A covid-19 e as crises socioeconômicas provocadas pela pandemia em todo o mundo vêm fazendo governos e grandes companhias de variados segmentos produtivos voltarem ainda mais seus olhares para dois aspectos essenciais do desenvolvimento sustentável.
É cada vez mais evidente que precisamos acelerar a transição energética como caminho para a economia de baixo carbono. É também crucial que as empresas incorporem incessantemente em suas culturas organizacionais aspectos ambientais, sociais e de governança – reunidos na sigla “ESG”.
Contudo, pouco tem se falado sobre o que essa necessária transformação na geração e no consumo de energia e no modo de ação e de produção das corporações irá causar no mundo do trabalho.
Ou seja, apesar de ter sido incluído no Acordo de Paris, em 2015, o conceito de transição justa – que, de forma simplificada, visa garantir que ninguém fique para trás nessa “revolução verde”, incluindo trabalhadores e trabalhadoras – ainda é mais uma utopia do que uma realidade.
Uma importante prova desse paradoxo está no setor de petróleo e gás natural, que certamente será um dos mais impactados com a transição energética e também produtiva.
É o que mostra um estudo feito pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) para a IndustriAll, federação sindical global que representa cerca de 50 milhões de trabalhadores de diferentes setores em mais de 140 países.
O levantamento aponta que são ainda raras as iniciativas das companhias de petróleo para preparar seus trabalhadores para as mudanças, seja por meio de qualificação para as transformações no trabalho, seja na incorporação de um discurso de sustentabilidade que vá além do ambiente profissional.
Como efeito dessa inação, entre os empregados prevalece o ceticismo quanto às transformações do mercado de trabalho.
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Não há dúvidas sobre o imenso impacto nas formas de trabalho e nas carreiras profissionais que as revoluções verde e digital já estão trazendo.
Entretanto, quando as companhias – incluindo as de óleo e gás – anunciam planos para acelerar sua descarbonização energética e produtiva, ou ações para sua adaptação aos conceitos relacionados a ESG, pouco se vê o que planejam fazer para que as pessoas que hoje atuam em segmentos produtivos ambientalmente impactantes sejam incorporadas às novas e futuras formas de produção.
Em geral, o que se observa são cortes de postos de trabalho, com eventuais contratações de especialistas nas áreas “verdes”, mas nunca em número equivalente. Ou seja, em vez de terem na transição energética e produtiva uma oportunidade de requalificação profissional e de incorporação de conceitos de sustentabilidade além de suas atividades profissionais, o que se apresenta é o receio, por parte dos trabalhadores, de que esse processo seja uma ameaça à garantia de sua sobrevivência.
E tal sentimento se tornou ainda maior com a pandemia, que vem dizimando empregos, além de milhões de vidas no Planeta.
Quando olhamos apenas para o Brasil, em particular para a Petrobras, a preocupação é ainda maior.
Na contramão de diversas outras grandes petroleiras no mundo, a estatal está abandonando todos os seus projetos de investimentos em fontes renováveis de energia, vendendo usinas eólicas e sua produtora de biodiesel, a Petrobras Biocombustível.
Um balde de água fria tanto no processo de limpeza da matriz energética do país como na formação de profissionais em áreas “verdes”, bem como na requalificação de seus atuais trabalhadores.
Se é inegável que precisamos alterar nossas formas de produzir e consumir energia para salvar nosso futuro, é também inegável que essa transformação não será bem-sucedida se não lembrar que, por trás dos números, há pessoas – é disso que se trata a transição justa.
E quando falamos de pessoas, falamos de gente que hoje desenvolve trabalhos que poderão perder importância com o tempo, mas que precisa ser incorporada ao novo mundo do trabalho.
Sem considerar as pessoas, não teremos uma transição, no sentido estrito da palavra, de “trajeto”, de “passagem de um estado para outro”. Viveremos, sim, processos de exclusão, cuja conta continuará sendo paga por quem não tem como pagá-la. Uma transição, portanto, para lá de injusta.
Deyvid Bacelar é coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros – FUP
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