RIO — Na avaliação da presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Elbia Gannoum, a contratação compulsória de termelétricas a gás natural pode comprometer de maneira irreversível o desenvolvimento das energias renováveis no Brasil.
“Estamos enfrentando uma escassez de demanda no Brasil e estamos tendo que reinventar a demanda e observar oportunidades. A manutenção da contratação dessas térmicas vai enterrar de vez a indústria de renováveis no Brasil. Não há como sobreviver”, disse Gannoum em entrevista à agência eixos.
A preocupação com a obrigatoriedade de contratação de 4,25 GW de térmicas a gás até 2031 se intensificou com a expectativa de que o Congresso derrube o veto presidencial à inclusão dessas usinas na lei 15.097/2025, que regulamenta a geração eólica offshore no Brasil.
“Vamos lutar muito contra esses jabutis, porque, de fato, se eles forem mantidos, não dá para falar em retomada de economia, e do Brasil liderando a transição energética. Esqueça, não há hipótese”, alertou a presidente da Abeeólica.
O Brasil vem enfrentando um cenário de sobreoferta de energia que tem levado a cortes em níveis recordes na geração solar e eólica e pressionado os custos e a rentabilidade dos projetos de geração renovável no país.
Riscos para o hidrogênio verde e data centers
Entre as demandas esperadas para reativar os investimentos em renováveis no Brasil, duas podem ser diretamente afetadas pelas derrubada do veto, o hidrogênio verde e os data centers.
“Essas térmicas, essa contratação forçada é um desastre para o planejamento energético brasileiro em todos os aspectos”, diz Gannoum.
Estudo da consultoria PSR aponta que a contratação obrigatória das térmicas pode levar o grid brasileiro a deixar de ser 90% renovável.
Isso prejudicaria o potencial brasileiro de hidrogênio verde e derivados, que dependem de um grid predominantemente renovável para serem competitivos internacionalmente, principalmente no caso de exportação para a União Europeia.
Além do impacto direto sobre nos investimentos na geração eólica e solar, a medida também representa um entrave para outros projetos estratégicos do setor, como a atração de data centers para o Brasil por meio do conceito de powershoring, isto é, consumidores eletrointensivos que buscam regiões com energia limpa e barata para instalarem suas atividades.
Agenda legislativa
“O tema sobre data center tem pelo menos dois projetos circulando no Congresso. Vamos trabalhar para que tenhamos uma regulação atrativa para o powershoring”, destaca Gannoum.
Um deles, o PL 2.338/2023, marco da IA aprovado no Senado Federal, estabelece que o desenvolvimento, implementação e uso da IA no Brasil tenha a proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento ecologicamente equilibrado entre seus fundamentos.
De acordo com a Fazenda, a intenção é promover o “desenvolvimento responsável” da IA e atração de data centers sustentáveis, aproveitando o potencial de energia renovável do país para impulsionar a produtividade econômica.
“Se o Brasil tiver uma regulação muito restrita em comparação com a norte-americana ou europeia, nós não vamos conseguir atrair os data centers para casa”, comentou Gannoum.
Outra pauta é a produção nacional de fertilizantes verdes, que depende do avanço da indústria de hidrogênio verde.
A entidade também busca, dentro do projeto de lei 699/23 que trata do Profert, incentivos para estimular a produção interna de fertilizantes, a partir da amônia verde, e reduzir a dependência de importações.
“No nosso caso, a amônia verde é extraída do processo de eletrólise também, que é a partir da energia renovável. Têm os estímulos financeiros na lei do hidrogênio, mas o que está se procurando são alguns incentivos para a produção da amônia”, afirmou a presidente da Abeeólica.
Nas contribuições enviadas à consulta pública, aberta pela Fazenda, para regulamentação de subsídios no marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, a Abeeólica defende a criação de incentivos para substituição de combustíveis fósseis e de importações pelo hidrogênio, como a exemplo da indústria de fertilizantes.
“Sugerimos a criação de mandatos mínimos para uso energético em mercados já existentes e possibilidade de injeção em gasodutos (…) O Brasil possui um grande mercado potencialmente consumidor de hidrogênio e derivados, mas é preciso incentivos para essa indústria substituir insumos e combustíveis fósseis”, defende a entidade.
Outras frentes da associação no Congresso incluem esforços na discussão da regulamentação da reforma tributária, do fim da concessão de subsídios para “tecnologias amplamente conhecidas”, e da abertura do mercado livre.