Opinião

É preciso encerrar o drama do PL 576/2021 e votar o marco das eólicas offshore

Se 12 meses de discussão não foram suficientes para chegarmos a um entendimento sobre as matérias alheias ao texto, só nos resta uma opção: votação, escreve Tiago Santana

Senadores, à bancada, durante audiência da CI no Senado, discutem sobre o PL das eólicas offshore, em 3/12/2024 (Foto Geraldo Magela/Agência Senado)
Audiência da CI no Senado discute projeto que disciplina o aproveitamento de potencial energético offshore, em 3 de dezembro | Foto Geraldo Magela/Agência Senado

A década em curso exige de nós a obrigação de trazer à realidade das decisões a nítida comprovação de um mundo em rápida transformação, impondo aos Poderes Legislativo e Executivo a necessidade de agir agora, mesmo que as suas decisões tenham efeitos além dos mandatos normalmente instituídos pela democracia. 

Acelerar o desenvolvimento de novas fontes energéticas que viabilizem a economia de baixo carbono e sejam simultaneamente motores de um novo modelo de desenvolvimento sustentável está no centro do quadro de decisões importantes para o futuro, e é nesse momento que o Senado Federal precisa urgentemente decidir sobre o PL 576/2021, que estabelece o necessário regramento para o desenvolvimento no Brasil da geração de energia offshore.

Especificamente, a tecnologia de geração eólica offshore se tornou protagonista global da transformação e transição energética, por ter avançado substancialmente ao longo das últimas décadas.

O Brasil possui uma situação privilegiada em recursos renováveis, em particular, por ter um litoral de cerca de 7.400 quilômetros de extensão com ampla faixa de profundidades moderadas, em regiões com ótimas condições de ventos na costa do Oceano Atlântico.

Essa ampla faixa pode ser palco para o desenvolvimento da geração eólica offshore no país, construindo uma nova fronteira de desenvolvimento pela economia de baixo carbono

“Amazônia Azul”

Não se trata de um exagero, aliás, é apropriado dizer que se trata de desenvolver uma “Amazônia Azul” em bases renováveis, não fósseis. 

Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em parceria com o Grupo Banco Mundial, apontam para um potencial técnico superior a 1.200 gigawatts (GW) dessa fonte que ofereceria ao nosso país a oportunidade de ser um dos polos de maior atratividade para investimentos em eólica offshore no mundo, com reconhecido ganho de relevância geopolítica. 

Esta oportunidade fica evidente com o atual interesse de empresas nacionais e internacionais pelo desenvolvimento da geração eólica ao longo de toda a costa brasileira.

Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), praticamente uma centena de projetos (97) estão inscritos para análise de licenciamento ambiental, somando 234.2 gigawatts (GW) de capacidade instalada.

“O desenvolvimento da geração eólica offshore possui diversos benefícios estratégicos para o país, consolidando investimentos externos diretos, gerando novos empregos, renda e prestando serviços de alta tecnologia e valor agregado.”

Aliás, somente com os estudos de viabilidade dos projetos, não incluindo as obras de implantação nem a futura operação, podemos afirmar que o país está deixando de receber um investimento de cerca de R$ 25 bilhões, se tomarmos como premissa que apenas 25%, ou 1/4 dos projetos registrados no Ibama, dessem prosseguimento ao desenvolvimento dos projetos.

Infelizmente, isso não está ocorrendo por conta da ausência da deliberação por parte do Senado sobre o PL 576/21, que está tramitando nesta Casa desde o início do ano de 2024.

Grande parte do potencial eólico offshore do Brasil se encontra nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul.

Inclusive, especificamente com relação ao Estado do Rio Grande do Sul, o tema é bastante relevante, já que o estado detém cerca de 30% dos projetos registrados no Ibama, devido ao seu reconhecido recurso eólico. Isso é fundamental para a retomada econômica e reconstrução do estado, após os recentes e terríveis acontecimentos climáticos. 

Oportunidades de investimento e entraves legislativos

É relevante destacar que os montantes de investimentos dessa “Nova Indústria” – não emissora de gases de efeito estufa – são equivalentes à nossa conhecida e importante indústria de óleo e gás.

Com a recente apresentação do relatório nesta semana pelo relator, senador Weverton Rocha, o texto recebido da Câmara foi aprimorado com ajustes tempestivos de redação, como, por exemplo, sobre o Plano Espacial Marinho (PEM).

Além disso, foram reintegrados ao texto originalmente relatado no Senado pelo Senador Carlos Portinho dispositivos que tratam da sobreposição de área dos projetos de geração de energia, bem como o artigo que estabelece as condições de transmissão a partir da geração realizada no oceano.

Ou seja, no que diz respeito à energia offshore, o Projeto de Lei de autoria do então Senador Jean Paul Prates (PT/RN) está maduro e pronto para ser votado.

Para arrematar, o desenvolvimento da geração eólica offshore possui diversos benefícios estratégicos para o país:

  • O PL não cria qualquer subsídio ou privilégio para a geração de energia offshore, ou seja, não onera o consumidor de energia elétrica;
  • Os investidores com projetos registrados no Ibama, em sua grande maioria, são empresas de energia de grande porte, com atuação global, detentoras de capacidade técnica e financeira para concretizar os projetos;
  • Contribui com a segurança de suprimento de energia elétrica, ampliando a resiliência climática da nossa matriz renovável de geração de energia; 
  • Os projetos são próximos ao centro de carga (do consumo), otimizando o sistema de transmissão de energia elétrica;
  • Os projetos estão localizados nos Estados do RS, SC (no Sul); RJ, ES (no Sudeste); RN, CE, PI e MA (na região Nordeste), claramente se destacando por criar uma nova indústria no Brasil de forma espraiada, em três relevantes regiões; 
  • Tem conexão central com o desenvolvimento da cadeia de produção do hidrogênio verde, fato que tornará o Brasil um dos principais players globais no futuro mercado desse combustível da transição energética, que teve seu marco legal recentemente sancionado;
  • Consolidará investimentos externos diretos, geração de novos empregos, renda e prestação de serviços de alta tecnologia e valor agregado; 
  • Elevado potencial de geração de receitas para a União, Estados e Municípios, conforme estabelecido em vários dispositivos do PL; 
  • Incremento da demanda por embarcações que proporcionará a ocupação e ampliação da capacidade dos estaleiros navais e portos no país, como por exemplo, os portos de Rio Grande (RS), do Pecém (CE), de Suape (PE), do Itaqui (MA) e de Itaguaí (RJ).

Com efeito, é de conhecimento geral que a necessária votação ainda não ocorreu devido à inclusão de novas matérias alheias ao texto original aprovado pelo Senado terem sido incluídas na Câmara dos Deputados.

Ocorre que a demora na deliberação desse relevante marco legal tem levado, lamentavelmente, empresas internacionais de reconhecida competência e capacidade a desistirem de seus projetos no Brasil, optando por priorizar investimentos em outros países que avançaram com suas regulações para esse novo setor de geração de energia.

Assim, se 12 meses não foram suficientes para chegarmos a um entendimento sobre as matérias alheias ao texto inseridas na Câmara dos Deputados ao PL 576/21, só nos resta, democraticamente, uma opção: votação.

Sob pena de estarmos penalizando, no nascedouro, uma relevante e nova indústria de baixo carbono, com potencial de investimentos bilionários para a nossa sociedade e geração de empregos qualificados e renda para o nosso povo.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Tiago Santana é sócio e coordenador de Relações Governamentais do Perman Advogados. Foi um dos responsáveis pela estruturação e atualmente presta consultoria para a Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia (Frente de Energia).

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