosa grande na produção da Opep e aliados, de cerca de 5 milhões de barris/dia, o que é muito.
Além disso, a produção nos países que não fazem parte da Opep está nas máximas históricas e eles estão tendo um papel significativo em garantir a disponibilidade global de energia.
Com tudo isso junto, acreditamos que os preços do barril devem seguir próximos ao que estamos vendo no momento por um tempo.
Mas nós consideramos outros dois cenários adicionais: um em que os preços podem cair para cerca de US$ 75, o que é plausível, e outro em que o barril pode chegar a US$ 130, caso exista mais incerteza geopolítica.
Quais foram os efeitos das mudanças geopolíticas dos últimos três anos, com a pandemia e as guerras na Ucrânia e em Israel e Gaza?
Saugata Saha: A geopolítica certamente teve um impacto significativo na transição energética e no modo como os políticos e o setor privado pensam a respeito dela. A pandemia não teve um impacto tão grande, mas a guerra entre a Rússia e a Ucrânia sim.
Antes, as discussões sobre a transição energética visavam reduzir o uso de combustíveis fósseis e ampliar o uso de fontes de baixas emissões, a qualquer custo e de qualquer maneira.
A guerra na Ucrânia foi a primeiro momento em que foi necessário parar e pensar que existem outros elementos nessa transição.
Chamo isso de “trilema energético”. Três coisas precisam ser resolvidas simultaneamente na transição energética: a sustentabilidade, a acessibilidade e a segurança energética.
O que levou ao surgimento desse trilema?
A guerra na Ucrânia colocou um enorme foco na segurança energética, porque a transição energética é ótima, mas se não existe o acesso à energia em si, existe um problema. Todos querem fontes de energia seguras no longo prazo.
O acesso é outra questão: muitas novas fontes de energia não têm um custo tão acessível quanto outras já existentes.
Isso está se tornando ainda mais relevante conforme o Sul Global entra nessa conversa, alertando que vão precisar de fontes de energia de custo acessível para tirar milhares de centenas de pessoas da pobreza e melhorar o padrão de vida de bilhões de pessoas.
Nós também tivemos uma certa sorte. Por exemplo, no último ano a Europa teve um dos invernos mais quentes. Isso com certeza ajudou muito.
Se fosse um inverno extremamente frio, seriam necessárias estratégias de mitigação ainda maiores ou os preços teriam refletido isso e a energia teria ficado muito menos acessível.
O que mais mudou no mercado de energia com essas crises?
Ocorreu uma grande mudança nos fluxos de energia. O Brasil é um exemplo disso. Nos últimos dois anos, o país reajustou as exportações e agora a produção brasileira está indo para a Europa e para a América, enquanto a China está optando por absorver as exportações russas, já que a maior parte dos países ocidentais não têm mais acesso à produção da Rússia.
A situação geopolítica hoje é complicada. Muitas das crises dos últimos três anos foram difíceis de prever, ninguém esperava por elas, então foi difícil tomar medidas preventivas para reduzir os riscos.
O alívio das sanções à produção na Venezuela vai ter um impacto significativo no suprimento global?
Saugata Saha: Precisamos esperar para ver até que as sanções sejam de fato aliviadas e a produção comece a crescer, assim como quanto de extração incremental vai ser possível obter.
Em geral, pode ajudar a aliviar a pressão da demanda e aliviar os preços, mas muito disso vai depender do quanto de fato a Venezuela vai acrescentar ao suprimento global de petróleo e isso ainda não está claro.
No longo prazo, é importante notar que a intensidade de carbono do petróleo venezuelano é muito alta.
No curto prazo, a Venezuela pode ajudar a produção global e levar a um alívio nos preços, mas ao longo do tempo os compradores não vão olhar apenas para os preços, mas também para a intensidade de carbono, e é aí que eu acho que os barris venezuelanos podem ter dificuldade ao acessar o mercado.
O mercado de petróleo deveria estar preocupado com a China?
O crescimento da demanda chinesa está se recuperando de forma mais lenta do que o esperado. Mas a realidade é que ainda assim mais da metade do crescimento do consumo mundial em 2023 deve vir da China.
É uma questão de ver um copo meio cheio ou meio vazio, depende de como você olha. Em geral, no longo prazo, a economia chinesa vai continuar a crescer.
É improvável que cresça no mesmo ritmo em que vimos nas últimas duas décadas, mas ainda assim vai seguir crescendo.
A China já é a segunda maior economia do mundo e essa expansão econômica, partindo de uma base tão grande, vai estimular a demanda. Também vemos uma transição muito significativa acontecendo na China, principalmente no setor de mobilidade.
Os chineses fizeram um trabalho maravilhoso na criação de um mercado para os veículos elétricos, assim como na fabricação desses veículos.
Eles também estão aumentando o uso das termelétricas a carvão, mas vemos uma oportunidade para que em algum momento essas unidades sejam convertidas para gás natural, que tem uma taxa muito menor de emissões.
Quais podem ser os impactos das eleições presidenciais nos Estados Unidos no próximo ano para a produção do país?
O próximo ano vai ser interessante nesse sentido, pois 2 bilhões de pessoas vão às urnas no mundo, com as eleições em países como Índia e Estados Unidos. Do ponto de vista da democracia, grandes decisões serão tomadas em 2024.
Acho que a premissa fundamental é que o mundo precisa buscar resolver o trilema na área de energia: a sustentabilidade, a acessibilidade e a segurança.
Podem ocorrer mudanças de política energética nos países, mas não vai ser possível escapar dessas questões.
Se ocorrerem grandes mudanças no balanço de poder político, podemos ver algumas mudanças, por exemplo, com a decisão de que a segurança energética passe a ser mais importante do que a acessibilidade ou do que a sustentabilidade.
Mas no longo prazo não há como escapar do fato de que essas três questões precisam de soluções simultâneas.
O que podemos esperar para o mercado de energia das discussões da COP28 este mês?
Vai ser a primeira vez em que vou participar de uma COP! Essa vai ser uma das primeiras grandes discussões globais sobre o progresso em relação às metas de redução de emissões que foram estabelecidas no Acordo de Paris.
Outro ponto interessante é como o texto final da COP vai tratar o uso das energias fósseis e se vai optar pela eliminação ou pela redução do uso dessas fontes. Também é importante prestar atenção ao que o texto final da COP vai indicar sobre o uso das fontes fósseis com abatimento de carbono.
Há uma crescente percepção de que o setor de energia não é o inimigo, a questão são as emissões. Então surge a questão de se queremos continuar a usar hidrocarbonetos como uma fonte prioritária de energia no caso de conseguirmos abater a maior parte das emissões.
Vai ser interessante ver se novos compromissos serão firmados na COP28 para a chegada à neutralidade de carbono.
Outra coisa que esperamos ver são mais discussões sobre o financiamento para isso, principalmente no contexto em que o Sul Global vai pressionar por mais clareza sobre as opções para custear a transição energética e expressar as expectativas de que o Norte Global vai colaborar nesse processo.
De que modo as discussões da COP28 vão impactar os mercados de carbono?
Acho que teremos grandes anúncios a respeito das regras e do modo de funcionamento desses mercados de carbono, que são parte importante da equação para a neutralidade carbono.
É importante lembrar que não estamos falando de zerar emissões, mas sim do conceito de neutralidade de carbono, o que inclui a compensação das emissões. Para isso, vamos precisar de mercados de carbono funcionando bem.
Nós da S&P estamos muito focados em discussões sobre o registro e a comercialização dos créditos de carbono e acredito que veremos alguns avanços positivos sobre isso na COP28.