Energia

Transporte, comercialização e monetização do gás do pré-sal: perspectivas para constituição de um hub de gás na costa fluminense

Artigo por Aurélio Amaral e Erick Diniz

Vista geral do navio-plataforma Cidade de Angra dos Reis, primeiro sistema definitivo de produção instalado na área do campo Lula (ex-Tupi), para exploração da camada pré-sal da Bacia de Santos. (Foto: Divulgação/Petrobras)
Vista geral do navio-plataforma Cidade de Angra dos Reis, primeiro sistema definitivo de produção instalado na área do campo Lula (ex-Tupi), para exploração da camada pré-sal da Bacia de Santos. (Foto: Divulgação/Petrobras)

Diante de uma série de incentivos para a implementação de um mercado de gás dinâmico, aberto e competitivo, alterações regulatórias e competitivas foram colocadas em prática.

De um lado, o novo marco regulatório e seu decreto regulamentador pretenderam trazer maior segurança jurídica, transparência, menores custos de transação e mitigar as falhas de mercado dessa indústria.

De outro, o plano de desinvestimentos da Petrobras, ao seguir as recomendações propostas no TCC assinado com o CADE, mitigou a posição dominante da referida empresa, permitindo a entrada e expansão de outros atores.

Ainda assim, por mais que tanto a regulação como a concorrência tenham especial importância para a concretização de todo esse processo de abertura competitiva, há imprescindibilidade de se endereçar, também, a monetização do gás do pré-sal.

Em termos de reservas, grande parte do gás encontrado em águas ultra profundas é associado ao petróleo e apresenta significantes volumes produtivos.

Ainda assim, um percentual significativo desses recursos não chega nem mesmo a ser comercializado.

Na prática, a reinjeção tem sido recorrente, a exemplo do Rio de Janeiro, onde cerca de 28 milhões m³ por dia de gás foram reinjetados em 2019, volume que ultrapassa o total de gás importado pelo Brasil em 2019, conforme dados da ANP.

Nesse cenário, indaga-se como garantir a monetização desse gás em detrimento de sua reinjeção?

Em um primeiro momento, deve-se salientar que a opção dos operadores pela reinjeção decorre não só de motivos econômicos, como também operacionais e ambientais.

O teor de CO² em reservatórios do pré-sal e a manutenção de pressão nas formações são alguns fatores que justificam tal prática, de modo a evitar a emissão de gases poluentes e garantir uma melhor recuperação final do óleo.

Desse modo, se evidencia o contraste entre a produção bruta e produção líquida de gás, sendo apenas a última correspondente ao volume disponível ao mercado.

Com o intuito de alcançar respostas para a pergunta evidenciada no presente ensaio, o BNDES realizou um estudo em conjunto com os produtores e chegou a conclusão de que, superadas as questões de viabilidade técnica dos campos produtores, a monetização do gás do pré-sal dependeria:

(a) da criação de demandas âncoras e da diversificação do mercado consumidor;

(b) de instrumentos de proteção adicional para manutenção do fluxo regular de gás e do balanceamento das infraestruturas de escoamento.

Desse modo, a referida instituição coloca que o aproveitamento do volume excedente de gás natural no pré-sal requererá investimentos em infraestrutura de escoamento, processamento, transporte e distribuição, na ordem de R$10 a 12 bilhões em cinco anos e, dentre esse e outros motivos, ela estabeleceu o programa gás para o desenvolvimento, com o intuito de possibilitar linhas de crédito para os diferentes elos dessa indústria, seja na demanda como na oferta.

Nesse contexto, qual a contribuição trazida pela Nova Lei do Gás para implementação desse cenário de monetização?

Para fins metodológicos, escolhemos apenas abordar três pontos regulatórios implementados pela nova lei do gás, pelo fato de os julgarmos mais relevantes para a monetização do gás do pré-sal, quais sejam:

(a) o acesso não discriminatório a infraestruturas essenciais;

(b) o transporte no modelo de entrada e saída e;

(c) a comercialização em mercados organizados.

De todo modo, outros pontos como: a volta do regime autorizativo para a outorga de gasodutos, a desverticalização da cadeia de gás natural e a harmonização das regulações federais e estaduais são fundamentais para o alcance da maturidade de mercado e, portanto, contribuem para esse cenário.

