RIO — A Transportadora Associada de Gás (TAG) teme que a classificação do projeto Subida da Serra como gasoduto de distribuição abra precedentes para novos casos de bypass na malha de gasodutos de transporte e desequilibre, assim, o sistema.
Estimativas preliminares da companhia mostram que as tarifas de transporte para os usuários dos gasodutos de transporte podem subir 39% a partir de 2026, se vingarem novos casos de desconexão de clientes importantes — termelétricas, por exemplo.
A transportadora, controlada pela Engie, pede que a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aja como guardiã do modelo de sistema integrado e contenha a propagação do bypass na malha de gasodutos de transporte.
O bypass do transporte é classificado pela TAG como projetos que conectam fontes de suprimento diretamente a redes de distribuição ou a consumidores. No caso específico do Subida da Serra, a conexão do gasoduto ao Terminal de Regaseificação de São Paulo (TRSP), da Compass, controladora da Comgás, deve retirar 3,5 milhões de m3/dia da capacidade contratada do sistema de transporte, segundo a TAG.
Em entrevista à agência epbr, o diretor Comercial e Regulatório da TAG, Ovídio Quintana, critica a criação de “ilhas de gás” no mercado brasileiro — ou seja, o desenvolvimento de projetos desconectados da malha de gasodutos de transporte. E defende um modelo de mercado que priorize um sistema integrado, incentive a ampliação da infraestrutura de transporte e permita ao Brasil monetizar suas reservas de gás natural.
Em carta recém-enviada à ANP, a TAG mapeia potenciais êxodos de clientes que hoje estão conectados à malha de transporte — incluindo gasodutos da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG). O caso Subida da Serra, por exemplo, ocorre na malha da NTS.
A preocupação mais evidente é com o Subida da Serra e com as termelétricas. A TAG alerta é que há uma janela de descontratação de térmicas no ambiente regulado — a maioria dos casos entre 2023 e 2025.
Fora a possibilidade de que parte desses ativos não sejam recontratados, há riscos também de que algumas dessas usinas se conectem diretamente a fontes de suprimento que não existiam quando elas foram construídas, como os novos terminais de gás natural liquefeito (GNL).
A TAG estima que a perda de usuários existentes, se consideradas isoladamente (sem contar a expansão da malha), pode aumentar em 39% a tarifa de transporte para os demais carregadores, em relação ao cenário sem bypass, a partir de 2026 — justamente quando parte dos investimentos da TAG e NTS serão amortizados, ajudando a pressionar a tarifa da malha existente para baixo.
A TAG considera, ainda, que há um cenário em que o bypass do Subida da Serra pode atingir uma retirada de 12 milhões m³/dia no futuro. Neste caso, o impacto médio nas tarifas de transporte pode alcançar até 52% para os usuários remanescentes no sistema integrado.
Isso porque o sistema de transporte funciona como uma espécie de condomínio. A transportadora é remunerada pela infraestrutura por uma receita permitida, que é repartida entre os usuários. Se o número de carregadores (quem contrata a capacidade) cai, aumenta o valor a ser pago pelos demais.
“Se permitimos que os usuários façam uma série de projetos isolados, permitimos a diminuição desse denominador tarifário e a conta aumenta para quem fica. Por mais que nossa receita [anual permitida] possa cair em termos reais [com a amortização dos investimentos], nossa tarifa pode aumentar muito se o regulador não fizer esse papel [de proteção do sistema integrado]”, afirma Quintana.
Segundo a TAG, casos de bypass já identificados pela companhia poderiam causar um êxodo estimado de, ao todo, 34,7 milhões de m3/dia do sistema nacional.
A memória de cálculo das estimativas da TAG, porém, são mantidas sob sigilo, por questões de confidencialidade com outros agentes.
Subida da Serra em pauta na ANP
O alerta da TAG acontece em meio ao imbróglio sobre a classificação do gasoduto Subida da Serra — classificado como um ativo de distribuição pela agência paulista Arsesp, mas como um gasoduto de transporte pela ANP.
A diretoria da ANP pautou para a reunião desta quinta (12/1) a minuta de acordo para autorizar a operação do duto.
Conforme antecipado pelo político epbr, serviço exclusivo de cobertura de política energética, o diretor Fernando Moura costurou um acordo para que a Compass, controladora da Comgás, possa manter a conexão do gasoduto ao terminal de regaseificação de São Paulo.
O caso foi parar na Justiça Federal. A ATGás questiona a legitimidade das tratativas com a Arsesp, lideradas por Fernando Moura – que chegou a ser alvo de um mandado de segurança. A ação não vingou.
Na visão da TAG, ao acenar para um acordo com a Arsesp, no conflito federativo sobre a classificação do Subida da Serra, a ANP colocou em xeque a sua própria posição como mantenedora, regulamentadora e promotora do modelo de sistema integrado.
