As medidas emergenciais para amenizar os efeitos da crise do novo coronavírus no setor elétrico devem ser desenhadas para evitar que um desequilíbrio no mercado de distribuição leve a uma desorganização dos outros elos da cadeia, defende Elbia Gannoum, presidente-executiva da Abeeólica, nesta entrevista à epbr.
“Os que sofrerão os impactos serão as distribuidoras, que terão um pacote de socorro para amortecer essa queda. O governo está com todo cuidado, e tem absoluta clareza de que não deve contaminar o segmento de geração, e não o fará”, afirma.
Elbia Gannoum reforça que não seria adequado realizar leilões para contratação de energia neste momento – esta semana o Ministério de Minas e Energia (MME) confirmou a prorrogação das concorrências, por prazo indefinido –, dada a brusca redução na demanda e o próprio fato de as atenções do setor estarem voltadas às medidas para atravessar a crise.
“Estamos em uma crise global de saúde em que há uma redução forte da demanda, que influencia na demanda de energia de forma geral e que, com certeza, também vai reduzir a demanda do segmento de eólica. O ano de 2020, definitivamente, não será um bom ano de contratação. E não há o que fazer, pois não há culpados”, afirma.
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De acordo com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a redução do consumo de energia pelas indústrias já caiu 18% desde o início das paralisações no país. A expectativa da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livre (Abrace) é que esta redução ultrapasse os 22%.
Distribuidoras, contudo, já enviam aos geradores notificações sobre evento de força maior, que pode afetar o cumprimento de contratos, de acordo com informações da Reuters, publicadas nesta quarta (1º).
Soluções que estão sendo negociadas entre governo, Aneel e empresas envolvem a abertura de linhas de créditos para compensar as perdas de fluxo de caixa das empresas – cogita-se repetir uma estratégia de 2014, quando foi formado um pool de bancos privados, com intermediação do governo, para socorrer distribuidoras em crise.
Há discussões também sobre o uso de recursos de fundos setoriais para bancar a conta de energia da população mais vulnerável. Na Aneel, estuda-se a formação de um “fundo covid-19”, transferindo recursos de investimentos obrigatórios em P&D e eficiência para ações emergenciais. Proposta do senador Marcos Rogério vai nessa linha, mas para ampliar a tarifa social.
Impactos nas obras de parques eólicos são pontuais
A Abeeólica está atuando junto a prefeituras para equacionar questões relacionadas ao andamento de obras de novos parques eólicos.
“Hoje a maior preocupação das geradoras eólicas é essa. Sabemos que isso se dá por força maior, então os atrasos na entrega dos parques não serão penalizados pela Aneel”, explica Elbia Gannoum. Em alguns municípios as obras já estão paradas por ordem de decretos municipais.
Há 32 parques eólicos em construção no Brasil para entrada em operação este ano, somando 1.067 MW de potência. Fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em fevereiro, aponta que 22 projetos estavam adiantados, dois em ritmo normal e oito apresentavam atrasos, mas sem problemas considerados graves.
“Temos mandado cartas para governadores e prefeitos apresentando nossos programas de segurança para os trabalhadores para que as obras continuem”, afirma.
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A entrevista completa com Elbia Gannoum, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica)
O governo acertou em postergar os leilões de energia?
O mercado já esperava por isso, por um questão básica: o leilão é sempre baseado nas declarações das distribuidoras. Como o país está em quarentena, o consumo de energia teve uma redução da ordem de 15%.
Sendo assim, se acontecesse um leilão agora não haveria demanda, uma vez que as distribuidoras iriam declarar bem baixo, porque também estão vivendo uma crise muito grande de caixa. E quando a demanda cai, o fluxo de caixa também cai.
Achamos prudente a postergação do leilão. Não faria sentido a realização do leilão, já que a demanda seria muitíssimo baixa, refletindo o estado de humor do mercado, que no momento não está bom.
Estamos em uma crise global de saúde em que há uma redução forte da demanda, que influencia na demanda de energia de forma geral e que, com certeza, também vai reduzir a demanda do segmento de eólica. O ano de 2020, definitivamente, não será um bom ano de contratação. E não há o que fazer, pois não há culpados.
Como a redução abrupta no consumo de energia está afetando os geradores?
Uma coisa é a redução de energia que está sendo consumida no mercado, que segundo Abrace terá redução de 22%. Se este evento tiver duração de 2 a 3 meses, essa redução ficará concentrada no evento. O fato é que não sabemos a duração do evento. Pode ser de seis meses ou um ano, agora é um jogo da adivinhação.
Por enquanto, uma coisa é a redução do mercado, outra coisa é a redução da contratação futura, e uma terceira coisa é a eventual redução contratual, que é uma discussão que está acontecendo agora.
