O potencial brasileiro de energia limpa não explorado pode nos colocar entre os protagonistas globais de armazenamento e processamento de dados, com a atração de investimentos bilionários em data centers.
Mas é necessária uma análise clara quanto aos benefícios socioeconômicos que esses sistemas podem proporcionar ao país vis-à-vis outras oportunidades de aproveitamento do nosso potencial de energia renovável e outros investimentos em infraestrutura.
Atualmente, os Estados Unidos lideram o segmento, com 5.381 unidades instaladas, que representam 45,6% do total mundial. O Brasil ocupa a 13ª posição, com 163 data centers, mas a tendência é de crescimento acelerado nos próximos anos, consolidando o país como um polo regional dessas infraestruturas.
Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que apenas os novos projetos protocolados junto ao Ministério de Minas e Energia resultem em uma carga adicional de 2,5 GW até 2037.
Os contratos de energia para esses sistemas devem ser provenientes principalmente de geração eólica e solar.
O problema é que o custo baixo desses geradores diz respeito apenas à instalação e operação das usinas: não considera que, devido à sua variabilidade, não têm condições de atender sozinhos a cargas com demanda 24 horas por dia, sete dias por semana.
Exigem, portanto, a retaguarda do Sistema Interligado Nacional (SIN) quando não há vento ou sol, utilizando energia das demais fontes do sistema, inclusive térmicas. Ou seja, o custo e o impacto ambiental da energia usada tendem a ser muito superiores ao dos MWh que as renováveis se comprometem a entregar.
Também tem de ser incorporados os demais investimentos em infraestrutura necessários para os sistemas. Em termos de transmissão de energia, é importante observar que a expansão da geração se concentra no Nordeste, enquanto boa parte dos data centers estão programados para os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, como indicado pelo estudo da EPE.
Por isso, a mesma análise projeta investimentos de R$128,6 bilhões para a construção de 30 mil km de novas linhas de transmissão e 82.000 MVA em novas subestações até 2034, incluindo reforços para evitar impactos na estabilidade do sistema e garantir que a alta demanda dos data centers não sobrecarregue a rede, comprometendo o fornecimento para os demais consumidores.
“Certamente o Brasil pode participar de forma competitiva da expansão dos sistemas de armazenamento de dados com baixas emissões de carbono. Mas é necessário um planejamento que contemple seus riscos e benefícios, bem como contrapartidas regulatórias para limitar ou ao menos compensar seus efeitos em termos de infraestrutura e meio ambiente.”
Além disso, a demanda adicional de infraestrutura deve afetar segmentos como estradas e redes de fibra ótica, entre outras, sem necessariamente beneficiar de maneira proporcional os locais de instalação.
O planejamento relativo aos data centers também tem de contemplar seus impactos socioambientais. Além da poluição sonora e do gasto significativo de energia, podem intensificar a formação de ilhas de calor urbanas.
O resultado é uma demanda ainda maior de energia para o seu próprio resfriamento, processo que tem o agravante de depender, em muitos casos, de equipamentos com gases como hidrofluorocarbonetos (HFCs), com potencial de aquecimento global milhares de vezes superior ao do CO₂, bem como de enormes volumes de água.
Desenvolvimento socioeconômico
O entusiasmo em relação à tecnologia exige ainda uma análise cautelosa de até que ponto esses é o melhor destino, em termos socioeconômicos, para se encaminhar nossos recursos: evidentemente que, em termos planetários, é muito melhor que os data centers operem majoritariamente com energia de baixas emissões de carbono, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas.
Até porque hoje esses sistemas já representam cerca de 4% das emissões globais de gases de efeito estufa, um número que pode dobrar até 2030, segundo dados do Visual Capitalist.
Mas, no caso brasileiro, o uso da energia renovável para descarbonizar processos produtivos dependentes de combustíveis fósseis — como os da indústria pesada — teria a mesma relevância em termos de mudanças climáticas, só que com potencial de retorno socioeconômico muito superior.
Afinal, há uma demanda global crescente por produtos feitos com baixas emissões, de modo que o uso do nosso potencial de energia limpa nessa direção poderia gerar mais empregos e agregar valor aos recursos nacionais, com resultados superiores em termos de expansão da economia.
Certamente o Brasil pode participar de forma competitiva da expansão dos sistemas de armazenamento de dados com baixas emissões de carbono. Mas é necessário um planejamento que contemple seus riscos e benefícios, bem como contrapartidas regulatórias para limitar ou ao menos compensar seus efeitos em termos de infraestrutura e meio ambiente.
Mais, se queremos aproveitar esses recursos de uma forma que colabore para o nosso crescimento, não podemos perder de vista que a descarbonização industrial pode proporcionar resultados mais favoráveis para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Clauber Leite é diretor de Energia Sustentável e Bioeconomia do Instituto E+ Transição Energética.