A ausência de um marco legal para a instalação de parques eólicos offshore tem impedido o avanço de projetos no Brasil, segundo executivos de empresas interessadas no negócio. Eles alertam que a competição por capital é global e o país pode perder oportunidades.
A insegurança se dá pela ausência de lei para concessão do direito de explorar as áreas marítimas.
Discute-se ainda se os projetos estarão sujeitos a cobranças adicionais pela energia gerada nas áreas públicas – uma espécie de royalties destinado à União, estados e municípios –, entre outros pontos.
O marco legal para as eólicas offshore foi pauta do antessala, programa semanal de política energética da agência epbr.
Capital inquieto
“[O capital] é extremamente volátil. É fácil tomar decisões e falar: “na Colômbia, por exemplo, está andando bem mais rápido, vamos colocar então. [Ou] então, vamos jogar ali no Vietnã, que eles também já estão com apetite bem maior e bem mais rápido”, afirma Diogo Nóbrega.
O executivo está à frente dos projetos no Brasil da Copenhagen Infrastructure Partners (CIP) e da Copenhagen Offshore Partners (COP) no Brasil, gestoras de fundos europeus com US$ 20 bilhões sob administração.
“Esses dezenove bilhões [de euros] estão olhando para todos os países”, afirma Nóbrega. No Brasil, a CIP/COP estima aportes de US$ 6 bilhões para o desenvolvimento de quatro parques eólicos em alto mar, com 7 GW.
São parques offshore no Piauí (Palmas do Mar, de 1,4 GW), Rio Grande do Norte (Alísios Potiguares, de 1,8 GW), Rio de Janeiro (Ventos Fluminenses, de 2,8 GW) e Rio Grande do Sul (Ventos Litorâneos, 1,2 GW).
“É um [tipo de] projeto de energia renovável muito intenso em termos de capitais (…) A celeridade é importante por isso, porque a gente precisa ter a lei pronta para que possamos se estruturar financeiramente e, então, iniciar as contratações, e em paralelo o desenvolvimento desses projetos”, pontua Nóbrega.
Gustavo Silva, diretor de operações da Qair Brasil, reforça a necessidade de o Brasil acelerar o ambiente para atração desses investimentos. “O dinheiro é um bicho inquieto, não gosta de ficar parado (…) Então é muito difícil pedirmos para nossa controladora esperar que as coisas se resolvam, esperar um ano, esperar dois anos”, pontua.
Decreto vs projeto de lei
- Marco regulatório. Em 2022, o governo de Jair Bolsonaro (PL) editou decretos e normas administrativas para realizar os primeiros leilões de áreas para geração de energia eólica offshore. Setores do governo chegaram a cogitar uma concorrência em 2022, sem sucesso.
- Aneel. A agência marcou a continuidade da regulação das eólicas offshore para o 1º semestre deste ano. O tema é um dos itens inéditos para o próximo biênio. A Aneel é a principal agência responsável pela contratação das áreas marítimas, segundo o decreto.
- Marco legal. O Senado Federal aprovou um projeto de lei (PL 576/2021), de Jean Paul Prates (PT), ex-senador pelo Rio Grande do Norte e atual presidente da Petrobras. O texto aguarda uma deliberação da Câmara dos Deputados.
- Mercado. Há mais de 70 projetos registrados no Ibama, em uma fase inicial que pode levar ao licenciamento de parques eólicos offshore. São mais de 183 GW em capacidade instalada.
- Petróleo e gás. As empresas que levantam dados offshore para óleo e gás miram oportunidades com as eólicas offshore. Mas travam na falta de regras. Os estados produtores de petróleo atraem a maioria de projetos anunciados até o momento. Empresa de óleo e gás contam com o primeiro leilão em 2024.
Atraso nas eólicas afeta projetos de hidrogênio verde
Silva explica que a demora na definição de um marco legal afeta o planejamento para investimentos na produção brasileira de hidrogênio verde, alvo da empresa no país.
“Temos acompanhado até com certa preocupação”, disse o executivo. “O fato de estarmos ligados à planta de hidrogênio coloca um desafio a mais, que é sincronizar os dois cronogramas de implantação”.
A Qair Brasil está desenvolvendo duas grandes plantas de hidrogênio azul e verde, uma no porto de Suape, em Pernambuco, e outra no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, no Ceará.
Neste último, o abastecimento energético dos eletrolisadores, que produzirão o hidrogênio verde, é totalmente baseado em um parque eólico offshore, também desenvolvido pela companhia, com capacidade de 1,2 GW.
São previstos US$ 6,9 bilhões na construção do parque eólico e das plantas de hidrogênio no Ceará.
A companhia também possui outros projetos offshore em desenvolvimento pelo mundo, como um na Escócia e outro na França, onde mais recentemente participou de um outro leilão.
“Somos 21 filhos de nossa controladora. O dinheiro que deixa de vir para o Brasil está indo para outro canto e para outros ambientes, de certa forma, até mais simples. Unicamente pela motivação do nosso projeto de hidrogênio, estamos conseguindo manter esses pratos no ar”, completa o executivo da Qair.
Competição (e especulação) nas áreas offshore
O executivo também demonstra preocupação com a especulação com tentativas de licenciamento das áreas offshore, o que também pode ser regulado.
Cerca de um terço dos projetos espalhados pela costa brasileira estão de alguma maneira sobrepostos. A situação é mais complicada no litoral do Rio de Janeiro e do Ceará.
“Criamos um problema praticamente limitador, antes mesmo de ter criado a oportunidade do mercado. Essa ausência do Estado em estabelecer regras criou no mar um campo sem dono”, avalia Gustavo.
“O que vemos hoje? Projetos pendurados um em cima do outro. Aquilo que já estava ruim, criou um problema extremamente difícil e pior: um problema que dá oportunidade, dá força para os oportunistas”, explica.
Gustavo Silva lembra também que mesmo com a falta de regras claras para concessão de área, as empresas já estão investindo em estudos e no desenvolvimento dos projetos.
A Qair é uma das duas companhias que já apresentou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ao Ibama, entretanto o instituto solicitou um novo estudo.
“A tendência é que quando se faça essa regulamentação é que ela já comece onerosa (…) Ainda está uma indefinição de como será esse marco regulatório. Já gastamos aproximadamente uns trinta milhões de reais em estudos e isso [a ausência de um marco] nos coloca em uma situação bastante desconfortável”, diz.