E chega ao final a série de três artigos sobre temas relativos à geração de energia solar no Brasil. De antemão, apenas um alerta: não há qualquer aspiração por parte do autor de abordar todos os aspectos relevantes.
O assunto deste artigo será compliance. Para o presente, compliance vai ser usado mais limitadamente e apenas com relação a temas de prevenção à corrupção e lavagem de bens ou capitais, cabendo uma ponderação mais ao final e remediação ficaria também para outra oportunidade.
To comply, no infinitivo e em inglês, é usado como referência para cumprir, também no infinitivo, mas em português. Os contextos são vários em que a expressão é usada também na língua inglesa.
Compliance é muito usado como referência para cumprimento de algo. Mas seria cumprimento das regras do edital, contrato e/ou condições gerais de contratação? Sim para todas as alternativas, em grande parte, com as referências expressas ou não que podem ser aplicáveis.
Copiar e colar textos de editais e modelos de contrato e até condições gerais de contratação pode ser uma solução e um problema em várias situações e, no caso dos projetos relativos à geração de energia solar não poderia ser diferente.
Leia os outros dois artigos da série:
- Preços voláteis dos insumos para construção e manutenção de usinas solares
- Atraindo os melhores fornecedores na contratação de energia solar
Riscos e cuidados
Mas quando o assunto é compliance, alguns cuidados são necessários.
Claro que os riscos variarão conforme o porte dos projetos, bem como outros fatores, como quem contrata, onde os projetos serão desenvolvidos, quem é a controladora da distribuidora de energia e tantos outros fatores que não caberiam aqui.
Na parte prática da questão, vale analisar casos de textos de editais e contratos, além de eventuais termos e condições de fornecimento que sejam aplicáveis, chamados a partir daqui de documentos aplicáveis.
Aqueles documentos aplicáveis que fizerem referência ao Foreign Corrupt Practices Act dos Estados Unidos, ou FCPA, legislação que ditou e ainda dita padrões em convenções internacionais sobre o tema do combate à corrupção, tendem a não ajudar muito.
Para começar, num país em que a língua inglesa é ainda um desafio para tantos, referências ao que é estrangeiro pode ter efeitos variados desde uma intimidação até ser motivo de chacota, passando por etapas diversas, como a própria ignorância, sem se querer ou dever apontar culpados.
Além disso, uma reação que pode ser comum é a rejeição, já que o país não deveria se desdobrar ao imperialismo internacional, algo que é aqui escrito com toda a carga de ironia possível.
Dá para resolver de outra forma, que não pela referência ao FCPA, ou ao UK Bribery Act do Reino Unido, ou Loi Sapin II, da França? Claro que dá. Trata-se, na verdade, muito mais de uma questão de combinar a semântica própria com as ferramentas adequadas.
A semântica talvez seja mais fácil de resolver. Basta copiar, colar e adaptar um pouco os dispositivos da Lei 12.846/2013 e seu decreto regulamentador, reeditado há poucos meses. Eventualmente vale a pena olhar cartilhas, manuais e outros documentos que se pode encontrar por uma simples pesquisa no Google.
Claro que o ideal não é redigir textos de editais ou contratos ou mesmo condições de contratação na aventura. E, ainda pensando em ideal, o melhor seria que todos os documentos fossem precedidos de processo de construção com participação pública, via consulta, via audiência talvez. Mas dentro do que a complexidade exija e a demanda permita, claro.
O mais desafiador poderá ser implementar as ferramentas para se buscar garantir que dentro da própria contratante as práticas e mensagens erradas não serão usadas.
Um exemplo, pelo menos
Principalmente se a contratante for do setor público, mas não somente nesse caso, as áreas de governança, integridade, compliance se for chamada assim, e auditoria precisam estar adequadamente funcionando e alinhadas.
Cabe um mundo de subjetividade no adequadamente do parágrafo anterior, bem como no alinhadas. Vai depender do porte, área de atuação da contratante e vários outros fatores. Mas para que, exatamente?
Tipicamente, áreas de compliance existem para inclusive monitorar se alguém dentro da contratante está direcionando fornecedores, inclusive fantasmas, para contratadas.
Em tempos de discussão sobre rachadinhas, vital aceitar que problemas existem e são um mal a ser combatido em todos os setores, não somente no setor público, e não algo a ser normalizado, sob várias penalidades possíveis, inclusive reputacionais.
Contratadas podem se sentir intimidadas, desconfiantes até, de situações geradas pela indicação de fornecedores para os projetos de construção e operação de usinas fotovoltaicas, passando por todas as etapas intermediárias.
E se não houver um canal independente de reporte desse tipo de situação? Daí já pode começar a haver um problema grave.
Naturalmente a questão do compliance num setor que oferece enorme promessas de contribuir para a diversificação da matriz energética brasileira e mundial precisa ser mais bem desenvolvido do que nas poucas linhas aqui colocadas.
Afinal, a palavra estrangeira também pode comportar outros tipos de questões relevantes, inclusive prevenção e combate ao assédio de todas as formas, cumprimento de regras de segurança, de proteção ao meio ambiente, proteção de dados e a lista vai longe.