Falta reconhecimento do que o Brasil construiu na área de energias renováveis, avalia o CEO da Raízen, Luis Henrique Guimarães, que desafia qualquer país do mundo a discutir nossa matriz energética.
Guimarães conversou com a epbr em novembro sobre os investimentos da empresas em etanol, geração térmica a biomassa e, claro, sobre o Renovabio, precificação de carbono e políticas de transição energética.
O executivo defende que os investimentos em biocombustíveis fizeram o país conseguir despoluir as cidades, reduzir emissões e as doenças respiratórias e que os créditos de descarbonização (CBIOs) serão reguladores econômicos, dando previsibilidade ao mercado de etanol.
“É a única maneira de fazer. Você precisa incentivar o combustível limpo, não com subsídios, já que não são sustentáveis ao longo do tempo, mas como incentivo de fato econômico, ou via diferenciação de imposto ou via o mecanismo de carbono, que é o caso do CBIO”.
[sc name=”adrotate”]
O desafio mundial é chegar onde estamos?
Acho que ninguém vai conseguir chegar. A penetração de etanol na matriz Ciclo Otto [motores a combustão interna] que a gente tem hoje no Brasil, com 27% na gasolina e mais [etanol] hidratado, chega a muito próximo de 50% da matriz do Ciclo Otto. Seja misturado na gasolina ou seja no consumo direto. São números extraordinários.
É por isso que você vai até São Paulo e vê um céu tão limpo, comparado com o que a gente via, anos atrás. O Brasil conseguiu despoluir as grandes cidades como nenhum outro país do mundo conseguiu. Isso serve para São Paulo, Goiás, Curitiba. Temos esse privilégio de limpar as cidades, reduzir as emissões e as doenças respiratórias.
Agora, o programa do RenovaBio, que começa no ano que vem e dá um horizonte de previsibilidade que jamais tivemos no Brasil, pode ser um outro impulsionador.
Como a Raízen está vendo o mercado de descarbonização no país?
Gostamos muito do RenovaBio sobretudo pela questão de previsibilidade. São metas que o governo e o parlamento decidiram e que agora precisam ser cumpridas. Isso é uma coisa importante. Conseguimos olhar no horizonte de longo prazo e saber que vai ter de demanda.
Os CBIOs serão um regulador econômico e de descarbonização, já que ele incentiva o combustível limpo. É a única maneira de fazer.
É preciso incentivar o combustível limpo, não com subsídios, já que não são sustentáveis ao longo do tempo, mas como incentivo de fato econômico, ou via diferenciação de imposto ou via o mecanismo de carbono, que é o caso do CBIO. Vai gerar oportunidades para o negócio de etanol, mas também para o negócio de trading.
Quais serão os impactos dos CBIOs no mercado de combustíveis no país?
Está muito no início. É difícil prever. Mas um ponto certo é que vai diminuir a volatilidade do consumo de etanol no país. Acho que vai trazer uma estabilidade que é muito importante. Esse vai ser um dos grandes benefícios.
CBIOs podem interessar empresas fora do país?
Acho que sim. O desafio é que em lugar nenhum do mundo o mercado de carbono decolou ainda. É tudo muito novo, não é simples. Mas é uma questão de maturidade. O mundo está se aperfeiçoando e a conta está chegando. Mas não é mais tabu, como era antes. É parte da evolução da sociedade.
Mas é muito tentativa e erro. O que falta é ter um mercado que gere uma precificação adequada. É uma questão de anos. E acho que a melhor forma é a compensação via créditos. Tem que criar um sistema para quem gera o benefício seja remunerado e, por tanto, quem tem déficit compre.
Mas você tem que ter alguém primeiro que esteja gerando o crédito. Você teve economias que só taxaram e pagaram e não fizeram mais nada. O crédito obriga a correr atrás e o mercado gera soluções. O mercado é sempre mais eficiente que o governo para gerar soluções. E a taxação sempre corre o risco de ir para outro lugar.
A Raízen já sente demanda por produtos mais limpos nos seus clientes?
As grandes corporações estão preocupadas. Sentimos um aumento grande de conscientização. Que o consumidor quer coisa mais limpa. Tem um movimento, que temos que acompanhar.
A Raízen fechou parceria com a GEO Energética para construir uma usina que vai gerar energia a partir do biogás, um investimento estimado em R$ 153 milhões. Quando deve entrar em operação?
No próximo ano [2020]. Estamos bastante empolgados. Achamos que o biogás tem um potencial enorme. Para cada litro de etanol se produz 12 litros de vinhaça, que vem junto com matéria orgânica. Usando biodigestores conseguimos produtor biogás para gerar energia ou comprimir para substituir o diesel nas atividades agrícolas, criando um ecossistema de economia circular com pouca logística, reduzindo muito os custos.
[sc name=”adrotate”]
O Cade autorizou vocês a fazerem recentemente a aquisição de 81,5% da Cosan Biomassa. Qual é a aposta?
É saber como você transporta a biomassa, que é um produto caro para transportar por conta da sua complexidade, em um produto mais otimizável. O que a gente está fazendo é a transformação do bagaço e da palha em pellets para transportar para mercados mais distantes.
Estamos vendo os mercados europeus e asiáticos demandando esse tipo de produto para limpar sua matriz energética e parar de usar carvão e outros combustíveis. Nossa aposta é que o Brasil será um celeiro desse tipo de produto, com baixa pegada de carbono.
Vai ter espaço para crescer a produção de etanol?
Temos questões tributárias e de infraestrutura. O sonegador nunca vai usar duto. Vai usar caminhão. Avançando a reforma que o estado brasileiro está conduzindo, incluindo questões importantes de tributação, e melhorando a questão de fiscalização, colocando mais inteligência e combate, o país tem tudo para garantir um futuro promissor.
Se não tivermos outros mecanismo para incentivar o crescimento da produtividade, da área plantada de cana, todo o crescimento do Ciclo Otto vai ser com gasolina.
O desafio é como crescer. O país voltando a crescer teremos desafios. O etanol produzido atualmente é todo consumido. Tem o desafio de aumentar a capacidade de moagem para que você possa ter mais etanol.
A possibilidade de venda direta do etanol colocou em pauta a monofasia tributária.
A monofasia tem sérios desafios. Por um lado ela melhora a questão da sonegação. Por outro, ela piora a competitividade do produtor nacional em relação ao conjunto da operação. Quem fizer todo recolhimento em uma parte só da cadeia do etanol pode ter uma geração de crédito adicional – onde os créditos não vão ser usados – pelo mix que cada usina produz.
Está tendo uma discussão por conta da venda direta, que no fundo é uma discussão irrelevante. Qualquer produtor pode vender direto, se quiser, basta ele criar uma distribuidora do lado da usina.
Não tem nenhuma razão para mudar. Nós, como Raízen, poderíamos vender etanol direto, se nós quiséssemos. O problema é que a conta não fecha, do ponto de vista logístico.
Minha grande preocupação é mudar um regime tributário que hoje funciona como um todo. Não é perfeito por que alguns se aproveitam para não pagar e se aproveitarão com a monofasia também. Só vai mudar o foco da sonegação da distribuição para a produção, eventualmente. Isso para resolver um problema que não existe.
Conseguimos chegar ao volume de demanda de 2013, quando país atingiu pico de consumo de gasolina, diesel e etanol?
Acho que sim. Em dois ou três anos com bom crescimento chegamos lá. Basta o consumo mais vigoroso, com vendas de carros voltando. As reformas estão na direção certa. Temos que ver a resposta dos investimentos privados. Temos uma chance. Não é do dia para a noite. Não é em 2020.
[sc name=”news-transicao”]