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Reprodução do modelo europeu não garante êxito para o mercado de carbono no Brasil

É mais atual do que nunca a máxima cunhada por Friederich List: aos países ricos interessa “chutar a escada” para que pobres não alcancem seus patamares de desenvolvimento, escreve André Tokarski

André Tokarski, professor e coordenador da Unialfa e pesquisador do Ineep (Foto: Divulgação)
André Tokarski, professor e coordenador da Unialfa e pesquisador do Ineep (Foto: Divulgação)

O Senado Federal aprovou, na quarta (4/10), a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

O relatório substitutivo do projeto de lei 412/2022, apresentado pela senadora Leila Barros (PDT/DF), foi aprovado por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e segue agora para deliberação da Câmara dos Deputados.

O mercado regulado de carbono é tido como um dos principais instrumentos para que os países possam alcançar suas metas de redução dos gases de efeito estufa junto ao Acordo de Paris e, no caso do Brasil, é uma das apostas do governo federal para fazer avançar o Plano de Transição Ecológica para uma economia de baixo carbono.

O modelo adotado (cap-and-trade) é baseado na experiência do mercado europeu, no qual o Estado define um limite máximo de cotas de emissão de GEE para determinadas atividades econômicas.

Em síntese, o modelo prevê que as empresas que reduzirem suas emissões e ficarem abaixo do limite definido podem negociar seus direitos de emissão em forma de crédito de carbono com os agentes econômicos que ultrapassarem o limite permitido.

Estabelecer um mercado de carbono regulamentado implica supervisionar o comércio de emissões de acordo com métricas e diretrizes governamentais.

A regulamentação visa preservar a integridade dos créditos de carbono, garantindo que os projetos de redução de emissões sejam devidamente verificados e validados.

O mercado voluntário de carbono é incipiente no Brasil e não possui impacto efetivo no controle das emissões.

Os setores econômicos que emitem mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano estarão sujeitos à regulamentação pelo SBCE – o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.

RenovaBio: a experiência do mercado carbono no Brasil

Atividades da indústria siderúrgica, química, de alumínio e fertilizantes devem ser as principais atingidas.

Ainda não está claro o alcance da regulamentação em relação aos combustíveis fósseis, dado que as distribuidoras já possuem obrigações anuais de aquisição de créditos de descarbonização (CBIOs) no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).

O RenovaBio é a principal experiência de mercado regulado de créditos de carbono no Brasil. As emissões de GEE evitadas são calculadas tendo como referência a substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis equivalentes.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabelece anualmente metas compulsórias de redução de emissão de GEE para a comercialização de combustíveis.

Essas metas são desdobradas pela Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP) em cotas de aquisição de CBIOs as quais as distribuidoras de combustível são obrigadas a adquirir na proporção de sua participação no mercado.

No ano de 2022, foram emitidos cerca de 32 milhões de CBIOs, a um valor unitário médio de R$ 111,63. O volume financeiro movimentado foi de R$ 3,4 bilhões.

O sucesso dessa política se deve ao domínio brasileiro do ciclo tecnológico da produção de biocombustíveis e da adaptação dos motores de combustão ao seu uso, resultado de um longevo processo de investimentos públicos em pesquisa e inovação coordenados pela Embrapa em parceria com universidades e empresas privadas.

Aos países ricos interessa “chutar a escada”

O texto aprovado pelo Senado, do PL  412/2022, tem o mérito de propor um modelo de mercado regulado de carbono reconhecido internacionalmente, com capacidade de promover as reduções das emissões de forma eficiente, com custos reduzidos e com estímulo a inovações tecnológicas.

Entretanto, as metas de redução de emissão dos GEE não podem estar dissociadas dos desafios da retomada do desenvolvimento econômico no Brasil, único caminho possível para enfrentar a urgência da recuperação econômica e do desenvolvimento, face ao crescimento da miséria e das desigualdades no país.

Um acordo firmado com a Frente Parlamentar do Agronegócio deixou o segmento de fora da regulação do SBCE, apesar do relevante volume de emissões na agricultura e pecuária.

O segmento industrial, portanto, será o principal atingido pela nova legislação. Ao contrário do agronegócio e das atividades primárias, a indústria de média e alta complexidade tecnológica tem reduzido a sua participação na economia brasileira nos últimos 30 anos.

Uma das lacunas do PL nº 412/2022 é a possibilidade de deixar para o setor privado a escolha das alternativas tecnológicas para a redução de emissão.

Tal fato desconsidera que as multinacionais instaladas no país não desenvolvem pacotes tecnológicos que contrariem os interesses econômicos de suas matrizes e que a busca pelo domínio tecnológico de produção de energias renováveis se dá no acirrado contexto geopolítico e de concorrência entre Estados nacionais pelas posições de liderança econômica.

É mais atual do que nunca a máxima cunhada por Friederich List no século XIX, de que aos países ricos interessa “chutar a escada” para que os países pobres não alcancem seus patamares de desenvolvimento.

A mera reprodução do modelo europeu de mercado regulado de carbono pode viabilizar o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissão, mas não é suficiente para promover as inovações tecnológicas necessárias para uma nova “indústria verde”.

As políticas de cap-and-trade apresentam resultados positivos para o cumprimento das metas de redução de emissão, mas não são eficazes para promover as mudanças tecnológicas disruptivas necessárias para uma economia “verde”.

A criação de um sistema produtivo eficiente e de baixo carbono, dotado de relativa autonomia tecnológica, requer uma política científica e tecnológica orientada a financiar descobertas e o desenvolvimento de inovações específicas.

O investimento privado em inovação e substituição de máquinas e equipamentos não prospera num ambiente de estagnação econômica e de elevado custo de capital, como o que marca os últimos anos no Brasil. Portanto, não basta ao Estado atuar como ente regulador deste processo.

Diante deste cenário é questionável a conveniência de o Brasil dispor de seus eventuais excedentes de carbono como estratégia de captação de recursos externos, permitindo que outros países continuem a emitir GEE às custas de créditos de carbono brasileiros, sob a forma de um neocolonialismo “verde”.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

André Tokarski é professor do curso de mestrado em Direito Constitucional Econômico (Madir) da Unialfa, coordenador do curso de Direito da Unialfa e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).