O ano de 2023 se inicia com promessas de resgate do protagonismo brasileiro no cenário global como agente ativo no combate às mudanças climáticas. É inegável o potencial do país para liderar ações fundamentais de redução das emissões de gases de efeito estufa em escala global, seja como articulador, seja como executor das soluções disponíveis.
As expectativas são justificadas principalmente pelo histórico da diplomacia brasileira no tema da sustentabilidade, pela amplamente publicizada capacidade de fixação de CO2 em florestas e áreas de reflorestamento no território brasileiro e pela sua capacidade de geração de energia com base em uma matriz mais limpa e renovável.
Reconhecida a relevância do país na rota da cooperação internacional para combate às mudanças climáticas e proteção da biodiversidade, o Brasil carece ainda de direcionamento do seu potencial de implementação de soluções tecnológicas para a transição para uma economia de baixo carbono.
É nesse contexto que as tecnologias de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) se destacam, uma vez que são ferramentas capazes de “bloquear” emissões de indústrias difíceis de descarbonizar, além de remover moléculas de CO2 que já foram emitidas para a atmosfera. A remoção de carbono (CO2) é conhecida pela sigla em inglês CDR (Carbon Dioxide Removal), sendo traduzida como soluções “carbono negativas” ou “de emissões líquidas negativas”.
Estas técnicas contam com soluções baseadas na natureza (como florestamento e reflorestamento) e soluções baseadas em tecnologia, como é o caso de projetos de CCS acoplados à produção de bioenergia (bioetanol, biogás e biomassa de maneira geral) ou mesmo à captura de direta do ar, processos conhecidos respectivamente como BECCS e DACCS.
Remoção de carbono é chave para limitar o aquecimento
Apesar da sopa de letrinhas por vezes confusa que esses acrônimos geram, as soluções de remoção de carbono da atmosfera figuram com destaque em diversos estudos e cenários que simulam diferentes estratégias para limitar o aumento da temperatura da Terra a 2ºC em relação às temperaturas pré-industriais.
Em estudo publicado pela Universidade de Oxford, em janeiro deste ano, foi destacado o papel fundamental das tecnologias de CDR para cortar rapidamente as emissões de CO2 e segurar o avanço da temperatura. Elaborado por mais de 20 pesquisadores e especialistas de diferentes países, o documento ressalta o alarmante descompasso entre o quanto é necessário dessas tecnologias para cumprimento das metas internacionais e o quanto os governos estão de fato colocando esforços em suas implementações.
De forma semelhante, a maior parte dos cenários simulados pelo Painel Internacional de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC) no último relatório publicado, verifica-se a forte dependência de soluções de CDR para compensação de emissões a partir de outras fontes.
Em outras palavras, precisamos de um avanço significativo em projetos de floresta em pé, assim como em soluções tecnológicas. Entre 2020 e 2100, projeta-se que projetos de BECCS e DACCS sejam responsáveis, respectivamente, pela redução de até 650 e 250 bilhões de toneladas, enquanto o setor de mudanças do uso da terra é apresentado com potencial entre 10 e 250 bilhões.
Portanto, o mundo precisa avançar no curto prazo com florestamento e reflorestamento para atingirmos a neutralidade de carbono, mas também com projetos de CCS.
Papel estratégico do CCS para o setor de energia
Olhando especificamente para a trajetória de descarbonização do setor de energia, para que se torne carbono neutro até 2050, a utilização de CCS é apontada como estratégica em quase todos os cenários. A Agência Internacional de Energia projeta que as operações de projetos de CCS devem se expandir de 40 milhões de toneladas de captura de CO2 por ano (capacidade avaliada em 2020) para 1,6 bilhão em 2030 e, então, para 7,6 bilhões em 2050, das quais se espera que aproximadamente 95% do total de CO2 seja armazenado de forma permanente em reservatórios geológicos.
Voltando ao Brasil, a boa notícia é que estamos muito bem posicionados para desenvolver e implementar tecnologias de CCS, seja para neutralizar as emissões de setores específicos, seja para promover a remoção de carbono da atmosfera. Do ponto de vista da presença de atividades industriais, o país possui notáveis concentrações de fontes de emissões de CO2 a serem capturadas, o que facilita a construção de clusters e hubs de CCS, reduzindo custos e otimizando a logística.
Também a experiência e abrangência da indústria de óleo e gás brasileira são aliadas essenciais para o aproveitamento do subsolo para as atividades de armazenamento permanente de CO2, tanto em reservatórios de petróleo em produção ou exauridos, quanto em outras formações geológicas.
Para as tecnologias de CDR, o agronegócio brasileiro reúne extraordinárias possibilidades, que contam com a destacada produção nacional de bioetanol, o aproveitamento de biomassa para geração de energia termoelétrica e a promissora expansão do uso de biogás. Todas com potencial para efetivamente retirar CO2 da atmosfera.
Para além das soluções baseadas na natureza, pelas quais já somos conhecidos, é preciso também legitimar o potencial, divulgar as oportunidades e fomentar a cooperação e o financiamento internacional na direção de soluções tecnológicas brasileiras para o combate às mudanças climáticas. Não podemos perder mais esta janela de desenvolvimento econômico e sustentável do país.
Isabela Morbach é advogada e co-fundadora da CCS Brasil.
Nathália Weber é engenheira e co-fundadora da CCS Brasil.
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