RIO — O Brasil poderá ocupar um papel importante na produção de combustíveis de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês), na rota conhecida como alcohol-to-jet (ATJ), que utiliza o etanol como base. A aposta é da empresa estadunidense Honeywell.
“Etanol pode ser um elemento-chave para as novas gerações de combustíveis (…) E o Brasil pode ocupar um importante papel como o segundo maior produtor mundial de etanol”, disse a vice-presidente global de estratégia e soluções sustentáveis da Honeywell, Amanda Copperthite, durante evento promovido este mês pela companhia, em São Paulo.
A rota ATJ vem sendo apontada como a única solução viável, no curto prazo, para atender à meta da aviação internacional de neutralidade em carbono até 2050. Hoje, a rota mais conhecida para produção de SAF é a que gera o HVO — óleo vegetal hidrotratado.
Entretanto, sozinha, a rota do HVO — conhecida como HEFA por utilizar óleos, principalmente de soja, ou gordura animal não comestível — não será suficiente. Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), o mundo produz, atualmente, apenas 100 milhões de litros de SAF ao ano. Para que o setor alcance as metas até 2050, serão necessários 450 bilhões de litros.
“Se utilizarmos 100% da quantidade de commodities que estão disponíveis a nível mundial para se fazer SAF baseado na rota de HVO, talvez se consiga produzir até 5% apenas da necessidade de combustível de aviação global”, explicou o vice-presidente e gerente geral da Honeywell Performance Materiais e Tecnologias da América Latina, José Magalhães Fernandes, em entrevista à agência epbr.
Expertise no etanol de cana dá vantagem ao Brasil
Fernandes explica que o etanol de cana-de-açúcar, produto em que o Brasil possui expertise, é mais competitivo economicamente e possui maior poder de combustão que o etanol de milho — cuja principal referência no mercado global são os Estados Unidos.
“Essa rota (ATJ) vai ser importantíssima para o mercado brasileiro. Primeiro, porque nós temos a matéria-prima. E temos a disponibilidade de crescer com a produção dessa matéria-prima. Estamos falando com clientes no Brasil que estão olhando essa rota para desenvolver essa cadeia”, afirmou o executivo.
Apesar de não citar nomes das companhias, o executivo destaca que, entre os clientes, estariam players já consolidados no setor sucroenergético e outros agentes que têm interesse em ingressar no setor.
Recentemente, a Raízen — joint venture da Cosan e Shell — confirmou que está de olho nos novos mercados que aparecem como grandes potenciais adicionais para o etanol no mundo, como o combustível de aviação.
A companhia — maior produtora brasileira de etanol de cana — é uma das potenciais fornecedoras para os empreendimentos de ATJ da Shell Aviation, nos Estados Unidos.
José Fernandes conta que a Honeywell espera anunciar nos próximos meses um projeto piloto de SAF de etanol, nos Estados Unidos, e que logo deve ganhar escala.
“Uma vez que completarmos o piloto, em uma questão de mais três, seis meses podemos ganhar escala. Então, eu diria que no final desse ano, provavelmente, já vamos ter isso pronto para escala industrial”, afirmou o executivo.
Mandatos de SAF serão realidade
No Brasil, ainda está em discussão um marco regulatório para o SAF — e se haverá ou não um mandato obrigatório que defina uma proporção mínima do biocombustível no abastecimento de aeronaves. Fernandes acredita que os mandatos serão uma realidade no país.
“O Brasil está caminhando para esses mandatos e já está trabalhando para ter mandatos graduais começando em 2027 ou um pouco antes (…) Todos os países do mundo vão ter que ter disponibilidade de SAF … os aviões não vão vir para o Brasil se não tiver combustível para voltar”, pontua.
Na visão do executivo, a regulação também não deveria excluir rotas para o SAF, incluindo além do HVO, o ATJ e outras futuras alternativas.
“Temos que ajudar o setor público a entender que existe uma nova rota, que vai ajudar esse mercado a ser mais sustentável, que vai gerar valor para economia, mais empregos e mais impostos”, defende.
Planta de SAF de empresa brasileira, mas no Paraguai
Enquanto a regulação do SAF no Brasil não sai, a Honeywell está envolvida no desenvolvimento de 29 projetos, pelo mundo, para produção de combustível sustentável de aviação. Um deles, o da empresa brasileira ECB Group — que vai construir sua planta de produção de HVO e SAF, no Paraguai.
O projeto poderá produzir cerca de 20 mil barris/dia de biocombustíveis, a partir de óleos e gorduras vegetais e animais. A planta já possui 90% da capacidade de produção contratada pela Shell e bp. É o primeiro empreendimento do tipo na América Latina.
Para o presidente da ECB, Erasmo Battistella, o Brasil precisa estabelecer políticas claras para uso de HVO e SAF para que projetos como esse sejam implementados no país.
“Um marco regulatório é fundamental para que em 2027 tenhamos produção de SAF no Brasil. (…) Não podemos aceitar que tenhamos que importar SAF”, afirmou.
Battistella também citou o potencial do etanol brasileiro para produção de SAF.
“Etanol tem um potencial muito grande para ser essa fonte de matéria-prima para o SAF”, disse o executivo durante o evento da Honeywell.
Recentemente, a BSBIOS, braço da ECB, anunciou a instalação de uma usina de processamento de cereais no Rio Grande do Sul, que produzirá etanol a partir do trigo.