Quanto ao primeiro, o acesso negociado tanto às infraestruturas de escoamento como as UPGNs, e aos terminais de GNL permite a criação de novas oportunidades de negócios para produtores, o que potencializa a oferta do gás ao mercado.

Ciente desse potencial maior escoamento da produção líquida de gás, a constituição do mercado de capacidade no modelo de entrada e saída pretende garantir maior liquidez e fungibilidade a esses recursos.

Tal modelo visa permitir que o gás injetado possa sair em qualquer ponto de sistema, garantindo maior flexibilidade para os carregadores, cujo ápice seria exemplificado pela constituição de um ponto virtual de negociação, local de referência para a troca de titularidade desse ativo.

Saliente-se, de todo modo, que as transações de entrada e saída podem ser efetuadas independentemente e a gestão do transporte exige ações de planejamento e balanceamento, de modo a garantir sua execução segura e eficiente e, por isso, o novo marco regulatório cria a figura do gestor do mercado de capacidade.

Implementado tal modelo de transporte, a expectativa é de que contratos de curto prazo comecem a ser implementados, fomentando o desenvolvimento de mercados secundários de molécula e transporte, de modo a evitar a ociosidade dos recursos e a perda de oportunidades comerciais.

Para tanto, Amanda Tavares coloca a necessidade de superar alguns desafios, quais sejam: a definição de códigos comuns de rede entre as transportadoras e o desenvolvimento de sistemas, os quais podem ser potencializados pela existência de gargalos físicos e contratuais da rede de transporte.

Superados tais desafios e sedimentado o mercado de capacidade, a expectativa é de que as transações comecem a apresentar maior liquidez e competitividade, ensejando a implementação de modelos organizados de comercialização, na forma de hubs, locais onde há grande concentração de negociações e tanto o gás como outros serviços são oferecidos de forma padronizada.

Agora, por mais que a o novo marco legal tenha trazido expectativas positivas para a oferta, transporte e comercialização de gás, como endereçar a expansão da demanda e dos investimentos em infraestrutura, ações necessárias para monetização do gás do pré-sal, na visão do BNDES?

Nesse ponto, releva-se o papel do Novo Mercado do Gás, ao promover estratégias negociais com os Estados.

Para tanto, defendemos uma postura de fomento ora pelos Estados ora pelos Municípios, seja por meio da constituição de incentivos fiscais como pelo estabelecimento de parcerias público privadas, para fins de construção e expansão das infraestruturas necessárias a essa indústria.

De um lado, tais incentivos tributários favoreciam a entrada de novos atores que consumiriam essa oferta de gás e expandir-se-iam as metodologias logísticas desse insumo como o GNC, GNL, GLP; o consumidor final seria livre para escolher a opção que melhor o favorecesse.

De outro, a utilização de recursos advindo de fundos soberanos decorrentes dos royalties ou do próprio orçamento público podem ser opções viáveis para realizar investimento em infraestruturas, principalmente aquelas com altos prazos de maturação.

Na prática, novos investimentos já começam a ser implementados e  outros estudados na região fluminense, a exemplo da expansão do polo GASLUB em Itaboraí com a potencial construção de uma planta de processamento de lubrificantes em sintonia com a REDUC em Duque de Caixas, a  finalização em 2022 do Projeto Integrado Rota 3 – que inclui uma UPGN e um gasoduto – e a avaliação da construção de uma térmica da Petrobras em parceria de outros investidores para geração de energia a partir do gás processado na referida UPGN.

Por sua vez, em Macaé, a Marlim Azul pretende finalizar em 2023 a construção de uma térmica a gás.

Por fim, não há como negar o relativo sucesso do Novo mercado de Gás e dos incentivos postos pelo novo regulatório na região fluminense.

Por mais que o alcance da maturidade de mercado seja um processo, o diagnóstico tem demonstrado resultados concretos e positivos.

Desse modo, o prognóstico que se coloca é a potencial concretização de um Hub de gás na região, para tanto, a coordenação entre atores públicos e privados será fundamental.

Aurélio Amaral é ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

Erick Diniz é mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio e advogado