O futuro do GLP: concorrência e exportação, por João Vitor Velhos

Por ser largamente utilizado na cozinha dos brasileiros, o preço do GLP é sensível do ponto de vista social e tem um histórico de controles e subsídios
Por ser largamente utilizado na cozinha dos brasileiros, o preço do GLP é sensível do ponto de vista social e tem um histórico de controles e subsídios (Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil)

Por João Vitor Velhos | Pode até parecer controverso, mas a expansão do setor de gás liquefeito de petróleo (GLP) no país pode estar condicionada ao sucesso do seu maior competidor, o gás natural. É que a elevação potencial da produção deste energético – alavancada pelos campos do pré-sal – poderá justamente pavimentar o caminho do aumento da oferta e da competição no mercado do gás de cozinha. O resultado pode ser a reversão da condição do país de importador de GLP, com garantia do abastecimento nacional e até mesmo disponibilidade do produto para exportação. 

A crise provocada pela pandemia do Covid-19 realçou a já conhecida necessidade de maiores investimentos na infraestrutura de movimentação e armazenamento de combustíveis no Brasil. No caso específico do mercado de GLP, além do desenvolvimento do mercado de gás natural, isso passa principalmente pela criação de novas vias de suprimento, expansão de terminais e estímulo à pluralidade de agentes vendedores do combustível.

A produção e venda no atacado é basicamente feita pela Petrobras atualmente, a partir de suas refinarias e plantas de processamento de gás (UPGNs), além de importação. Caso o potencial apresentado pelo gás natural seja monetizado,  a produção nas UPGNs pode quadruplicar até 2030, chegando a 10 milhões de toneladas por ano. Para se ter uma ideia, trata-se de volume mais do que suficiente para atender todo o consumo nacional, que é de aproximadamente 7 milhões de toneladas por ano. Esse aumento da produção de GLP nas UPGNs é possível porque o gás natural do pré-sal é, em média, rico em matéria-prima petroquímica, como o propano e butano, que juntos formam o gás de cozinha. 

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As projeções levam em conta principalmente os campos já em operação e em desenvolvimento, além de áreas em exploração no pré-sal arrematadas nos leilões conduzidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Gráfico 1. Evolução e projeção da oferta de GLP produzido em UPGNs. Fonte: Gas Energy

Ao mesmo tempo, a produção de GLP nas refinarias, que tem sustentado grande parte da oferta ao longo dos anos e hoje responde por cerca de 3,7 milhões de ton/ano, tende a perder importância relativa. No cenário de desinvestimento de algumas unidades da Petrobras, o espaço do combustível pode até mesmo ser reduzido nessas instalações, a depender da estratégia a ser adotada pelos novos operadores, que podem optar por otimizar a produção de outros combustíveis, como o diesel, em detrimento do GLP.


Gráfico 2. Evolução do balanço de oferta e demanda de GLP. Fonte: Gas Energy

No que diz respeito à infraestrutura, a expansão da produção de GLP está condicionada às mesmas necessidades para o aproveitamento do potencial de gás natural do pré-sal, o que inclui a construção de novas rotas de escoamento e novas UPGNs. Nesse sentido, vale lembrar que as projeções acima pressupõem a instalação de pelo menos mais duas unidades de processamento nos próximos quatro anos, sendo uma delas a unidade do Comperj, já em estágio avançado de construção. 

Outro grande desafio é que, como indicado no Gráfico 1, a tendência é de concentração cada vez maior da produção no Rio de Janeiro, tendo em vista a localização dos campos do pré-sal. Isso impõe a necessidade de forte investimento portuário e logístico, viabilizando maior operação de cabotagem para transporte do GLP para o restante do país, além da possibilidade de exportação.

Potenciais investidores já têm demonstrado interesse pelo segmento. A movimentação de players privados buscando se posicionar nesse novo ambiente de oportunidades está ligada ao cenário de abertura à competição no setor de combustíveis no Brasil, com liberdade de preços e redução progressiva da presença do poder estatal. 

Por fim, é importante ressaltar que, para que todo esse potencial de produção de GLP seja realizado, é essencial que o movimento de abertura do mercado de gás natural seja consolidado, com a manutenção dos esforços em torno dos marcos regulatórios e estímulo para o aproveitamento efetivo dos extraordinários volumes já descobertos. Isso passa fundamentalmente pela aprovação do substitutivo do Projeto de Lei 6.407/2013, que reforma a Lei do Gás, bem como pelo equacionamento de questões como a definição de instrumentos visando a garantia de suprimento e previsibilidade para acesso efetivo aos sistemas de transporte.

Respeitadas todas essas condições, há fundamentos sólidos para que, uma vez vencida a atual crise, sejam desenvolvidas soluções para expandir a disponibilidade de GLP no país a médio e longo prazos com ganhos materiais a toda a sociedade.

* João Vitor Velhos é gerente técnico da Gas Energy.

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