Energia

Os três pilares fundamentais para que projetos de CCS decolem

Segurança regulatória, viabilidade econômica e integração da cadeia são os principais desafios dos projetos de CCS

Os três pilares fundamentais para que projetos de CCS decolem. Na imagem, operador trabalha no gasoduto de CO₂ do projeto Quest, perto de Fort Saskatchewan (nordeste de Edmonton), Alberta (Foto: Cortesia Shell)
Operador trabalha no gasoduto de CO₂ do projeto Quest, perto de Fort Saskatchewan (nordeste de Edmonton), Alberta (Foto: Cortesia Shell)

As tecnologias de captura e armazenamento de carbono estão entre as novidades que surgiram a partir dos esforços da ciência e da indústria para o desenvolvimento de soluções que permitam a descarbonização da economia em médio e longo prazo. Mas, como tudo que é novo gera dúvidas e incertezas, com a implementação de CCS não é diferente.

Existem desafios iniciais que precisam ser superados para conseguirmos transformar experiências pilotos em ações concretas e em escala comercial. No caso dos projetos de CCS, temos três principais desafios: segurança regulatória, viabilidade econômica e integração da cadeia.

Captura e Armazenamento de CO₂

O processo de CCS (Carbon Capture and Storage, na sigla em inglês) é uma cadeia de atividades composta por múltiplas tecnologias que visam armazenar de forma permanente grandes quantidades de CO₂ produzido por atividades humanas, evitando sua liberação para a atmosfera.

Esse processo pode ser dividido em três fases principais: captura, transporte e armazenamento. Uma outra fase, também considerada quando se fala em ciclo de CCS (nesse caso, chamado de CCUS) é a utilização do CO₂, sendo esta última uma fase entendida como alternativa ao armazenamento permanente.

A cadeia de processos começa com a separação e captura do CO₂ de correntes gasosas, principalmente de fontes industriais altamente emissoras, plantas de geração de energia elétrica ou de produção de biocombustíveis, entre outras. Na sequência, o CO₂ é comprimido e transportado até o local em que será realizado o armazenamento.

As opções de transporte podem variar de acordo com as distâncias entre os locais de captura e armazenamento, assim como as condições geográficas e operacionais. Os modais podem ser tanto rede de gasodutos (de forma semelhante aos gasodutos de gás natural), como navios ou caminhões-tanque.

Por último, o CO₂ será injetado no subsolo, para ser armazenado em formações rochosas profundas – como reservatórios de petróleo e gás depletados (ou seja, aqueles reservatórios que já foram explorados); camadas profundas de carvão; ou aquíferos salinos profundos.

Segurança regulatória

Entre as etapas da cadeia de CCS, o armazenamento geológico é o processo que demanda mais atenção jurídica em virtude de inaugurar novíssimas formas de exploração do subsolo.

A legislação vigente regra a exploração do subsolo a partir da lógica de extração de recursos naturais não renováveis. Isto é, a retirada do subsolo de bens como água, petróleo, gás e outros recursos minerais para beneficiamento e venda no mercado interno e externo.

No caso do armazenamento geológico o caminho é inverso, não há extração, há injeção de um recurso – o CO₂, que deverá permanecer no subsolo de forma permanente. Assim, embora não haja um exaurimento direto dos recursos minerais, há limitação futura da exploração dos reservatórios para outros fins.

Diante dessa lógica surge uma série de questionamentos jurídicos, dos mais diretos e simples aos mais complexos.

Questões como: quais as condições para que as empresas interessadas em realizar o armazenamento sejam autorizadas a injetar CO₂ em um reservatório geológico? A que autoridade reguladora as indústrias deverão se reportar? De quem é a responsabilidade pelo CO₂ injetado após o encerramento das operações de injeção? Essa responsabilidade é compartilhada na cadeia da prestação de serviços? De quem é a titularidade dos potenciais créditos de carbono decorrente de projetos de CCS?

Esses questionamentos são pertinentes para criar uma cultura de descarbonização e fundamentar a legislação nacional para criar segurança jurídica desse processo.

Viabilidade econômica e incentivos

Para que o capital privado decida investir seus recursos na construção de projetos de CCS é preciso que as oportunidades estejam bem definidas. Sejam elas relacionadas à expansão para novos negócios, sejam para viabilizar a redução das emissões de sua própria indústria diante das obrigações de descarbonização que se avizinham.

A maior parte dos setores industriais e do agronegócio está acompanhando atentamente as políticas nacionais e internacionais que orientarão as obrigações de redução de emissões e está se preparando para fazer a transição da forma menos onerosa possível. Afinal, aumento de custos pode impactar a competitividade dos produtos.

O que está claro é que há cada vez mais espaço no mercado e interesse mundial para produtos com carbono neutro ou com intensidade de carbono reduzida, qualidade de sustentabilidade que agrega valor.

Nesse sentido, CCS desponta como uma importante opção não apenas para cumprimento das metas de descarbonização, mas também para reposicionamento da competitividade das indústrias e dos produtores de etanol e biogás no mercado interno e internacional.

Para que soluções tecnológicas de alto impacto consigam reduzir as emissões e consequentemente atingir as metas climáticas, é necessário que sejam implementados mecanismos de precificação de carbono efetivos. A atribuição de valor à redução das emissões de CO₂, com regras claras e funcionais, é essencial para a escalabilidade e efetividades dessas soluções.

Integração da cadeia

Outro desafio a ser superado é interligar diferentes processos tecnológicos para que as emissões sejam continuamente neutralizadas. CCS é uma cadeia que envolve técnicas que nem sempre são simples de serem executadas por uma mesma empresa, pois combina expertises variadas.

As indústrias que querem remover suas emissões por meio de unidades de captura de dióxido de carbono, dificilmente possuem expertise de perfurar um poço para injeção de CO₂ com os estudos geológicos e de engenharia requeridos para um armazenamento permanente e otimizado. E vice-versa.

A empresa especialista em armazenamento não possui, via de regra, nem o conhecimento para a instalação da unidade de captura ou mesmo a capacidade para implementação de uma infraestrutura de transporte de CO₂ adequada.

As empresas interessadas ou com potencial nas diversas etapas de CCS precisam trabalhar em conjunto, de forma integrada, para que o processo de remoção seja eficiente e seguro. A consolidação de um mercado de CCS no Brasil passa pela cooperação entre empresas, além de sua capacitação para atuarem nas diferentes etapas e na sua cadeia de suprimento, bem como pela integração e colaboração para viabilização da destinação efetiva do CO₂ removido e capturado.

Isabela Morbach é advogada e co-fundadora da CCS Brasil.

Nathália Weber é engenheira e co-fundadora da CCS Brasil.