Energia

Entraves regulatórios para expansão do GNL na transição energética

Regulação por si só não basta, é necessária uma atuação conjunta de agentes públicos e privados para a expansão do uso do gás no Brasil, escrevem Rodrigo Botão e Hirdan de Medeiros Costa

Entraves regulatórios para expansão do GNL na transição energética. Na imagem: Rede de dutos e trabalhador branco, uniformizado e com capacete de segurança em área de produção terrestre de petróleo no Poço Candeias, na Bahia (Foto: Saulo Cruz/MME)
Outro aspecto relevante remete ao não compartilhamento de infraestruturas consideradas essenciais, como UPGNs e Terminais de Regaseificação de GNL (Foto: Saulo Cruz/MME)

Estamos vivendo a era das grandes transformações e esse contexto inclui a forma como produzimos e consumimos energia.

O aumento populacional, a preocupação global com a preservação dos ecossistemas e a necessidade de redução das emissões de GEEs são os fatores que têm motivado essas mudanças.

Assim, a utilização de novas tecnologias tem proporcionado o aumento da eficiência energética e a maior utilização de fontes de energia como o gás natural, além do incremento do uso de energia eólica e solar.

O gás natural é considerado um energético estratégico, por ser uma fonte primária disponível, de menor impacto ambiental quando comparada a outras fontes fósseis — inclusive, com menores emissões de GEEs na combustão.

Gás e renováveis na transição energética

EUA e China são exemplos na redução de emissões por meio de maior utilização deste energético em substituição, principalmente, ao carvão mineral.

Os custos de energia solar e eólica caíram drasticamente em regiões como EUA, Reino Unido e na Europa.

A energia eólica se tornou economicamente mais viável que as energias de matrizes que operam com níveis elevados de carbono, o que proporcionou o aumento da inserção deste tipo de fonte de energia, assim como da energia solar, nas matrizes energéticas mundiais.

A AIE (Agência Internacional de Energia) em suas análises sobre o mercado de energia, prevê um aumento da capacidade total de energia renovável de 50% entre 2020 e 2021. Diante disso, as concessionárias de energia iniciaram uma rápida transição energética, tendo como foco a substituição do carvão em seus processos.

As empresas do setor de óleo e gás estão acelerando os investimentos e diversificando seus portfólios de energia renovável e de baixo carbono em resposta às preocupações crescentes com as mudanças climáticas.

Estrutura do mercado favorece importação de GNL

O Brasil é considerado um país de matriz bastante “limpa” se comparado a outras economias mundiais devido à parcela expressiva de utilização de fontes renováveis, o que o coloca, sob a perspectiva da produção de energia, em uma posição de vanguarda no processo de transição energética.

Entretanto, a limitação no aumento da geração hidrelétrica e a característica de intermitência das fontes solar e eólica, que vêm gradualmente ocupando fatias maiores em nossa matriz elétrica, abrem espaço para o investimento na geração térmica a gás natural como alternativa tecnológica capaz de viabilizar maior segurança energética e geração elétrica na base, o que demonstra o papel importante do gás natural no processo de transição.

Por aqui, o aumento do consumo de gás natural tem sido impulsionado pela maior aquisição do GNL devido a flexibilidade dos contratos no mercado spot visto que atualmente, grande parte do volume comercializado no país ocorre por meio de contratos de compra e venda de gás natural celebrados entre a Petrobras e as distribuidoras de gás canalizado.

Do ponto de vista regulatório, a nova Lei do Gás trouxe responsabilidade à União, por meio do Ministério de Minas e Energia, de buscar a harmonização da indústria de gás natural no país, mas essa iniciativa ainda não foi objeto de regulamentação.

Com isso, a regulação destas atividades é imprescindível, no tocante, por exemplo, à determinação das tarifas relativas à movimentação do produto, quanto ao livre acesso a estas instalações, com finalidade de evitar atitudes oportunistas do agente monopolista, visto como necessário para a atividade de transporte de gás natural e que faz a conexão entre os produtores e as distribuidoras de gás natural.

Entraves regulatórios: a necessidade de harmonização entre União e estados

Em virtude do desenho constitucional supramencionado, vislumbra-se um cenário de múltiplos entes competentes em matéria de regulação das infraestruturas de gás natural: (i) a União, por meio da ANP; e (ii) os estados e o Distrito Federal, por meio de suas entidades constituídas para essa finalidade.

