Petrobras, governança e nós, das contratadas e subcontratadas

Petrobras, governança e nós, das contratadas e subcontratadas

Muita expectativa paira ainda sobre como será aplicada, ao longo do tempo, a Lei Federal n. 13.303 de 2016 nas relações entre a Petrobras e suas milhares de contratadas e subcontratadas diretas e indiretas.

Uma lei genérica, que se aplique a todas as sociedades de economia mista, como a Petrobras, pode parecer uma boa sinalização de que de agora em diante haverá maior ética e integridade nas relações entre estatais e sociedades de economia mista, de um lado, e o setor privado, de outro. Ocorre, porém, que algumas previsões em lei, aprovada no Legislativo e sancionada pelo Executivo, podem funcionar como uma barreira intransponível para a permanência e mesmo para a entrada de novos atores no mercado de fornecimento de bens e serviços para a Petrobras, prejudicando-a diretamente, quer em razão da limitação direta da concorrência, quer pela sua relativa falta de atratividade quando comparada a empresas do setor privado. Senão, vejamos:

Para começar e com relação ao cadastro de empresas inidôneas referido na Lei Anticorrupção (a Lei Federal n. 12.846/13), o parágrafo 2o do Artigo 37 da Lei 13.303/16 prevê que “Serão excluídos do cadastro referido no caput, a qualquer tempo, fornecedores que demonstrarem a superação dos motivos que deram causa à restrição contra eles promovida” (grifos nossos). O que seria exatamente a “superação dos motivos que deram causa à restrição contra eles promovida”? Seria, por exemplo, a reparação integral dos danos causados por empresa que tenha infringido a Lei Federal n. 12.846/13? Quais as métricas razoáveis que devem ser aplicadas e quem as definirá e como? Na ausência de critérios mais objetivos, com relação à Petrobras, por exemplo, a própria lei incentiva a uma situação provavelmente indesejável para grande parte do setor, eis que quem está inidônea pode por muito tempo assim permanecer e quem não está terá receio de eventualmente tornar-se, por algum descuido de sua administração e fatos isolados de alguns de seus quadros, por mais diligente que a empresa possa ter sido em seu programa de integridade e código de ética.

Além disso, há uma questão com potencial para desestímulo a contratadas e subcontratadas da Petrobras, no quesito de licitações, tratado de forma mais genérica pela Lei Federal 13.303/16. Tal desestímulo deriva da possibilidade prevista na lei de as estatais e sociedades de economia mista, inclusive a Petrobras, usarem a prática de “reinício da disputa aberta, após a definição do melhor lance, para definição das demais colocações, quando existir diferença de pelo menos 10% (dez por cento) entre o melhor lance e o subsequente” (cf. inciso II do Artigo 53). Ora, num cenário de incertezas ainda existentes no setor globalmente, o que se deveria esperar era um avanço do padrão anterior, previsto no item 6.23 do Decreto 2.745/98, que permitia, uma vez definido o resultado do julgamento, que a Petrobras negociasse “com a firma vencedora ou, sucessivamente, com as demais licitantes, segundo a ordem de classificação, melhores e mais vantajosas condições para a PETROBRÁS.”

Sob o ponto de vista contratual, a Lei Federal n. 13.303/16 refere-se a arbitragem como possibilidade para a resolução de controvérsias, mas somente entre acionistas e a sociedade ou acionistas majoritários e minoritários, nos termos previstos no estatuto social. Faltou, em razão das peculiaridades do setor de O&G, inclusive de uma tradicional alocação, limitação e exclusão de responsabilidades, nos termos comumente adotados no exterior (dentro de um sistema knock-for-knock), que houvesse previsão na lei de cláusula de arbitragem (ou sua possiblidade) em contratos, já que dentre as cláusulas necessárias em contratos do Artigo 69 da Lei nada consta nesse sentido. Já não é novidade para muitos que a arbitragem tende a criar uma percepção de independência na resolução de controvérsias, afastando questões do Judiciário, que faz parte do aparato estatal, mais próximo das estatais e sociedades de economia mista, independente de qualquer questão filosófica. Não é à toa, inclusive que a própria ANP adota arbitragem em seus contratos com as empresas de petróleo e gás!

