Os preços do gás poderão realmente cair 30%? Essa é a pergunta que muitos no mercado de gás no país têm feito nos últimos tempos.
Nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes voltou a externar sua convicção na queda dos preços do gás natural em 30%, a partir da aprovação do marco legal do setor.
Comparando o preço atual da Petrobras com os praticados na União Europeia e nos EUA, onde existem efetiva concorrência e livre mercado, poderia se supor que esta redução seria factível como prevê o ministro.
Nesse momento, na União Europeia, Comercializadores Minoristas estão fechando contratos de compra de gás para o ano térmico 2020–2021 com preços abaixo de 3,0 US$/MMBTU, fixos pelo período.
No Brasil, a Petrobras está vendendo o gás, nas mesmas condições, a 5,0 US$/MMBTU. Portanto, se a Petrobras viesse a alinhar sua política de preços à praticada no hemisfério norte, poderíamos ter uma redução até maior que 30%.
E por que isto não acontece?
A cadeia do gás natural é constituída pela commodity gás (molécula) que deveria ser comercializada sob regime de livre concorrência e por atividades de rede (distribuição e transporte) que são regidas por tarifas reguladas pela ANP e pelas agências estaduais, que seguem regras próprias.
Durante todos estes anos, tivemos a Petrobras como única fornecedora do gás, ou seja, um monopólio de fato e não regulado. Isto permitiu o estabelecimento de seus preços a partir dos custos assumidos e não do valor de mercado.
Como o gás disponível no Brasil é do tipo associado, produzido principalmente no mar e distante da costa, seus custos de produção e escoamento são bem superiores aos dos demais países produtores.
Na formação do preço, a commodity representa 78% do valor final do produto entregue nos city gates e o transporte apenas 22%; logo, é na parcela da commodity onde está o grande potencial para a tão almejada redução do preço final.
O volume de gás produzido no País somado ao importado, em 2019 foi de cerca de 83 milhões de m³ médio por dia.
Deste total, 56 milhões de m³ foram de produção nacional e 27 milhões m³ de gás importado sendo, 19 milhões m³ da Bolívia e 8 milhões m³ de GNL. O mercado convencional de gás absorveu em 2019 uma média de 44 milhões de m³/dia.
Segundo o boletim do MME, a Petrobras detém 75% de toda a produção nacional ficando os outros 25% concentrados em cerca de outros 10 produtores, com destaque para a Shell com cerca de 12%.
Do total da produção, 40% é ofertado ao mercado e o restante dividido entre consumo nas unidades de produção com reinjeção, queima e perdas, e absorção em UPGNs (GPL etc.).
Estima-se que o volume de gás de produção de terceiros, que em parte a Petrobras comercializa, e que poderia passar a ser ofertada diretamente por seus produtores com preços reduzidos, seja da ordem de 11 milhões de m³/dia o que representa cerca de 25% do consumo de todo o mercado convencional com base no ano de 2019, logo não seria suficiente para garantir as expectativas de redução esperada pelo lado da oferta.
A Petrobras que continuará tendo, por um bom período, participação majoritária no mercado, introduziu recentemente uma nova política comercial para o gás natural, denominada Novo Mercado de Gás.
Os contratos têm prazos de 2 a 3 anos, e o preço da molécula passou a ter como referência 12% do valor do Brent. Devido à queda dos preços do óleo para o patamar de US$ 40 o barril, o preço do gás está hoje em 5,0 US$/MMBTU, mas sujeito à mesma volatilidade do Brent.
Ao preço do gás, deve-se somar a tarifa de transporte, regulada pela ANP, hoje aproximadamente de 1,4 US$/MMBTU, o que dá um preço final da ordem de 6,4 US$/MMBTU.
Se redução de 30% esperada for sobre estes 6,4 US$/MMBTU, o preço cairia para 4,4 US$/MMBTU que, deduzida a tarifa de transporte, chegaríamos a um preço do gás de 3,0 US$/MMBTU, mais alinhado com os atuais preços internacionais.
Outros fatores a serem considerados para que haja expansão da demanda:
- Os potenciais novos grandes consumidores, para os quais o custo do gás poderia ter peso relevante na planilha de formação de preço, não têm os seus produtos atrelados ao Brent, podendo com isto gerar um desbalanceamento comercial no futuro;
- Os comercializadores internacionais de gás, apesar de ainda utilizarem o preço do óleo como base de sua precificação, já estão assinando contratos a preços fixos ou tomando como base outros indexadores de hubs locais.
Portanto, a não ser que a Petrobras venha a alterar sua atual política de preços, somente uma parcela pequena da produção de terceiros estaria disponível para ser ofertada ao mercado com preços reduzidos.
Há que se considerar que estes produtores terão ainda que pagar à Petrobras pela utilização dos dutos de escoamento e UPGNs. Conseguirão eles atingir esta meta?
No curto prazo, com o petróleo em baixa, não parece muito provável que a Petrobras e mesmo os demais produtores de gás no País venham a praticar preços muito inferiores aos atuais, pois nem o gás importado da Bolívia, nem o GNL, parecem ser neste momento uma ameaça ao mercado já estabelecido.
Na prática, a Petrobras como price maker, para alterar sua atual política para o gás teria que se sentir ameaçada por uma grande concorrência, ou ter que expandir muito sua produção de gás pela necessidade de produzir o óleo, aumentando consideravelmente a oferta.
E aí está o verdadeiro desafio – inversão da lógica de custo para oferta e demanda.
A questão é saber se o PL 6407, agora em tramitação no Senado, somado ao TC, firmado entre a Petrobras e o CADE, serão suficientes para introduzir os elementos necessários para possibilitar a esperada redução dos preços atuais.
A defesa da aprovação do PL, sem alterações em seu texto, teve como principal argumento que o PL continha os elementos mínimos necessários para estabelecer um regime de concorrência na oferta de gás ao mercado, o que levaria a uma rápida, efetiva e significativa redução dos atuais preços.
Cabe remarcar que o texto aprovado na Câmara de Deputados ainda está distante dos marcos legais mais modernos existentes em países onde já existe um ambiente de livre concorrência e onde todos os consumidores têm garantido o seu direito de eleger seu comercializador de gás.
A redução que muitos esperam, ainda é cercada de dúvidas e caberia maiores esclarecimentos de como ela se dará. Seria importante saber que ações estão previstas pós vigência da Lei como por exemplo, realização de programa de “gás release”, volumes esperados com redução, prazos estimados e que consumidores e mercados serão inicialmente beneficiados.
Conseguir que uma efetiva redução do preço do gás deverá ser um objetivo a ser perseguido pelo Governo por meio de medidas infra legais, sem alterações do texto do projeto de lei.
Como sugestão, para afastar um certo ceticismo de alguns críticos à timidez do texto do Projeto de Lei, seria interessante que em breve tempo se possa ver algum comercializador afiliado ao IBP, firmando com uma grande indústria um contrato no mercado livre com preços menores que os atuais ou outras modalidades como profit share ou valor agregado, como o modelo da Shell com a térmica de Marlim Azul.
Seria um importante sinal ao mercado e uma indicação que estamos caminhando para um efetivo avanço neste setor.
Bruno Armbrust foi presidente do grupo espanhol Naturgy no período de 2007 a 2019 e é atualmente sócio da ARM Consultoria, que presta consultoria para comercializadoras e distribuidoras de gás. Renata Cavalcanti foi Conselheira de Administração da Naturgy até abril 2020 e da CEMIG até novembro 2019.
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