Os países signatários do Acordo de Paris estão distantes dos indicadores necessários para alcançarem as metas de descarbonização. Esse é o resultado de estudos debatidos durante a 27ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP27), sediada recentemente no Egito.
As preocupações com o atingimento das metas tornaram-se ainda maiores com a guerra na Ucrânia, além do risco de segurança energética em diversos países e da alta global da inflação.
Diante deste cenário, algumas perguntas vêm ganhando cada vez mais relevância no Brasil: Quais são as possíveis estratégias para reduzir as emissões de carbono? Como o Brasil está se estruturando para endereçar esse desafio? Já temos um arcabouço legal sobre este tema?
Possíveis estratégias para redução das emissões de carbono
Há basicamente duas estratégias de redução de emissão de carbono consagradas internacionalmente: as chamadas “políticas de comando e controle” e a implementação de instrumentos de precificação do carbono, sendo os dois principais instrumentos o sistema de comércio de emissões (SCE) e a tributação de emissões.
Políticas de comando e controle x precificação do carbono
As “políticas de comando e controle” são aquelas em que o Estado, por exemplo, fixa um limite para emissão de carbono aos agentes e pune em caso de não cumprimento deste limite.
Diversos estudos e análises de impacto regulatório demonstram que “políticas de comando e controle” tendem a ser menos eficientes, dentre outros fatores, porque não oferecem incentivos para atingir padrões superiores aos definidos normativamente e tendem a ser mais inflexíveis.
- Os resultados do Projeto PMR Brasil, desenvolvido pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, vão no mesmo sentido e indicam que a precificação do carbono tende a ser uma alternativa regulatória mais eficiente para o país.
Precificar o carbono significa, de forma simplificada, atribuir um valor às emissões de carbono e demais gases do efeito estufa (GEE).
As políticas de precificação do carbono derivam da premissa de que o preço pago pelos bens e serviços, em geral, não refletem os impactos ambientais negativos causados ao longo de todo seu processo produtivo e de seu uso, sendo tais impactos suportados pela sociedade e não pelo fornecedor de tais produtos ou serviços.
Nesse sentido, tais políticas visam promover a redução das emissões de carbono por meio de instrumentos que levem os preços dos bens e serviços a incorporar os custos relacionados com a emissão dos GEE.
As duas principais políticas de precificação são as implementadas por meio de tributação ou do sistema de comércio de emissões (SCE).
Tributação de carbono x sistema de comércio de emissões (SCE)
No sistema de precificação por tributação (carbon tax), como regra geral, é estabelecido um tributo sobre o volume de carbono emitido ou sobre combustíveis fósseis de acordo com seu teor de carbono.
Nessa linha, as empresas teriam incentivos a reduzir suas emissões para minimizar os tributos a serem pagos e a arrecadação de tais tributos poderiam ser investida em políticas públicas de redução de emissões de carbono.
No sistema de comércio de emissões (emission trading mechanisms), em geral, há a criação de um mercado que incentiva a redução de emissões ao permitir que agentes que tenham maiores custos de redução de emissão possam adquirir créditos de agentes mais eficientes no atingimento de metas.
Esse sistema cria condições para que a redução de emissões seja feita da forma mais eficiente do ponto de vista de custo, ou seja, começando por onde é mais barato.
Ambos os sistemas trazem vantagens e desvantagens. Logo, a opção por um ou outro sistema — ou mesmo a adoção de ambos — dependerá das especificidades do caso concreto.
Não obstante, vale destacar que o sistema de tributação, embora tenha a vantagem de tornar previsíveis os custos com as emissões de carbono, não garante o resultado ambiental desejado, pois as empresas podem optar por pagar mais tributos caso isso seja menos oneroso que reduzir as emissões.
Adicionalmente, a criação de tributos e a destinação eficiente dessas novas receitas pelas autoridades governamentais costumam despertar desconfiança dos agentes.
Tipos de SCE (Cap and Trade x Baseline Credit)
O SCE pode ser estruturado de diversas formas, sendo as mais relevantes o mecanismo de cap and trade e o mecanismo de baseline credit.
No mecanismo de cap and trade, a autoridade estatal define um limite máximo de emissões a um determinado setor econômico e distribui, de forma onerosa ou gratuita, autorizações de emissão aos agentes desse setor, permitindo que tais autorizações sejam negociadas entre eles.
- O agente pode atingir suas metas por meio da redução de suas emissões ou adquirindo tais autorizações de emissão de outros agentes.
No mecanismo de baseline credit não há a fixação de um limite de emissão, mas sim o estabelecimento de um parâmetro ou linha base de emissão de carbono para os agentes, sendo que os agentes que conseguirem atingir níveis de emissão inferiores a esta linha base (baseline) adquirem créditos que podem ser negociados.
Qual estratégia será adotada no Brasil?
O Brasil é signatário do Acordo de Paris e assumiu o compromisso de reduzir suas emissões em 50% até 2030 e atingir neutralidade até 2050, tomando como base os montantes verificados em 2005.
Esse compromisso é a chamada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), ou seja, a meta de redução de emissões que cada país deve submeter no âmbito do Acordo de Paris.
Ao submeter sua NDC, o Brasil optou por não restringir de antemão as políticas a serem adotadas para este fim e iniciou estudos sobre qual seria a política mais adequada.
Nesse sentido, vale destacar os estudos promovidos pela EPE, bem como o Projeto PMR Brasil que visou subsidiar o governo brasileiro com informações sobre a conveniência da adoção de instrumentos de precificação de carbono como parte das políticas de redução das emissões brasileiras.
Em 2020, os relatórios divulgados pelo PMR Brasil apontaram que o SCE no modelo cap and trade seria a alternativa mais eficiente para a conjuntura brasileira.
Atualmente, existe no Brasil uma iniciativa de precificação de carbono em nível nacional. Trata-se da Política Nacional de Biocombustíveis criada pela Lei nº 13.576/2017 ou, como é mais comumente chamado, o RenovaBio.
Nesse sentido, com parte do RenovaBio, foram estabelecidas metas de redução de emissão de carbono para o setor de distribuição de combustíveis que devem ser cumpridas pelos distribuidores de combustíveis por meio da aquisição de créditos de descarbonização gerados por produtores de biocombustíveis certificados.
Contudo, trata-se da única experiência de mercado regulado em vigor no Brasil, sendo as demais iniciativas restritas a mercados voluntários.
Diante de diversos estudos que apontam uma maior eficiência e flexibilidade do SCE, passa a ser tarefa urgente para o país desenvolver um marco legal, regulatório e institucional que permita o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil.
Em nosso próximo artigo na epbr abordaremos em mais detalhes algumas das principais iniciativas legislativas relacionadas com o desenvolvimento de um mercado de créditos de carbono no Brasil, em especial o PL 412/2022.
Guilherme Mota é sócio da prática Ambiental do Lefosse; e os advogados Pedro Vargas e Gabriela Mello, respectivamente das práticas de Petróleo e Gás e Ambiental do Lefosse.
Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.