Em 2012, diante de discussões sobre alterações em contratos de concessão de atividades de exploração e produção de petróleo e gás no Brasil, a ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que seu governo defendia “um rigoroso respeito aos contratos”.
Em certo evento, Dilma chegou a ser vaiada sobre o tema por prefeitos, mas não mudou seu posicionamento e reforçou, de forma correta, o princípio da segurança jurídica.
Após um período turbulento em que vivemos questionamentos institucionais frequentes, criou-se a esperança de que, ultrapassadas as eleições, encontraríamos mais estabilidade no que se refere à incitação de violação de preceitos constitucionais básicos e inquestionáveis. Não é o que temos visto até agora, ao menos no setor de petróleo.
No dia 20 de janeiro, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) encaminhou ofícios ao Chefe da Casa Civil, Rui Costa, e ao Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, com pedido de suspensão e reavaliação de transações da Petrobras.
Segundo o que foi divulgado pela própria FUP, tais ofícios foram encaminhados após “reunião no Palácio do Planalto, entre o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, e a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.”
A suspensão de transações da Petrobras em gás e refino já seria questionável juridicamente, tendo em vista que respondem a Termos de Compromisso de Cessação (TCC) assinados com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), visando a fomentar a concorrência.
Qualquer mudança nesses processos de venda, como está sendo proposto, deveria ser antes negociada com o Cade, sob pena de violação dos TCCs, sujeita a punições por parte do Conselho e retomada dos processos administrativos em desfavor da Petrobras, além das demais medidas judiciais para execução.
Ainda assim, os TCCs têm sido duramente criticados por alguns membros do Grupo Técnico de Transição de Minas e Energia (GT), que os classificaram como parciais sob o ponto de vista jurídico e, segundo notícias, levantaram a possibilidade de prevaricação e conluio por parte da Petrobras, desconsiderando o fundamento técnico das decisões do CADE. Não seria isso, até certo ponto, desrespeito às instituições?
Mais do que isso, dentre as transações listadas pela FUP estão ao menos cinco que já foram assinadas com a Petrobras e estão em fase de conclusão.
Os processos de venda da Petrobras já foram, em vários casos, individualmente questionados por sindicatos ou terceiros em diversas instâncias do judiciário, tendo seus procedimentos revistos e aprovados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Contas da União.
Esses questionamentos fazem parte do salutar diálogo democrático. Nós, advogados, que estamos diretamente inseridos nesse debate, entendemos a relevância desse processo.
A suspensão e a reavaliação de transações assinadas, entretanto, sem a devida previsão contratual, como proposto pela FUP, seria uma violação clara ao ato jurídico perfeito, direito amplamente garantido na Constituição. Qualquer opinião diferente dessa não encontra respaldo legal.
Por meio do ato jurídico perfeito, protege-se indiretamente o direito adquirido, que garante a certeza das relações jurídicas, sendo esse direito cláusula pétrea da nossa Constituição.
Certamente não podemos responsabilizar governos por pedidos de terceiros. A FUP, entretanto, não é uma entidade com pouca relevância no presente Governo.
Trata-se de instituição que teve dois representantes no GT de transição de Minas e Energia, sendo um deles o próprio coordenador geral da FUP, de um total de 12 integrantes — inclusive, o presidente interino da Petrobras, Jean Paul Prates. Desconhecemos outra que tenha mais representatividade.
As entidades que representam empresas do setor de petróleo e gás, tais como Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e Associação Brasileira do Produtores Independentes de Petróleo (ABPIP), não tiveram a mesma oportunidade de participação no GT.
Nesse sentido, importante que ideologias não impeçam o pragmatismo necessário para a atração de investimentos e geração de renda e emprego.
A segurança jurídica sempre foi e sempre será um dos principais fatores de atração de investimentos, o que é demonstrado em diversos artigos científicos e pesquisas de mercado.
Sinalizações negativas sobre esse tema impactariam não somente o setor de petróleo, mas todos os investidores atentos aos precedentes brasileiros nas relações entre público e privado em diversas áreas da economia.
Por esse motivo, o governo federal deve sempre reforçar o respeito às instituições e à Constituição, cumprindo rigorosamente os contratos assinados e se afastando de qualquer proposta de retrocesso.
- Cobrimos por aqui: Lula quer fim da venda de ativos da Petrobras
Giovani Loss é sócio do escritório Mattos Filho.
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