Oportunidades sociais e o setor eólico, uma realidade feminina, por Emiliana Fonseca

Oportunidades sociais e o setor eólico, uma realidade feminina, por Emiliana Fonseca

Se Deus é brasileiro, ainda não descobri. Fato é que no Brasil ocorrem certas coincidências naturais, sociais e econômicas que parecem que foram organizadas por uma força maior. Exemplo disso é o caso de o recurso eólico brasileiro coincidir com a geografia da desigualdade social. Os municípios, geralmente, com menores índices de desenvolvimento humano (IDH) são os que apresentam os melhores potenciais de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica.

Imagine o cenário brasileiro no começo dos anos 2000: um setor emergente e em franca expansão, altamente tecnológico, competitivo, que demanda conhecimentos técnicos específicos até então existentes, em especial, na Europa, sendo rapidamente implantado no Nordeste brasileiro, região conhecida por suas belas praias e pratos deliciosos, como também pela seca, fome, descaso e toda sorte de dificuldades sociais.

As torres eólicas mudaram não somente a paisagem nordestina, como também têm garantido a oportunidade de transformar a realidade das pequenas cidades localizadas no curso do vento. É claro que a mudança efetiva também depende do poder público, para gestão dos recursos e realização de investimentos.

O fato é que, há duas décadas (e ainda hoje), observamos as torres eólicas super tecnológicas, dividindo o mesmo espaço com a rotina do Sertão. Esta é, sem dúvida, uma das grandes riquezas desse setor, para além é claro, da geração de energia elétrica competitiva a partir de uma fonte renovável e limpa.

Da minha experiência atuando na área ambiental do Setor Eólico desde 2013, posso compartilhar algumas percepções, observadas em campo, nas minhas andanças pelas comunidades circunvizinhas aos parques. A mais relevante delas é a seguinte: a base da organização social do sertão Nordestino é feminina.

Os homens, tradicionalmente, ganham o mundo e saem para trabalhar em todo tipo de setor: agropecuário, mineração, obras civis, indústria de transformação… passam muitos meses fora de casa, para ganhar o que levariam, às vezes, anos com as plantações familiares. E quem é que fica para cuidar dos filhos, casa, roçado e comunidades? Elas. Todas as mulheres.

Conheci durante esses anos mulheres maravilhosas. Têm força, resiliência e coragem que poucas vezes vi. Ouvi histórias que nunca vou esquecer, e vivenciei situações ímpares.

No sertão baiano, conheci duas gerações admiráveis. Dona Guilhermina, mulher forte, voz grave e mãos calejadas na roça, costura com habilidade em sua fiel companheira de décadas. Enquanto beberica a sua Pitú curtida em ervas, me conta sobre o período do Cangaço. Conheceu todas as cangaceiras, incluindo Maria Bonita. Fico fascinada pela conversa, especialmente porque, por coincidência tinha terminado de ler a pouco tempo o livro “Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no Cangaço”, da Adriana Negreiros. Dona Guilhermina, além de exímia dançarina é uma memória viva de um período da História brasileira.

Na comunidade rural vizinha, conheci a Isabela. Menina de sete anos, que me encheu de perguntas logo da primeira vez que me viu: “Você é casada? Tem filhos? Você vem dirigindo sozinha até aqui? Você é das eólicas? O que você estudou? Onde você mora?”. Ouvindo respostas pouco convencionais para a realidade do lugar, se expressou por meio de um rostinho cheio de espanto, mas também de identificação, como se dissesse: “Então tudo isso é possível?”.

As experiências no Rio Grande do Norte, não foram menos ricas. Conheci um grupo de mulheres empreendedoras que fabricam bolos e doces, e comercializam os seus produtos nas escolas, Prefeitura e nas casas da vizinhança. A maioria dessas mulheres se instalou na comunidade no início dos anos 80, quando ainda não havia um assentamento demarcado. Moravam em barracas de lona, no meio da Caatinga brava, sem qualquer perspectiva de futuro. O futuro foi criado por elas, agarrando as oportunidades que apareciam, com muito trabalho.

E o que será que elas querem para o futuro? Penso que querem a chance de serem ouvidas e reconhecidas. Como que por instinto maternal, esperam deixar as comunidades rurais ainda melhores para as próximas gerações, e por esse motivo se esforçam significativamente para tirarem o máximo de proveito das ações sociais que as empresas promovem. Querem registrar a História das localidades e preparar as meninas para o futuro com novos saberes e oportunidades.

O Sertão é um mundo à parte: rico, árido, desafiador e feminino.

Emiliana Fonseca – Engenharia Ambiental (UFOP) e Mestre em Sistemas Energéticos Sustentaveis (Universidade de Aveiro). É deslumbrada pelo povo brasileiro e pela riqueza de sua cultura, história e sabedoria popular.

Dona Guilhermina – Sertão Baiano, 2020.
Comunidade localizada na Área de Influência Direta de um Parque Eólico. Foto: Emiliana Fonseca
Isabela – Sertão Baiano, 2020. Comunidade localizada na Área de Influência Direta de um Parque Eólico. Foto: Emiliana Fonseca
Rio Grande do Norte, 2019 Casa na Área de Influência Direta de um Parque Eólico.Foto: Emiliana Fonseca
Bahia, 2016 Paisagem da Caatinga na Área de Influência Direta de um Parque Eólico. Foto: Emiliana Fonseca
Rio Grande do Norte, 2020
Composição da paisagem (Caatinga e parques eólicos). Foto: Emiliana Fonseca