PARIS – A GravitHY, uma empresa europeia, está desenvolvendo a construção de uma planta de produção de ferro reduzido direto (DRI) e Hot Briquetted Iron (HBI), a partir de hidrogênio de baixo carbono, no sul da França, em Fos-sur-Mer. A unidade está prevista para começar a operar em 2028.
Em entrevista à agência epbr, José Noldin, CEO da GravitHY, a planta será o primeiro passo da ambição de construir outras unidades na Europa e até mesmo no Brasil.
“O Brasil tem uma vocação clara para se tornar um hub de produção de metálicos baseados em hidrogênio,” afirmou Noldin.
A empresa tem como sócios a iniciativa público-privada EIT InnoEnergy, de aceleração de negócios; a francesa Engie; a americana Plug Power, especialista em projetos integrados de hidrogênio; além de outras empresas do setor imobiliário; aço verde; e mobilidade.
Ferro verde
A tecnologia de produção de DRI/HBI verde envolve a utilização de hidrogênio renovável, obtido através da eletrólise da água usando eletricidade renovável, em vez do gás natural e do carvão, tradicionalmente usados no processo.
Isso reduz drasticamente as emissões de CO2, tornando o processo quase livre de carbono.
O DRI/HBI é uma commodity intermediária, sendo uma forma aglomerada de minério de ferro, antes de ser enviada às siderúrgicas.
A planta inicial terá uma capacidade de 2 milhões de toneladas de HBI por ano.
Contudo, Noldin aponta que a estimativa é que até 2035, somente o mercado europeu demandará entre 15 a 30 milhões de toneladas de DRI e HBI.
Isso porque a transição das siderúrgicas para a produção de aço verde será crucial para atender à legislação ambiental rigorosa e aos compromissos de descarbonização da União Europeia, de reduzir em 55% as emissões de gases de efeito estufa até 2030.
“Com os objetivos de descarbonização e legislação, provavelmente não vai ter aço suficiente para todo mundo. Aço verde”, pontua o CEO.
Nuclear como energia de base
A escolha da França para a primeira planta foi estratégica devido à rede elétrica de baixo carbono do país, fortemente baseada em energia nuclear.
“A energia nuclear é bem-vinda para acelerar a transição energética. Ela oferece fornecimento estável de eletricidade, essencial para o funcionamento dos eletrolisadores,” explicou Noldin.
A companhia possui uma carta de intenção com a EDF (Électricité de France) para garantir o fornecimento de energia nuclear, e espera fechar contratos de PPAs (Power Purchase Agreements) de fontes renováveis como eólica e solar.
Atualmente, a energia nuclear não é aceita como fonte na classificação de hidrogênio renovável da União Europeia – dentro do conceito de combustíveis renováveis de origem não biológica (RFNBO, na sigla em inglês). Logo, os projetos de hidrogênio, como da GravitHY não têm acesso aos subsídios do bloco que são voltados para esta categoria.
O empreendimento, contudo, recebeu apoio significativo do governo francês através do programa França 2030, com um subsídio inicial de 10 milhões de euros para financiar estudos.
A companhia está agora na fase de desenvolvimento de projeto para então avançar no desenvolvimento do na captação de recursos para colocar a planta de pé, que possui um orçamento total estimado em 2,2 bilhões de euros.
A ideia da empresa é agora transformar os memorandos de entendimento (MOUs) para compra de minério de ferro e venda de HBI em contratos comerciais, “para ter condição do de bancabilidade do projeto”, explica o executivo.
Segundo ele, a demanda por HBI verde da companhia é alta.
“Temos mais MOUs do que a capacidade de produção. Se eu tivesse certeza que todos os MOUs vão se transformar em contratos comerciais, eu estaria construindo mais do que duas usinas”.
O potencial do Brasil
O Brasil é visto como um local promissor para replicar o modelo da GravitHY. O país possui uma abundância de minério de ferro e uma matriz energética predominantemente renovável, com grande potencial para a geração de energia eólica e solar.
“Estamos atentos ao potencial do Brasil e acreditamos que podemos transferir nossas vantagens competitivas e tecnológicas para outros projetos,” concluiu Noldin.
O país pode não apenas atender suas necessidades internas, mas também se tornar um exportador de soluções de energia limpa e aço verde para o mundo.
