Energia

Oportunidades para biogás e biometano no mercado de carbono e no RenovaBio

Projetos para os biocombustíveis podem aumentar a rentabilidade e se tornarem viáveis com a emissão de créditos de descarbonização (CBIOs), escreve Pietro Mendes

Oportunidades para biogás e biometano no mercado de carbono e no RenovaBio. Na imagem: Usina de biometano no Biopark, parque tecnológico em Toledo, no oeste do Paraná (Foto: Divulgação/Biopark)
Usina de biometano no Biopark, parque tecnológico em Toledo, no oeste do Paraná (Foto: Divulgação/Biopark)

A Agência Internacional de Energia (IEA, 2022) define segurança energética, como sendo a disponibilidade ininterrupta de fontes de energia a um preço acessível.

O avanço do aquecimento global e dos acordos climáticos internacionais introduziu a necessidade de se levar em consideração a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE) (RODRIGUES, 2022).

O histórico recente das Conferências das Partes apresenta que, na COP21, foi aprovado o “Livro de Regras de Paris”; na COP26, houve o consenso de acelerar a ação climática na próxima década para limitar o aquecimento global a + 1,5ºC e avanços inovadores, tais como redução do carvão, controle das emissões de metano e interrupção do desmatamento.

E na COP27, esforços para evitar a escalada de conflitos internacionais (como o atual entre Rússia e Ucrânia), promoção da segurança energética (principalmente dos países europeus) e esforços para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (BEDONI et al, 2022).

A precificação do carbono se configura como um dos principais instrumentos para combater o aquecimento global e possui como características: valorar a externalidade negativa das suas emissões e o seu custo social.

Ressalte-se que existem diferentes gases do efeito estufa (GEE) como o próprio dióxido de carbono, o metano e dióxidos de nitrogênio, por exemplo, e todos são trazidos para a mesma base de dióxido de carbono equivalente (CO2eq) (CHAGAS, 2022).

Características do Crédito de Carbono

O crédito de carbono é um dos principais instrumentos da precificação do carbono e precisa atender as seguintes características: adicionalidade, confiabilidade, temporalidade, rastreabilidade e gerar benefícios adicionais sociais e ambientais (PLATTS, 2022).

Para atender ao requisito de adicionalidade, o projeto não pode ser obrigação legal, prática comum, ou financeiramente atrativo na ausência da receita dos créditos (PLATTS, 2022).

Para atender ao requisito de confiabilidade, a redução das emissões deve corresponder ao número de créditos de compensação emitidos para o projeto e levar em consideração quaisquer emissões não intencionais de GEE causadas pelo projeto (PLATTS, 2022).

Para atender ao requisito de temporalidade, o impacto da redução das emissões não deve correr o risco de reversão e deve resultar em queda permanente das emissões (PLATTS, 2022).

Para atender ao requisito de rastreabilidade, cada tonelada métrica só pode ser reivindicada uma vez e deve incluir a comprovação da retirada do crédito na maturação do projeto. O crédito se torna compensação quando aposentado (PLATTS, 2022).

Para atender ao requisito de gerar benefícios adicionais sociais e ambientais, os projetos devem atender às legislações da jurisdição e devem fornecer benefício adicionais em linha com os ODS da ONU (PLATTS, 2022).

Mercado de Carbono

No mercado de carbono, estabelece-se um limite de emissões para os emissores. Quando eles — os emissores — excedem esse limite, precisam comprar no mercado créditos de carbono dos emissores que obtiveram performance ambiental abaixo do limite. Os emissores com quantidade insuficiente, que não possuem a quantidade de créditos requerida, sofrem penalidades (SOLOMON, 2022).

A figura 1 apresenta cotações de indicadores de créditos de carbono da Platts, que mostra o aumento de janeiro até novembro de 2021 com a valorização deste título (PLATTS, 2022).