A redução este ano para as contratações futuras também é fato, pois irá refletir o humor do mercado. Entretanto, a redução de volume contratual, que são os contratos bilaterais entre um gerador e um consumidor, ou entre um gerador e uma comercializadora, irá acontecer, mas envolvendo questões jurídicas, pois se trata de um contrato. Será necessário que os geradores, comercializadores e consumidores sentem na mesa, com seus contratos, para discutir e negociar o que farão com essa redução temporária.
E é temporária porque quando a economia retomar seu ritmo, a sonhada normalidade, essa energia contratada será novamente consumida.
Os geradores já estão sendo afetados agora. Algumas empresas consumidoras já mandaram notificações aos geradores alegando força maior. O próximo passo será a negociação. O fato é que houve uma redução da demanda, porém, como isso será tratado no ambiente livre, dependerá de cada contrato.
Neste clima, eu acredito que não haverá nenhuma contratação, hoje, para o futuro. Ninguém vai discutir o futuro, uma vez que o presente está trazendo problema. É possível que as pessoas posterguem as negociações de contratos futuros.
As distribuidoras estão conversando com governo e Aneel sobre possíveis medidas para atravessar essa crise. O setor eólico também terá necessidade de um socorro, o que está sendo dialogado com o governo?
Cerca de 90% dos contratos que as eólicas têm em carteira é no ambiente regulado com as distribuidoras. As distribuidoras já estão, há algumas semanas, discutindo com o governo, porque elas terão um impacto muito grande e irão precisar de um socorro. Este é um problema na venda, na distribuição. O gerador não tem nada a ver com isso e não deve ser impactado.
Neste pacote que está sendo discutido do ambiente regulado, está se analisando uma solução para as concessionárias de distribuição, em que elas pagarão o gerador normalmente. Os geradores que têm contrato regulado com distribuidoras serão blindados deste problema.
O problema não é na conta da geração, mas sim na conta da distribuição. Na solução que o governo está formulando o gerador não sofrerá nenhum impacto. O governo está com todo cuidado, e tem absoluta clareza de que não deve contaminar o segmento de geração, e não o fará.
A pauta dos geradores eólicos é neste sentido. Enviamos uma carta tanto para Aneel quanto para o governo mostrando as razões pelas quais devemos ser blindados.
Nesse cenário, qual o impacto da crise no gerador eólico?
Estamos construindo parques neste momento, no Nordeste principalmente. Muitos decretos municipais estão mandando parar as obras. Estamos gerenciando este problema justamente agora. Temos mandado cartas para governadores e prefeitos apresentando nossos programas de segurança para os trabalhadores para que as obras continuem.
Em alguns municípios já estamos com obras paradas. O efeito disso não dá pra dizer agora, pois não podemos saber o tempo de paralisação. Hoje a maior preocupação das geradoras eólicas é essa. Sabemos que isso se dá por força maior, então os atrasos na entrega dos parques não serão penalizados pela Aneel.
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Existe um risco de excesso na oferta de energia ao ponto de afetar a geração eólicas?
O operador [ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico] resolve isso. Na base de geração, coloca a hidrelétrica, a eólica, a nuclear e depois térmicas. O operador consegue controlar perfeitamente o que ele vai gerar.
Como estamos precisando guardar água nos reservatórios, pois eles estão em baixa, o operador pode desligar alguma hidrelétrica para acumular água, e pode fechar na base alguma eólica – a ordem de mérito. O que vai acontecer efetivamente em termos de operação é que haverá poupança de água e não se recorrerá a recursos térmicos que são mais caros. Assim o PLD [preço de liquidação das diferenças] ficará sempre no piso, como está hoje. Ninguém vai jogar energia fora.
Por possuir uma capacidade de construção mais rápida, acredita que no pós-crise, a implantação de plantas eólicas poderia ser uma oportunidade de investimentos?
Se no pós-crise for necessária uma capacidade instalada muito rapidamente, é possível fazer isso com a eólica e solar. Mas eu não vejo essa necessidade, porque antes da crise, já estávamos com sobra de 6 gigawatts médios e se a demanda esticar muito, ainda vai encontrar esses 6 gigawatts. Não acredito que precisaremos sair correndo para fazer obras, pois já temos uma reserva grande de potência.
Com a paralisação da indústria chinesa, o segmento eólico corre riscos na falta de suprimentos e equipamentos para suas plantas?
Temos uma indústria 80% nacional e outros 20%, que vem de fora. Temos uma dependência da China muito baixa. Não acho que isso vá atrapalhar nossa indústria, já que a nossa capacidade produtiva está muito internalizada.
Consegue descrever um cenário para o segundo semestre, ou 2021?
Podemos partir do princípio que vamos ter uma retomada, no segundo semestre, com a volta dos leilões e normalização da demanda. E só partir daí, vamos ter a capacidade de fazer cenários para 2021. Hoje, não faz sentido, e nem seria honesto, falar em cenários no meio de uma crise desse tipo.
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