Energia

O que muda nos preços de referência do petróleo com o decreto 11.175/2022?

Regra afeta o valor-base para arrecadação de royalties, mas pode estimular investimentos em campos de menor porte. Artigo por Felipe Boechem e Jayme Freitas

O que muda nos preços de referência do petróleo com o decreto 11.175/2022? Na imagem, sonda terrestre para exploração onshore
Primeira alteração relevante é a previsão de que a ANP considere as condições de comercialização das empresas de pequeno e médio porte para fins de definição do preço de referência

Em 18 de agosto deste ano foi publicado o decreto 11.175/2022, que promoveu alterações no decreto 2.705/1998 com o objetivo de flexibilizar os critérios adotados pela ANP para determinação do preço de referência do petróleo (PRP) produzido em cada campo no Brasil.

A definição do preço de referência do petróleo é um tema de grande relevância para a indústria de petróleo brasileira, uma vez que serve como base para o cálculo das participações governamentais aplicáveis às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural (E&P).

Para melhor contextualização das mudanças trazidas pelo decreto 11.175/2022, é importante compreender a evolução do tema desde a edição do decreto 2.705/1998.

Nessa jornada, podemos identificar três momentos relevantes durante os quais vigoraram diferentes regimes aplicáveis à definição do PRP.

O primeiro regime adotado pelo decreto 2.705/1998 vigorou até 31 de dezembro de 2017 e previa que o PRP a ser adotado para cálculo das participações governamentais deveria ser o maior valor entre:

  • (i) média ponderada dos preços de venda praticados pelo concessionário em condições normais de mercado;
  • (ii) e o preço mínimo do petróleo extraído de cada campo, estabelecido mensalmente pela ANP com base no valor médio mensal de uma cesta-padrão composta de até quatro tipos de petróleo similares cotados no mercado internacional, conforme os critérios definidos por meio de regulamentação.

Em 2017, duas alterações importantes foram implementadas ao regime de determinação do PRP, que resultaram no aumento do recolhimento de participações governamentais, iniciando assim o que podemos chamar de segundo regime.

Por meio do decreto 9.042/2017, o preço de referência do petróleo passou a ser estabelecido pela ANP diretamente com base no valor médio mensal de uma cesta-padrão composta de até quatro tipos de petróleo similares cotados no mercado internacional.

Ou seja, ao invés de calcular o preço mínimo do petróleo, a ANP passou a calcular o próprio PRP.

  • Na esteira do decreto 9.042/2017, a ANP aprovou a resolução ANP 703/2017, com objetivo de revisar os critérios para fixação do PRP e, consequentemente, aumentar o montante das participações governamentais.

Em virtude dos impactos causados por tais alterações aos projetos de E&P, o decreto 9.042/2017 estabeleceu mecanismos para promover maior previsibilidade e segurança jurídica sobre o regime de participações governamentais, que é um dos aspectos mais relevantes na estruturação e análise de viabilidade econômica desses projetos.

Nessa linha, o decreto 9.042/2017 previu as seguintes regras de estabilização:

  • (i) a ANP não poderá reavaliar a metodologia do PRP em período inferior a oito anos;
  • (ii) e a implementação da reavaliação do PRP pela ANP deverá observar um período de transição não inferior a quatro anos.

Política para pequenas e médias empresas

Não obstante, passados cinco anos desde o decreto 9.042/2017, foi editado o decreto 11.175/2022 que promoveu novas mudanças na metodologia. Dentre tais alterações, três merecem especial atenção.

A primeira alteração relevante é a previsão de que a ANP considere as condições de comercialização das empresas de pequeno e médio porte para fins de definição do preço de referência.

Espera-se que com essa medida a ANP confira tratamento diferenciado e mais favorável para as pequenas e médias empresas na definição do preço de referência relativo aos seus campos de produção de petróleo.

Trata-se de uma medida que permitirá à ANP corrigir distorções de mercado e implementar condições materialmente isonômicas entre os agentes regulados.

Caso seja adequadamente utilizada pela ANP, tem bom potencial de viabilizar novos projetos, em especial em áreas terrestres, bem como estimular a recuperação da produtividade de campos maduros, que não sejam mais de interesse econômico dos grandes players do setor de E&P.

Nessa mesma linha, o MME destacou em nota sobre o tema que essa medida pode “reforçar as políticas públicas que visam ao aumento da participação de empresas de pequeno e médio porte, com destaque para o Programa de Revitalização da Atividade de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural em Áreas Terrestres (Reate) e o Programa de Revitalização e Incentivo à Produção de Campos Marítimos (Promar)”.

Mudança na referência internacional de preço

A segunda medida é a supressão da regra que estabelecia que a ANP deveria usar uma cesta de até quatro tipos de petróleos similares como benchmark para definição do preço de referência do petróleo produzido em determinado campo.

O decreto 11.175/2022 passa a exigir apenas que a ANP deverá usar como referência para definição do PRP as cotações de petróleos e derivados de referência adotados pelo mercado internacional, o que confere maior flexibilidade para a agência reguladora.

Futuras alterações

A terceira medida a ser destacada é o fim das regras de estabilização instituídas pelo decreto 9.042/2017, o que abre espaço não apenas para que a ANP reavalie a metodologia do PRP de forma mais frequente, como também implemente as respectivas alterações de forma mais imediata.

Diante deste contexto, é necessário observar com cautela como a ANP irá se portar diante da maior flexibilidade conferida à agência pelo decreto 11.175/2022.

Embora seja compreensível que se objetive a correção pela ANP de eventuais distorções no PRP, o uso inadequado dessa flexibilidade pode ter efeitos práticos adversos na previsibilidade e segurança jurídica da indústria de E&P, e consequentemente no próprio potencial de arrecadação das participações governamentais.

Felipe Boechem é sócio da prática de Energia e Infraestrutura e líder da prática de Petróleo e Gás do Lefosse.

Jayme Freitas é sócio da prática Tributária do Lefosse.