É bem verdade, por outro lado, que o veto ao parágrafo 1o foi bem aplicado para que não seja mais necessário que “Nos contratos celebrados com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive quando domiciliadas em território estrangeiro, deverá constar cláusula que declare competente o foro da sede da empresa pública ou da sociedade de economia mista e de suas respectivas subsidiárias para dirimir qualquer questão contratual.” Houve, portanto, avanço quanto a isto, tendo o executivo sido sensível a uma realidade do mundo dos negócios. Da mensagem de veto, cita-se “A obrigatoriedade imposta pelo dispositivo poderia prejudicar a competitividade das empresas e sua atuação concorrencial com o setor privado. Além disso, a Constituição sujeita as estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas, o que torna o dispositivo inapto à sanção”.

Por fim, no quesito de contratos entre Petrobras e contratadas, com reflexos nas contratadas, destaca-se o disposto no Artigo 76 da Lei Federal n. 13.303/16. Exigir, na forma da lei, que uma contratada repare, corrija, remova, reconstrua ou substitua, “às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados” (grifos nossos) ou mesmo que responda ” por danos causados diretamente a terceiros ou à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato” tende a constituir mais uma barreira intransponível e/ou desestímulo fatal para o setor, a depender de como a lei será aplicada em cada caso concreto. Não há drama aqui, como saberão aqueles que operam particularmente em offshore, inclusive na perfuração, cimentação, construção e abandono de poços, dentre outras atividades. Como é bastante falado no setor, a cadeia de fornecimento é complexa, depende de mais de uma contratada ou subcontratada direta ou indireta da Petrobras, os padrões de responsabilidade por culpa concorrente, no Brasil, estão longe de existir e os danos causados nem tem limitação, nem são passíveis de estimativa, podendo compreender, em tese, lucros cessantes e danos emergentes, que normalmente são excluídos da responsabilidade de contratadas e subcontratadas no exterior, até independente da culpa ou dolo.

Há uma diferença substancial, no que tange ao ponto tratado no parágrafo anterior, com relação à responsabilidade de contratadas, por exemplo na re-perfuração de um poço. Para esses casos a Lei prevê uma flexibilidade (que está sujeita a subjetividade do aplicador) entre o todo ou parte dos custos, nos termos claramente ali colocados. Porém, a Lei fala que a contratada responderá pelos danos diretos causados a terceiros (e não está claro quem estes seriam, pois há uma distinção na doutrina e prática estrangeira entre terceiros “de verdade”, como embarcações pesqueiras passando nas imediações de um FPSO ou sonda, assim como outros terceiros, inclusive os subcontratados por conta e ordem de uma contratada, de um lado, e, de outro lado, terceiros contratados e subcontratados por conta e ordem da empresa de petróleo, ou mesmo parceiros da empresa de petróleo). Quanto a terceiros, ainda que não haja clareza sobre o que são danos diretos na legislação ou direito brasileiro em geral, pode haver possiblidades de mitigação da responsabilidade, de caso-a-caso, faltando, porém, esclarecer se terceiros seriam também o Estado (Brasileiro ou costeiro), a sociedade civil, comunidades pesqueiras, proprietários de imóveis residenciais ou comerciais na costa, etc..

A responsabilidade de uma contratada perante a própria sociedade de economia mista, no cenário descrito anteriormente, esbarra, mais uma vez, numa questão que está relacionada à segurança jurídica que deve ser dada a contratos entre Petrobras, por exemplo, e suas contratadas. Ausente a possibilidade de claras exclusões ou limitações de responsabilidade em contrato, o aparente óbice da Lei Federal n. 13.303/16 mantém um enorme desafio para a própria Petrobras e uma infinidade de contratadas e contratadas: como atrair os melhores fornecedores?

Não é demais lembrar que exclusões ou limitações de responsabilidade de contratadas em contrato, seguindo um padrão mundial, obedecem uma lógica: alguns fatos não podem ser, razoavelmente, previstos e/ou controlados por muitas das contratadas eis que elas não tem acesso a informações confidenciais e, ainda que tivessem, muitas não tem em seus respectivos escopos de trabalho atribuições próprias de um número limitado de profissionais de uma meia dúzia de contratadas e, sobretudo, das próprias empresas de petróleo e gás, todos com estritas obrigações de sigilo. E estando atividades, por exemplo, de interpretação de geologia e fluidodinâmica, fora do escopo de muitas contratadas, seguros não são uma possiblidade, ao contrário do que o senso comum pode sugerir.

Roberto Di Cillo é advogado em São Paulo e LLM pela Universidade de Notre Dame (EUA/Inglaterra).