Atualmente a ANP entende que a movimentação de gás via GNC e GNL é de competência da União, alguns Estados da Federação possuem normas específicas para tratar esses assuntos, em São Paulo, há deliberação sobre redes locais via GNC, por exemplo.

E, para os usuários finais, observa-se a regulação conjunta da esfera federal e estadual, com isso, aumenta-se a importância de atuações uniformes em prol do desenvolvimento do mercado.

Outro aspecto relevante remete ao não compartilhamento de infraestruturas consideradas essenciais, como Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGN) e Terminais de Regaseificação de GNL, fator apontado como limitador de novos entrantes na comercialização de gás natural, restringindo a competição e o acesso ao mercado, permitindo a verticalização da indústria e a sua monopolização.

Para estas infraestruturas essenciais, especificamente as destinadas ao escoamento, ao processamento e os terminais de GNL, abriu-se o livre acesso, ou seja, a negativa de compartilhamento não poderia ser discriminatória, mas negociada entre as partes, sujeitando-se a mediação da ANP em caso de conflitos (art. 28 da Lei nº 14.134/2021).

Importante citar que durante a vigência da lei anterior não era obrigatória a permissão de acesso, tampouco de negociação a essas infraestruturas (art. 45 da Lei nº 11.909/2009)

Os dados de oferta mostram claramente a concentração do gás nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. O que acarreta a perda de oportunidade de um maior consumo de gás em diversos estados da federação.

Dessa forma, observa-se que a regulação por si só não é a única forma de solucionar os problemas do mercado, é necessária uma atuação conjunta de agentes públicos e privados para a expansão do uso do gás no Brasil.

Na etapa de comercialização enxerga-se um movimento legislativo relevante em prol de harmonização de regras com patamares equivalentes ou próximos de volume mínimo de gás para ingresso no mercado livre de diversos estados.

A agenda da regulação entrou em pauta em diversos estados e desde a publicação da  nova Lei do Gás, exemplos como Ceará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte publicaram suas leis estaduais de gás.

Outros estados como Paraná, Maranhão e Pernambuco diminuíram os volumes mínimos para ingresso no mercado livre.

Harmonização regulatória e liberdade de atuação

Todos esses movimentos demonstram aprimoramentos regulatórios, em prol do desenvolvimento do mercado e pela diminuição de conflitos judiciais.

A necessidade de harmonização da regulação nos âmbitos federal e estadual e a maior liberdade de atuação dos agentes em um mercado menos monopolizado ainda é uma questão latente.

Neste contexto, a maior facilidade de expansão da demanda por gás natural através do GNL pode acelerar mais o processo de transição energética para uma matriz mais limpa, reduzir os custos de transação ao longo da cadeia e permitir que novos players adentrem o mercado.

Assim, torna-se clara a necessidade de se modernizar o arcabouço regulatório do setor de gás e energia, importante como atrativo de investimentos privados e modelos de negócios inovadores, que em geral têm mais resultados em um ambiente juridicamente favorável e que viabilize projetos de geração através de fontes mais limpas.

As estratégias de longo prazo precisam ter foco na atração de capital, evitando os contratos de risco com maior emissão de GEEs, fatores que podem acarretar perdas financeiras para os potenciais investidores.

Com as alterações regulatórias da nova Lei do Gás que visam ampliar a concorrência no mercado de gás natural, o Brasil tem a chance de aproveitar o seu potencial de oferta de energia através da geração de energia de base menos intermitente e menos dependente da necessidade de construção de gasodutos que exigem elevados aportes de capital.

Deve-se considerar também a necessidade de maior geração de energia elétrica, não apenas de aumento da capacidade, mas de maior armazenamento energético.

A complexidade dos sistemas geradores de energia advém do monitoramento e equilíbrio que deve haver entre oferta e demanda, neste cenário a vantagem da flexibilização da geração térmica a gás natural (inclusive GNL) pode dar maior segurança ao sistema de fornecimento, impedindo o colapso no longo prazo e contribuindo para a utilização de uma matriz de fonte mais limpa.

Opinião

Rodrigo Pereira Botão é pesquisador PRH 33.1, Consultor O&G. Mestre em Energia & Ambiente, Doutorando em energia pelo IEE/USP

Hirdan Katarina de Medeiros Costa é professora e Pesquisadora PRH 33.1. Mestre, doutora e pós-doutora em energia pelo IEE/USP