Figura 1 – Cotações de créditos de carbono (Fonte: SEP Global Platts, 2022)
Figura 1 – Cotações de créditos de carbono (Fonte: SEP Global Platts, 2022)

Existem três tipos de mercado de carbono (CHAGAS, 2022):

  1. Mercado Internacional Regulado: Mecanismos de cooperação previstos na Convenção do Clima e constituídos por convenções internacionais, onde há estabelecimento de limites de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Exemplos: Protocolo de Quioto (MDL) e Acordo de Paris (art. 6°, ITMOs, MDS);
  2. Mercado Jurisdicional Regulado: Mercados regionais, nacionais e subnacionais, em que a jurisdição decide autonomamente as metas — plataformas e regras de comércio, relato, monitoramento e registro e os mecanismos de proteção de competitividade e estabilidade de preços. Exemplos: European Union Emissions Trading System (EU ETS), o California Cap-and-Trade Program, etc.
  3. Mercado Voluntário: Mercados nos quais os participantes não são obrigados por lei a reduzir suas emissões. Os participantes decidem, espontaneamente, buscar a redução de suas emissões de GEE e são desenvolvidos com base em Padrões de Certificação criados por iniciativa privada e cada um tem suas próprias regras sobre a geração de créditos. Exemplos: Verra, Golden Standard etc.

Mercado de Carbono no Brasil

O Decreto n° 11.075, de 2022, instituiu o mercado de carbono no Brasil e o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde.

Os principais instrumentos estabelecidos foram: crédito de carbono, ativo financeiro e ambiental equivalente a 1 tonelada de CO2eq; crédito de metano, ativo financeiro e ambiental equivalente a 1 tonelada de CH4eq; planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas; e Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare).

Os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, envolvem os seguintes setores, conforme o parágrafo único, do art. 11, da Lei n° 12.187, de 2009:

  1.  Geração e distribuição de energia elétrica;
  2. Transporte público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros;
  3. Indústria de transformação e na de bens de consumo duráveis;
  4. Indústrias químicas fina e de base;
  5. Indústria de papel e celulose;
  6. Mineração;
  7. Indústria da construção civil;
  8. Serviços de saúde e
  9. Agropecuária.

Existem críticas de que este ato legal não seria suficiente, pois necessária lei específica, não há detalhamentos sobre a regulamentação e segurança jurídica necessárias (PHILODEMOS; SCOPEL, 2022). Desta forma, deve ser destacado o Projeto de Lei n° 412, de 2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e está em tramitação no Senado.

Outro ponto a ser ressaltado do Decreto decorre da falta de estabelecimento de penalidades, como multas, para as empresas que não cumprirem as metas dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas.

RenovaBio

A Lei 13.576, de 2017, dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), inspirada no Low Carbon Fuel Standard (LCFS) da Califórnia, para reduzir a intensidade de carbono da matriz de combustíveis e evitar as emissões dos gases de efeito estufa pela substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis.

Os produtores e importadores de biocombustíveis geram créditos de descarbonização (CBIOs), de acordo com a nota de eficiência-energética ambiental (NEEA) e com o volume de biomassa certificada nas operações de venda para distribuidor, empresa comercializadora de etanol, postos revendedores e transportador-revendedor-retalhista (ANP, 2019).

Esses créditos são comercializados na bolsa (B3) para a parte obrigada (distribuidoras), de acordo com o volume comercializado de gasolina A e diesel A, no ano anterior e no mercado voluntário (Figura 2).

Figura 2 – Esquema de Funcionamento do RenovaBio (Fonte: MME, 2022)
Figura 2 – Esquema de Funcionamento do RenovaBio (Fonte: MME, 2022)

A Figura 3 apresenta o volume negociado de CBIOs, e o preço médio diário desde o início do Programa.

Figura 3 – Quantidade negociada e preço médio diário (R$/CBIO) por data (Fonte: ANP, 2022)
Figura 3 – Quantidade negociada e preço médio diário (R$/CBIO) por data (Fonte: ANP, 2022)

Projetos de biogás e biometano

Os projetos de biogás e de biometano podem gerar créditos de carbono e de metano, desde que atendam aos requisitos de adicionalidade, confiabilidade, temporalidade, rastreabilidade e gerem benefícios adicionais sociais e ambientais.

Por exemplo, os projetos de biogás em que há queima no flare para transformar metano em dióxido de carbono e reduzir o seu potencial de gás do efeito estufa, dado que o metano é 25 vezes mais prejudicial do que o dióxido de carbono no período de 100 anos, podem gerar créditos de carbono. Nesse tipo de projeto, não há viabilidade econômica sem a venda dos créditos.

Assim, excluem-se os projetos que são obrigação legal, prática comum, ou financeiramente atrativos, na ausência da receita dos créditos. É, portanto, necessário demonstrar que o projeto não seria viável, caso não houvesse os créditos de carbono.

Com relação aos projetos de biogás para o RenovaBio, não é possível emitir CBIOs, pois, somente os projetos de biometano (que é o biocombustível especificado pela ANP, obtido da purificação do biogás), podem emitir CBIOs, quando houver a venda para distribuidores e postos revendedores.