Para TAG, bypass desperdiça gás nacional
Além da questão do desequilíbrio tarifário do sistema, a TAG destaca que o bypass — quando associado aos terminais de GNL — traz perdas de eficiência na gestão do setor elétrico e no aproveitamento das reservas nacionais de gás.
A empresa faz críticas à eficiência do modelo de expansão da matriz baseado na importação de gás.
“É importante aprendermos com a crise [de segurança energética] da Europa. Estamos montados em reservas de gás e proliferando estruturas de GNL pela costa que são muito caras… Deveríamos focar em investimentos que valorizassem o gás nacional, que geram externalidades positivas: geram empregos, movimentam a indústria, além de royalties — que o GNL não paga”, comentou o diretor da TAG.
Discurso em linha com a defesa pelo aumento da oferta de gás nacional e redução de “desperdícios” — o debate da reinjeção.
Nos últimos anos, despontaram no Congresso pautas de incentivos à expansão da infraestrutura — primeiramente o Brasduto e mais recentemente o Proescoar.
Quintana acredita na continuidade da abertura do mercado, apesar de o gabinete de transição de governo ter sinalizado para a intenção de aumentar novamente a presença da Petrobras no setor e rever o acordo da estatal com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para desconcentração da indústria de gás.
“Acredito que temos um desafio grande de agirmos com os novos interlocutores de órgãos do governo, mas os fundamentos [da abertura] são tão evidentes que acreditamos que devem permanecer”, opinou.
O desafio de harmonizar os setores elétrico e de gás
O melhor aproveitamento do gás nacional passa, segundo a TAG, pela necessidade de uma melhor harmonização entre os planejamentos do setor elétrico e da indústria de gás.
Quintana alega que a atual falta de coordenação acaba levando à criação de “ilhas de gás” — termelétricas conectadas a terminais de GNL, sem ligação com a malha — e projetos gas-to-wire que “aprisionam” a molécula a fonte de suprimento de um único projeto, limitando a competição e alternativa de suprimento a outros agentes.
Esse tipo de modelo de geração impede que as transportadoras ampliem a malha — aumentando, assim, suas respectivas bases de ativos regulatórios e, por consequência, suas receitas.
No entanto, os benefícios de uma térmica conectada ao sistema de transporte integrado não consegue ser quantificada, muitas vezes, nos leilões de energia.
A TAG cita também a dificuldade de previsibilidade das tarifas futuras de transporte de gás, que não são reajustadas pelo mesmo indexador que a receita fixa dos leilões de energia — o que tira a competitividade de projetos que usem a malha de transporte.
A agenda regulatória
A transportadora sugere, então, uma agenda para estimular a harmonização entre os setores elétrico e de gás e composta por, dentre outros pontos:
- a criação de um processo mais célere para expansão de capacidade de transporte em atendimento à oportunidades de leilão de energia. Hoje, a contratação de capacidade incremental é por chamada pública;
- mecanismos de previsibilidade/indexação das tarifas de transporte para atendimento aos leilões
A TAG cobra da ANP também algumas pautas regulatórias que podem ajudar a coibir o bypass, dentre elas:
- a definição das características técnicas de diâmetro, pressão e extensão para gasodutos de transporte (destinado à movimentação de gás), conforme previsto na Nova Lei do Gás (14.134/2021);
- posicionamento claro da ANP junto às agências estaduais no sentido de coibir e contestar projetos de bypass;
- revisão da Resolução ANP 15/2014, sobre a metodologia tarifária para cálculo das tarifas de transporte.
Criatividade para o biometano
Além do êxodo da Comgás e de térmicas, a TAG também vê com atenção eventuais casos de bypass no biometano. Algumas legislações estaduais permitem, por exemplo, a conexão de plantas do combustível renovável às redes de distribuição.
A TAG sugere que a ANP analise soluções regulatórias específicas para viabilizar e impulsionar o acesso do biometano ao sistema integrado.
A natureza da produção do combustível renovável é descentralizada e o potencial é grande no interior do país, onde, em alguns estados, não há infraestrutura de gasodutos de transporte. Isso gera um desafio adicional para conexão do biometano ao sistema integrado, já que os volumes de produção do produto são muitas vezes insuficientes para viabilizar gasodutos.
A gerente de assuntos regulatórios da TAG, Cristina Sayão, afirma que é preciso buscar criatividade para o marco regulatório.
Uma das alternativas possíveis é agrupar volumes de vários pequenos produtores num hub, para depois conectar esse ponto de convergência à malha. Outra solução regulatória é estimular o swap operacional.
“O que não podemos é achar que não vai haver solução para ter acesso ao hub nacional”, disse.
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