Retomada de Angra 3

Presidente da Eletronuclear defende Angra 3 e participação privada no setor

Segundo Lycurgo, empresa já acumulou uma dívida de R$ 6,3 bilhões por causa do financiamentos para construção da usina nuclear

Presidente da Eletronuclear defende Angra 3 e fim do monopólio estatal (Foto: Divulgação)
Raul Lycurgo, presidente da Eletronuclear | Foto: Divulgação Eletronuclear

RIO — Em meio ao impasse sobre a conclusão das obras da usina de Angra 3 e os desafios  financeiros da Eletronuclear, o presidente da estatal, Raul Lycurgo, disse à agência eixos que há urgência em finalizar a construção da terceira usina nuclear do país e defendeu a criação de um marco legal que permita a entrada de empresas privadas no setor.

Pela Constituição brasileira, compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza”. Hoje, a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar) é a controladora da Eletronuclear. 

Segundo Lycurgo, a empresa já acumulou uma dívida de R$ 6,3 bilhões com a Caixa Econômica Federal e o BNDES, decorrente de financiamentos para a construção de Angra 3, que está paralisada, além de contratos que não estão sendo pagos com fornecedores

Caso a obra não seja retomada, os custos podem chegar a R$ 14 bilhões nos próximos 12 meses, valor que a empresa não possui em caixa, e que seriam repassados para a União. 

“Se não for para frente, o BNDES já trouxe os números, são R$ 21 bilhões que você vai ter que dispor para não fazer. Ou seja, alguém vai ter que pagar por isso”, afirma Lycurgo.

Futuro do parque nuclear brasileiro

A decisão sobre o futuro de Angra 3 está prevista para ser discutida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no próximo dia 4 de dezembro. Para Lycurgo, este é o momento decisivo para destravar o projeto e iniciar um novo momento no setor nuclear brasileiro.

O executivo explica que a dívida compromete não apenas o futuro de Angra 3, mas também a operação das usinas Angra 1 e Angra 2, por conta da saúde financeira da Eletronuclear.

“Os recebíveis de Angra 1 e Angra 2 estão dados como garantia a esses financiamentos. […] Se eu deixo de pagar o financiamento de Angra 3, o que acontece? Bloqueio meu recebível de Angra 1 e Angra 2”.

Para ele, a solução está na continuidade de Angra 3, mas também na atração de investimentos privados, por meio de um marco legal para o setor nuclear.

Apesar da Constituição não prever explicitamente um monopólio sobre a atividade de geração de energia elétrica com a utilização de combustível nuclear, não existe uma lei que permita a realização dessa atividade pelo setor privado, com regras bem estabelecidas, com os limites e as condições da participação privada.

Na avaliação de Lycurgo, um marco legal com regras claras para a entrada de agentes privados poderia garantir o cumprimento do Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, de dar prosseguimento do programa nuclear brasileiro, após Angra 3, com uma expansão mínima de 4 GW, podendo alcançar 8 GW até 2030, nas regiões Sudeste e Nordeste. 

“Nós vamos conseguir fazer mais sete Angras 3? A nossa limitação financeira vai estar muito clara. Para atingir os 8 a 10 GW, temos que considerar que até 2031, a Eletronuclear vai estar focada na extensão de vida de Angra 1 e no pagamento de dívidas de Angra 3”, questiona o executivo. 

Ele explica que estão previstos R$ 3,2 bilhões para a renovação da extensão da vida de Angra 1, e mais R$ 23 bilhões para a conclusão de Angra 3

“São 16 anos ou mais de uma certa apertada no nosso caixa […] Por isso, a necessidade de termos Angra 3, de termos um novo marco legal, para que o privado também pudesse vir auxiliar o atingimento do que está sendo planejado no PNE de 2050”.

O executivo dá como exemplo grandes economias globais, como Estados Unidos e Índia, que estão investindo fortemente na construção de novas unidades de geração nuclear por meio de operadoras privadas.

Atualmente, a Índia opera 23 reatores que somam quase 8 GW, mas espera expandir essa capacidade para cerca de 23 GW até 2031, até chegar a 100 GW em 2047. Já os EUA esperam adicionar 35 GW até 2035, com a meta de alcançar 200 GW até 2050.

“Será que todas as potências do mundo estão erradas? […] O setor privado precisa entrar capitaneando. O novo marco legal precisa ter exatamente o privado capitaneando isso. E aí, se for o caso, ENBpar ou Eletronuclear, como um investidor minoritário”, avalia o presidente da Eletronuclear, citando projetos ao redor do mundo que são liderados por empresas, a exemplo do recente contrato da Microsoft. 

Recentemente, a empresa do bilionário Bill Gate anunciou o plano de reativação da usina nuclear Three Mile Island, localizada nos Estados Unidos, que  foi responsável pelo maior acidente nuclear da história do país. 

A Microsoft firmou um contrato de 20 anos para adquirir energia da planta situada na Pensilvânia, que retomará suas operações em 2028, para garantir o fornecimento de energia descarbonizada capaz de atender à demanda da empresa com a expansão de data centers. 

Paralisia em projetos nucleares ameaça setor no Brasil

A paralisia de projetos nucleares no Brasil também coloca em risco a manutenção de técnicos especializados no país, bem como as empresas da cadeia de suprimentos.

Na avaliação de Lycurgo, o Brasil pode perder espaço na cadeia produtiva global, justamente em um momento de renascimento da energia nuclear no mundo.  

“O mundo está investindo três vezes mais em energia nuclear. A cadeia de suprimentos mundial para o setor é muito limitada. Se o mundo voltar e voltar a tracionar rápido na nuclear, vai ter um exaurimento da capacidade dessa cadeia produtiva”, pontua. 

“Aquele que primeiro chegar vai ser o primeiro a ser servido. Então, daí em diante, os projetos vão ficar cada vez mais caros”, completa.

O Brasil é um dos poucos países no mundo que dominam o ciclo do combustível nuclear, utilizado para geração elétrica, possuindo tanto o domínio tecnológico para o enriquecimento de urânio, quanto as reservas do minério. 

Hoje, a produção do combustível é responsabilidade da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que atende as usinas de Angra 1 e 2. 

“Ter uma indústria só para fornecer combustível nuclear para Angra 1 e Angra 2, não faz o menor sentido. Mas certamente faz sentido se você tiver Angra 1, Angra 2, Angra 3, mais os 10 GW, mais as 100 usinas nucleares que estão vindo nos Estados Unidos. Começa a fazer muito sentido a gente se transformar aqui, não em exportador de commodities, mas de combustível nuclear”.

Além disso, o país também possui a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (Nuclep), estatal criada para fabricação de equipamentos pesados que atendessem ao Programa Nuclear Brasileiro, e que hoje se dedica a produzir torres de transmissão e estruturas para plataformas de petróleo. 

“Uma empresa que deveria estar fabricando componentes para reatores está produzindo torres de transmissão. É uma adaptação necessária, mas longe do potencial que poderíamos explorar com um parque nuclear dinâmico e em expansão”, observa.

A demora na retomada de projetos, como a usina Angra 3, também ameaça a retenção de profissionais qualificados.

“Formamos engenheiros, físicos e químicos altamente especializados que, sem perspectivas no Brasil, acabam migrando para o exterior, contribuindo para o que chamo de exportação de cérebros”, lamenta o executivo.