Ressalte-se que a comercialização de biometano para gerar CBIOs não precisa atender ao critério de adicionalidade, dado que não há essa exigência no RenovaBio.

Para aprofundar: 

Tendências

A aprovação do PL do mercado de carbono e os demais atos para torná-lo operacional são fundamentais para que o Brasil desenvolva todo seu potencial de energia renovável.

O RenovaBio e o Mercado de Carbono podem e devem coexistir, sendo o principal desafio, para a fungibilidade dos créditos de carbono e metano com os créditos de descarbonização (CBIOs), a adicionalidade.

Independente de os CBIOs não atenderem ao critério de adicionalidade, faz-se necessário considerar o serviço ambiental dos biocombustíveis, de contribuir para redução das emissões dos gases de efeito estufa pela substituição de combustíveis fósseis.

Somente com o RenovaBio, foi possível remunerar a externalidade positiva de sua utilização e quantificar seus benefícios com a RenovaCalc.

Caso algum projeto possa gerar CBIOs ou créditos de carbono, deve ser feita a análise do título que mais compensa do ponto de vista financeiro, para se optar pela emissão de um deles e evitar a dupla contagem.

Referências

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP). Resolução ANP n° 802, de 5 de dezembro de 2019. Disponível em:<www.atosoficiais.com.br/anp>. Acesso em: 15.dez 2022.

_____. Painel dinâmico do RenovaBio: comercialização de CBIOs. Disponível em: <www.app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZDJhZjI3ZGQtYWUyZS00ZDkyLTk4MDMtMmI4MzE5YWNiOGYzIiwidCI6IjQ0OTlmNGZmLTI0YTYtNGI0Mi1iN2VmLTEyNGFmY2FkYzkxMyJ9&pageName=ReportSection4254c3f87ec1490a2ff8>. Acesso em: 15.dez 2022.

BEDONI, M.; SILVA, J. I.; FARIAS, T. COP-27 e os “nem tão novos ventos” para o direito das mudanças climáticas. Disponível em: <www.conjur.com.br/2022-nov-25/opiniao-cop-27-nem-tao-novos-ventos-clima>. Acesso em: 14.dez 2022.

CHAGAS, A.P. Workshop: Mercado de Carbono. Apresentação. 9° Fórum do Biogás. São Paulo, 2022.

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Energy security: ensuring the uninterrupted availability of energy sources at an affordable price. Disponível em: <www-iea-org.translate.goog/areas-of-work/ensuring-energy-security?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc>. Acesso em: 14.dez 2022.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). RenovaBio: nota explicativa sobre a Proposta de Criação da Política Nacional de Biocombustíveis. Disponível em: <www.antigo.mme.gov.br/documents/36224/459938/Nota+Explicativa+RENOVABIO+-+Documento+de+CONSOLIDACAO+-+site.pdf/dc4b6756-d7ca-ab6a-4aac-226c4b8bf436>. Acesso em: 15.dez 2022.

PHILODEMOS, A.B.; SCOPEL, C.A. Um importante passo para o mercado brasileiro de carbono. Disponível em:<https://www.machadomeyer.com.br/pt/inteligencia-juridica/publicacoes-ij/ambiental/um-importante-passo-para-o-mercado-brasileiro-de-carbono>. Acesso em 15.dez 2022.

PLATTS. Voluntary carbon markets: how they work, how they’re priced and who’s involved. Disponível em: <www.spglobal.com/commodityinsights/en/market-insights/blogs/energy-transition/061021-voluntary-carbon-markets-pricing-participants-trading-corsia-credits>. Acesso em: 14.dez 2022.

RODRIGUES, L. Workshop: Mercado de Carbono. Apresentação. 9° Fórum do Biogás. São Paulo, 2022.

SOLOMON, A. An introduction to investing in carbon markets. Disponível em: <www.alphaarchitect.com/2022/03/an-introduction-to-investing-in-carbon-markets>. Acesso em 14.dez 2022.

* Pietro Adamo Sampaio Mendes é doutor em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos pela UFRJ, com estágio pós-doutoral na Beddie School of Business da Simon Fraser University (SFU); e Conselheiro da Associação de Engenharia Automotiva (AEA).

Foi Secretário-Adjunto de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e Diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME). É assessor da Presidência da Infra S.A. e servidor de carreira da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

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