Iniciada na 1ª rodada de licitações da ANP, em 1998, a Política de Conteúdo Local para o setor de petróleo e gás auxiliou na consolidação de uma grande indústria fornecedora de bens e serviços no Brasil.
Com trabalho sério e vultosos investimentos, a parceria entre petroleiras e fornecedores conseguiu modernizar importantes segmentos da cadeia, que hoje competem internacionalmente na produção de equipamentos de alta tecnologia – com destaque para o segmento subsea, que exporta para o mundo todo.
A trajetória da política teve muitos acertos, mas também erros que geraram passivos que prejudicam o bom andamento do setor. O principal deles foi o acúmulo de pesado potencial de multas, com previsão de cifras bilionárias, capaz de inviabilizar a continuidade das atividades das empresas e impactar negativamente a atratividade do upstream brasileiro. Nessas circunstâncias, perderiam as operadoras, os fornecedores e o país.
A ANP deu cabo de muitos dos passivos de conteúdo local. A Resolução ANP 726/2018, seguindo orientação política do CNPE e ouvindo todos os segmentos, permitiu às operadoras aderir, via aditivos contratuais, aos novos percentuais de conteúdo local para áreas em ambiente terrestre e marítimo. Os aditamentos destravaram os projetos e desanuviaram o ambiente.
Mesmo com alta adesão, entretanto, a Resolução da ANP não abarca casos nos quais a operadora encerrou a fase exploratória e devolveu o bloco à ANP – seja por não encontrar petróleo ou gás ou por ter declarado comercialidade. Desse modo, resta um estoque considerável de multas incorridas no passado, pois nesses casos as empresas, que alegam a impossibilidade de cumprimento de certos compromissos, não podem rever suas obrigações de conteúdo local.
Tal circunstância drenaria energia que poderia ser canalizada para novos investimentos em exploração e produção, a simples aplicação de multa geraria passivo às empresas e crédito de difícil recuperação a favor da União, dada a sua inaplicabilidade na maioria dos casos.
As demandas judiciais decorrentes não trariam benefícios às partes e durariam anos, trazendo custos processuais e econômicos ao país.
A ideia de analisar, caso a caso, e estudar a possibilidade de dar nova oportunidade às operadoras, permite que os recursos que seriam gastos com eventuais multas possam ser investidos de forma produtiva em novas aquisições de bens e serviços, gerando os benefícios que a política de conteúdo local originalmente esperava. Em vez de disputas judiciais, novos investimentos, compras junto à indústria brasileira, geração de emprego e aumento da arrecadação.
Para materializar a ideia, a ANP apresentou uma inovação: regulamentar a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta – TAC relativos ao descumprimento de compromissos de conteúdo local nos contratos não contemplados pela possibilidade de aditamento prevista na Resolução ANP 726/2018.
A Tomada Pública de Contribuições 9/2019 deu início ao processo para elaboração de minuta de TAC, descrevendo o histórico da implementação da política de conteúdo local e demonstrando as razões de interesse público da matéria a partir da análise de decisões recentes do Tribunal de Contas da União – TCU.
A ideia transforma o que poderia ser um grande litígio em uma nova matriz de oportunidade de investimento. Esse ato inaugura marco importante na indústria de petróleo e gás brasileira e representa a superação de um tabu, aquele de que os órgãos reguladores não poderiam realizar TAC’s, conceito consolidado pela nova Lei Geral das Agências.
Destaca-se da sugestão de norma, por exemplo, o caso de uma operadora detentora de áreas terrestres que tenha interesse em fazer sísmicas adicionais com conteúdo local. Nesse caso específico, haveria múltiplos benefícios:
i) para a própria petroleira, que obteria informação para a tomada de decisão;
ii) para a União, dona dos dados técnicos e que vai receber os frutos de uma produção maior e
iii) para os fornecedores desse serviço. Naqueles contratos onde não haja exigência de conteúdo local, como os da Rodada Zero, a operadora pode se comprometer em adquirir aqui bens e serviços necessários ao desenvolvimento complementar. Enfim, são muitas possibilidades, mas o importante é que sejam investimentos novos, com objetivos tangíveis e mensuráveis.
Entretanto, é preciso distinguir os contratos em cujo âmbito poderão ser celebrados TAC’s daqueles nos quais os compromissos firmados serão executados. Os contratos da Rodada Zero, por exemplo.
Apesar de não preverem percentuais mínimos de CL – portanto não são passíveis de multa –, poderão ter seus investimentos incluídos entre os compromissos de TAC’s referentes a contratos de outras rodadas. E também poderão ser computados compromissos totalmente desvinculados de áreas contratadas – como é o caso da compra de bens e serviços brasileiros para uso em operações no exterior e da aquisição de dados técnicos em área não contratada.
Ainda em relação a Rodada Zero, serão consideradas no TAC, quando da apresentação da proposta, apenas as aquisições que excederem o percentual de conteúdo local constante na Resolução mais recente do CNPE para ambiente equivalente ao do bloco ou campo referido.
Isso porque em uma atividade como de revitalização, possivelmente já prevista, algum conteúdo local seria naturalmente realizado em função das condições de competividade em determinados segmentos dos fornecedores brasileiros. Pois seria improvável não utilizar nenhum bem ou serviço nacional em atividades dessa natureza.
Os efeitos da proposição já são visíveis antes mesmo da sua aplicação. O último Outlook da FGV, por exemplo, prevê que o aproveitamento dos TAC’s, associado a condições adequadas de financiamento, podem contribuir para a retomada da indústria e a melhoria da arrecadação de estados em crise, como é caso do Rio de Janeiro.
A resolução que permitirá o TAC é exemplo de como a regulação pode ajudar no equacionamento de problemas do setor de óleo e gás e que nasce da ação criativa que leva em conta circunstâncias sociais e econômicas do momento e pode, com eficiência e segurança jurídica, destravar setores da economia. Nada melhor do que se buscar um ponto de equilíbrio que dê sustentação a aplicação das penalidades.
Aurélio Amaral foi diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) até março de 2020
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