A GravitHY, inclusive, já firmou MOUs com a Vale para avaliar a tecnologia de briquetagem a frio desenvolvida pela mineradora brasileira, e outras parcerias, que também envolvem a produção de HBI e fornecimento de minério de ferro.
Além da Vale, a empresa está em discussões avançadas com outros parceiros estratégicos, incluindo fabricantes de equipamentos, fornecedores de tecnologia e investidores institucionais.
“Estamos criando um ecossistema de inovação para acelerar a adoção do aço verde,” disse Noldin.
No entanto, ele destacou a necessidade do Brasil de aumentar a disponibilidade de energia de base para suportar projetos de grande escala.
“A questão da energia para mim no Brasil ela não é 100% resolvida ainda” disse Noldin.
“A matriz energética do Brasil é integrada e verde, mas precisamos ter capacidade suficiente para que mesmo quando você tiver um estresse hídrico, ou o vento não esteja soprando como desejável, tenhamos um base load”.
Legislação e incentivos
A legislação e a disponibilidade de capital são outros fatores importantes. Na Europa, a GravitHY vem apostando na combinação de subsídios, dívida e equity para financiar o projeto.
Noldin vê um potencial similar no Brasil, mas enfatiza a necessidade de incentivos governamentais e mecanismos de precificação de carbono para tornar viável a descarbonização industrial.
“Precisamos de políticas claras que incentivem a produção e o consumo de aço verde”, afirmou.
O Brasil já possui iniciativas em andamento para estimular a produção de hidrogênio verde, incluindo o Plano Nacional de Hidrogênio, que visa posicionar o país como um líder global nesse mercado emergente, e o recente marco regulatório aprovado no Senado, que conta com subsídios bilionários à nova indústria.
O contexto geopolítico do aço
O avanço de partidos de extrema direita em alguns países europeus levantou preocupações sobre a continuidade das políticas climáticas do bloco e as metas ambiciosas de redução de emissões de carbono – políticas fundamentais para a descarbonização da siderurgia. C
Noldin, no entanto, mantém uma visão pragmática.
“A transição energética, o compromisso de transição energética é lei, ele foi discutido, votado e aceito. Fazer uma marcha ré não é impossível, mas você precisa preparar um texto, discutir entre os 27 Estados-membros, precisam entrar num alinhamento, precisam mudar. Não acho que seja tão simples.”
Ele destaca que a indústria siderúrgica é considerada estratégica para a Europa, e a produção de aço verde é uma questão de soberania industrial e de inovação para manter a relevância do bloco no mercado..
“Trazer, reindustrializar a Europa de maneira aceitável do ponto de vista climático, a gente acaba sendo um projeto estratégico, acho que independentemente do espectro”.
“A Europa pode ser competitiva em siderurgia, mas é competitividade baseada em sustentabilidade”, afirma Noldin, ponderando que o aço produzido na China é mais competitivo em relação ao custo, porém, baseado na utilização do carvão.
Padrões de sustentabilidade
Ele enfatiza a necessidade de critérios que vão além do preço, incluindo transparência e rastreabilidade na produção do aço, assegurando padrões de sustentabilidade.
Segundo ele, a continuidade das metas climáticas, apesar dos desafios políticos, e a implementação de um mercado de carbono robusto são essenciais para garantir a a importância da UE no mercado.
A introdução do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) em 2026 será um passo importante para garantir que o aço importado cumpra os mesmos padrões ambientais rigorosos que o aço produzido na UE.
Para Noldin, o mercado de carbono é um mecanismo vital para a descarbonização da indústria siderúrgica
Atualmente, as siderúrgicas europeias recebem “allowances” que permitem certa quantidade de emissões de CO2 sem custo. No entanto, a partir de 2026, esse mecanismo será gradualmente eliminado, obrigando as empresas a pagar mais pelas suas emissões.
Segundo José Noldin, CEO da GravitHY, o aumento no preço das emissões de CO2, que pode chegar a 200 euros por tonelada até 2035, tornará o DRI verde mais competitivo
“Se a rota atual começar a pagar pela poluição e esse preço de CO2 chegar a 100, 150, 200 euros por tonelada de CO2, então na verdade você tem um cenário onde o DRI verde é mais barato”, afirma Noldin.